Clientes x Incorporadoras: 12 situações que geram conflitos
Mercado imobiliário cresceu, mas precisa melhorar a relação com seus clientes para não frustrar expectativas
A casa própria tornou-se um sonho realizado para milhões de pessoas numa escala extraordinária nas últimas duas décadas. A acelerada urbanização das grandes cidades, estimulou a indústria imobiliária, que tem superado sistematicamente sua capacidade de produção de novos imóveis, impulsionada pelas vendas que se mantêm em patamares elevados e por condições mais favoráveis de financiamento aos empreendedores e aos compradores. Mas o setor ainda necessita se atentar para não frustrar expectativas dos clientes, o que às vezes pode transformar o sonho realizado num terrível pesadelo.
O modelo de incorporação imobiliária que dispomos, atualmente, acelerou o processo de conquista do primeiro imóvel próprio para milhões de pessoas e hoje concentra a maior parte de edificações disponibilizadas no mercado para o uso residencial e comercial em forma de condomínio.
Políticas governamentais, novas fontes de crédito para a construção e a expectativa de taxas mais acessíveis para o cliente final criaram o ambiente adequado para que mais empresas passassem a investir no setor e outras já estabelecidas buscassem ampliar o desenvolvimento de empreendimentos imobiliários de todos os portes e para todos os públicos.
O processo adotado pelas incorporadoras considera a venda na planta de imóveis que serão desenvolvidos em até 36 meses, em média, e hoje mobiliza uma extensa e complexa cadeia produtiva, que reúne centenas de empresas e profissionais, em todas as etapas de execução.
O que nem todos observam e que entre a compra e o uso do imóvel há um intervalo de dúvidas e incertezas, preocupações que rondam a cabeça do cliente. Depois de represadas por meses essas questões desaguam justamente na fase mais delicada do empreendimento, que é a sua implantação. A resposta inadequada, tardia ou a omissão causam frustração e decepção, e às vezes arrependimento.
Em todos os projetos – da habitação popular aos empreendimentos de médio, alto, altíssimo padrão e multiuso –, que estão sendo desenvolvidos em todo o País por empreendedores privados, há uma enorme preocupação com as vendas, que determinam a viabilidade do negócio.
No entanto, existe um ingrediente geralmente menosprezado: a expectativa dos clientes em relação ao produto que compraram, em especial entre aqueles que nunca tiveram a oportunidade de adquirir e assumir uma unidade em condomínio em fase de implantação.
Para reflexão, apresento a seguir 12 situações que costumam gerar conflito nas relações dos clientes com a incorporadora/construtora sobre as questões de projeto, fatores de correção do contrato e condições de entrega das unidades privativas e dos condomínios.
Em algum momento, inevitavelmente, isso trará implicações para a atuação do síndico e da administradora do condomínio, que já têm uma árdua missão pela frente e ainda são cobrados de situações que não lhes competem, bem como acusados de proteger ou favorecer os empreendedores. Ou seja: não tem nada a ver, mas tem tudo a ver.
Em boa parte, a maioria dessas situações é previsível e recomenda uma ação ainda mais proativa e transparente das incorporadoras e construtoras na relação com seus clientes, para o esclarecimento de dúvidas e alinhamento de expectativas na compra, durante toda a fase de construção e na preparação e entrega do empreendimento, visando minimizar os efeitos da desinformação, ruídos de comunicação e falhas de atendimento. Confira:
1) Vale o que está no contrato
O cliente deve ser esclarecido que as condições de compra e obrigações do comprador e da incorporadora/construtora estão no contrato, chamado de Compromisso de Venda e Compra.
O comprador necessita saber qual o fator de correção de seu contrato, fazer simulações e entender como se processa a quitação da sua dívida com a incorporadora para receber as chaves do imóvel pronto.
No meio de tantas siglas e expressões jurídicas é comum que o contrato seja assinado sem uma melhor análise ou a orientação de um advogado, devido às circunstâncias criadas para não se perder uma reserva ou uma condição especial. Por isso, atenção: o contrato norteia a compra do imóvel e é o que vale.
