Comportamento nas assembleias
Encontro não deve ser visto como final de campeonato de futebol
Por Alexandre Marques*
Recentemente um dos advogados de nossa banca de assessoria jurídica passou por uma experiência única, dramática, daquelas difíceis de esquecer. Foi o falecimento de um condômino momentos antes do início da assembleia. O morador era ainda ex-síndico e ex-conselheiro e encabeçava ferrenha oposição à equipe diretiva do momento.
Os moradores acomodavam-se em seus lugares naquele breve espaço de tempo que antecede o início da reunião e ele, condômino, conversava com um grupo de pessoas de pé, próximo a entrada. De repente, levou a mão no peito, cerrou os olhos e desfaleceu; a ajuda imediata de uma profissional da saúde presente no local e os esforços de uma equipe do SAMU que chegou minutos depois, não foi suficiente para evitar o falecimento. O morador deixou esposa, filhos e netos.
Já tinha certa idade, mas era muito ativo, aparentando ter saúde e este subscritor teve a oportunidade de realizar uma reunião de quase três horas com ele, mês e meio antes da assembleia objetivando conciliar o grupo polarizado. Afinal, todos lutavam por uma gestão eficiente para o condomínio.
O episódio leva-nos a uma reflexão: Até que ponto vale à pena o desgaste emocional, psicossomático, e fisiológico por questões como estas, ligada ao aborrecimento com questões operacionais, administrativas e de gestão do condomínio?
Afinal, o grupo que está lá e que certamente não consegue agradar a todos, um dia, (ainda que demore mais do que o desejável) deixará o “poder” e outras pessoas assumirão, e mais, no fim, todos pagam a conta da boa ou má gestão da mesma forma.
As pessoas deixam de focar muitas vezes no problema, deixando-se dominar por sentimentos de angústia, ressentimento, indignação, revolta e destempero em relação à pessoa (ou grupo de pessoas) que está lá momentaneamente à frente do condomínio, será que vale à pena?
As assembleias de condomínio, mormente as ordinárias onde haverá prestação de contas, aprovação de previsão orçamentária, eleição de síndico e demais membros da equipe diretiva (Art. 1.350 do C.C.), assemelham-se muitas vezes a uma partida de futebol, daquelas mais acirradas e de opositores apaixonados por suas ideias, posicionamentos e valores.
Nós, profissionais do setor condominial que participamos diariamente destas reuniões há muitos anos percebemos isso de forma muito clara e o condômino experiente que participa com frequência também.
O plenário divide-se meio a meio (não raras vezes na disposição das cadeiras), arruma-se as cadeiras uma ao lado da outra em fileiras simétricas, os moradores vão chegando e agrupando-as na medida em que vão tomando assento em grupos com interesses afins.
Quando se vê, momentos antes do início da assembleia, há um corredor separando os grupos, agora, polarizados, exatamente como em um estádio de futebol. O juiz da partida é o presidente da assembleia, eleito por vezes de forma não muito democrática o que leva a reclamação e admoestação de praxe, da mesma forma como testemunhamos antes do início da partida quando o juiz e seus auxiliares entram em campo para conferir se está tudo em ordem.
Os auxiliares que formam o trio de arbitragem são o secretário da assembleia, normalmente o representante da administradora do condomínio ou por vezes, o pobre advogado, fazendo o papel de mediador da peleja que está por vir. A eles cabe “apontar os eventuais impedimentos e outras faltas” da partida.
Pode rememorar, logo que se inicia a assembleia e o presidente é eleito, juntamente com o secretário, os olhares entre as pessoas de ambos os grupos ficam atentos a demonstrações furtivas de lado-a-lado, como se fosse uma partida de pôquer, onde qualquer movimento ou aceno diferente é interpretado como um sinal para os membros de “seu grupo”, de sua “torcida”, já nessa hora muitas vezes afloram expressões pedindo por “transparência”, “ética”, “protestos”, “apoio”, “formalismos”, etc. numa clara demonstração do espírito beligerante dos presentes, denunciando o que está por vir.
Cada decisão votada a favor ou contrária ao interesse de um grupo é comemorada como se fosse um “gol”, ponto alto da partida, fala-se em “placar”, “resultado”, “virar o jogo” e assim por diante. Por vezes veem-se comemorações efusivas e apertos de mão! Como quem diz: “bom trabalho!”.
A assembleia-partida segue tensa, uma palavra mal colocada ou um “slide” trocado no datashow que está apresentado a prestação de contas do período, mesmo um simples erro de digitação, leva a vaia ou ovação dependendo do interesse da turba, com manifestações ruidosas e, por vezes, não muito corteses. Um erro claramente assumido é pênalti!
E, já próximo ao final da assembleia têm-se a sensação por quem assiste de fora desapaixonadamente, que não interessa mais se a deliberação tomada está mesmo sendo feita em favor ou não do condomínio, mas, a favor ou em desfavor de grupos antagônicos, uma pena realmente...
Lamentavelmente é esse espírito, este estado de ânimo, que algumas vezes motiva a participação de alguns moradores em assembleia, a disputa, a peleja, a defesa dos interesses de um grupo de moradores sobre outro, movido por sentimos e razões menos nobres do que realmente buscar o que seria de interesse comum daquela comunidade como um todo, afinal, como já dissemos nesse espaço dezenas de vezes “quem escolhe morar em condomínio, escolhe viver em um micro sociedade, com regras que se aplicam a todos indistintamente, abrindo mão de sua privacidade em prol da coletividade”.
As decisões tomadas apaixonadamente nas assembleias não raras vezes mostra-se prematura, equivocada ou incompleta a questão que realmente importa a massa condominial que realmente era o propósito daquela assembleia, mas isso, só ficará evidenciado depois de algum tempo.
Tanto antagonismo, estresse e ansiedade pela expectativa da assembleia e suas deliberações, podem levar a uma infeliz fatalidade como a narrada no início de nosso texto, lembrado que as decisões assembleares em algumas oportunidades são revistas com o tempo, podem ser modificadas em assembleia futura, mesmo por decisão judicial (sendo o caso).
Porém, a vida, o bem estar do próximo, o bom relacionamento com o vizinho, o respeito para com os demais comunheiros, o exemplo aos filhos, que sabemos se espelham na conduta dos pais (muitas crianças e jovens presenciam as assembleias até por que os pais não têm com quem deixar), é o que realmente importa, todo o resto é fugaz, de importância relativa!
Pense nisso antes de ir para a próxima assembleia irascível, tomado de ira, pronto para um combate! Seu coração, que é apaixonado por você agradece!
(*) Alexandre Marques é consultor, advogado militante e professor na área de direito condominial; Mestrando pela FADISP, Coordenador do curso de Pós-graduação em Direito Condominial da FAAP/SP, especialista em Processo Civil pela PUC-SP, com cursos de extensão em Direito Imobiliário e Direito Civil; membro da Comissão de Direito Condominial do IBRADIM (Instituto Brasileiro de Direito Imobiliário), palestrante do Departamento de Cultura e Eventos da OAB-SP; coautor do Audiolivro: “Tudo o que você precisa ouvir sobre Locação” (Editora Saraiva) e Autor do livro “Legislação Condominial: aplicação prática”; articulista dos programas “Metrópole Imobiliário” da Rádio Metrópole FM; “Edifício Legal” da rádio CBN-RO , “A hora do povo” da rádio Capital-SP e “Dito e Feito” da Rádio Nacional; sócio-diretor da Alexandre Marques Sociedade de Advogados.