2) Informar ao cliente sobre a obra
Diante das notícias e comentários ruins e desmotivadores, que se costuma ouvir de terceiros quando se fala da compra de um imóvel na planta, devido a experiências malsucedidas, o cliente necessita permanentemente receber informações que reafirmem que foi acertada a sua opção de compra.
Comunicar o andamento da obra é fundamental para a credibilidade do negócio. Para isso, é importante que o cliente receba boletins periódicos sobre as etapas desenvolvidas e avanço do cronograma. Vídeos curtos e outros materiais que o cliente vier a receber certamente serão mostrados para parentes e amigos.
3) Acesso à unidade
A equipe da construtora restringirá o acesso dos clientes na obra, por questões de segurança e para que o entra-e-sai de pessoas não crie complicações na rotina dos operários.
Mas como é comum o cliente pedir para visitar sua unidade, além de prestar informações sobre o andamento da construção, é importante proporcionar a visita quando houver condições adequadas para isso.
Enquanto não são autorizados a ver tudo de perto, resta aos clientes colocar em prática o cuidado de dono, que acompanha a obra mesmo que da rua ou da calçada, atento aos cuidados da construtora com segurança, limpeza e acabamento.
4) Cuidado com as promessas
Necessariamente, as empresas desautorizam compromissos verbais ou informais com os clientes sobre alguma concessão ou benefício ligado ao imóvel.
Por isso, cautela com promessas feitas por corretores de imóveis sobre a posição do apartamento no empreendimento, para não se decepcionar, por exemplo, com o ruído excessivo (principalmente nos andares inferiores, proximidade com áreas de lazer, recreação, festas, esportes ou nos superiores, devido às bombas e casa de máquinas de elevadores). As normais técnicas preveem sistemas que melhoram o isolamento acústico, mas pessoas mais sensíveis tendem a se incomodar.
Outra situação comum de promessa é na hora da vistoria ou entrega de chaves, quando há algum ajuste no acabamento. Tudo deve ser formalizado e depois conferido para segurança do cliente e da própria construtora.
5) Personalização
A maioria dos empreendedores oferece aos clientes programas de personalização para eventuais alterações estruturais ou de acabamento, dependendo do tipo de empreendimento.
É fundamental que os prazos para solicitar a personalização sejam bem divulgados e que, após essa data, os novos contratos nem prevejam esse benefício aos clientes, para evitar futuras consultas ou abordagens desnecessárias.
Cabe também um esclarecimento sobre a diferença dos itens da personalização em relação ao acabamento-padrão, aos custos das intervenções (quando houver) e as garantias oferecidas.
A maioria dos clientes que rejeita a personalização nem sabe que perderá o direito à assistência técnica do ambiente em que fizer uma intervenção por sua conta, como a troca do revestimento cerâmico da cozinha.
6) Dicas sobre a vida em condomínio
Mesmo quem já morou em condomínio pode estar diante de sua primeira experiência numa implantação. Nessa complexa fase, o condomínio começa a funcionar e sua operação – se bem-sucedida – pode determinar um local em que haja segurança, prestação de bons serviços, qualidade de vida, boa convivência e valorização do patrimônio.
Por isso, é indispensável repassar recomendações sobre a vida em condomínio, usos dos equipamentos e ambientes comuns. O espaço de domínio comum deve ser utilizado e respeitado por todos. Para tudo funcionar bem e todos exercerem na plenitude seus direitos, cada condômino deve cumprir com seus deveres.
7) O papel do síndico e da administradora
Sempre haverá dúvidas sobre o papel e as diferenças entre as atividades desenvolvidas pelo síndico e pela administradora, que cuidarão do condomínio desde a sua implantação.
Muitos condôminos necessitam conhecer a dinâmica de funcionamento do condomínio, que cumpre uma série de requisitos legais no seu primeiro ano de funcionamento.
O síndico é o responsável legal do condomínio e pode ser orgânico (também proprietário de unidade) ou profissional. A maioria dos empreendimentos em implantação tem um síndico profissional no comando, porque se atribui a ele maior preparo para atuar nessa fase do condomínio, exercendo, entre outras tarefas, a gestão operacional.
Já a administradora é o braço de apoio do síndico para realizar a gestão financeira (boletos a receber e contas a pagar), contábil, cotações/orçamentos, convocações, atas e suporte no atendimento de condôminos;
8) Vistoria, entrega e garantia
Ao entregar o empreendimento, a incorporadora/construtora conclui seu compromisso com o cliente, mas, para isso, deve demonstrar que a unidade privativa foi construída de acordo com as condições contratadas.
A conferência do acabamento e das instalações é necessária e a correção das observações pertinentes deve ser rápida. A vistoria deve ser feita sem pressão sobre o cliente. Para as áreas e os equipamentos comuns recomenda-se o mesmo cuidado.
Mas devido à sua complexidade, essa vistoria pode ser feita por uma empresa especializada e independente contratada pela incorporadora, que emitirá um laudo técnico indicando correções e ajustes.
Esse material servirá de referência para que o síndico possa incluir outros pontos e já tomar iniciativas ligadas ao uso dos ambientes e equipamentos.
Na entrega, o cliente deve receber um manual de uso e manutenção da unidade (manual do proprietário) e todas as explicações de como exercer seus direitos de assistência técnica em garantia.
9) Detalhes que fazem a diferença
Antes de definir a compra de um imóvel na planta, o cliente deve conhecer e andar pelo bairro em que o empreendimento será construído para avaliar o comércio e serviços disponíveis, segurança no entorno e o fluxo do trânsito na entrada e saída do futuro empreendimento.
Se possível, falar com moradores de imóveis vizinhos e verificar outras obras já executadas pela incorporadora e consultar sites e canais em que é possível entender como a empresa trata e resolve os problemas que inevitavelmente surgem num imóvel ou condomínio novos.
10) A primeira vez numa implantação
Entre as pessoas que sempre moraram em casa de rua muitas tendem a sentir alguma dificuldade na convivência com os vizinhos quando se mudam para um condomínio, principalmente na fase de implantação.
Afinal, diferentemente da casa, não se pode lavar com mangueira ou baldes d’água as áreas úmidas (banheiros, cozinha e até área de serviço), o que pode gerar uma infiltração no apartamento inferior. Também não se deve fazer barulho, que prejudique o descanso alheio, mesmo que para instalar um quadro na parede, à noite.
O barulho, por sinal, é campeão das reclamações, que incluem a música em volumo alto, brincadeiras de crianças e discussões familiares.
11) Convenção do condomínio
O cliente deve ter acesso e ler a convenção do condomínio, que é ignorada pela maioria dos compradores, e que prevê as condições de uso, as divisões de rateio, entre outras coisas.
Na maioria das vezes, pontos fixados na convenção geram debates sem fim e sua mudança, no futuro, dependerá de quórum especial, difícil de ser atingido.
Na prática, não se presta muita atenção a isso porque os artigos da convenção só terão efeito quando o empreendimento for entregue e sua aplicação poderá mudar a percepção do cliente sobre o imóvel adquirido.
Por isso, atenção: a convenção determina o funcionamento do condomínio, que pode ter setores, subcondomínios e diferentes tipos de imóvel num mesmo complexo.
12) Regimento Interno e assembleia
Cada condomínio pode fixar regras (horários de funcionamento e valores de locação de alguns ambientes, por exemplo) e disciplinar as condições de uso de equipamentos e serviços indispensáveis, como os elevadores.
Aquele condômino que não participa de assembleias não pode reclamar das regras fixadas pelos demais para o regimento interno ou sobre outras deliberações.
A vida em condomínio exige participação, respeito e tolerância. Por isso, é importante acompanhar as reuniões abertas e assembleias (presenciais ou virtuais), e dar a sua opinião e seu voto. Quem não participa das votações se submete ao que os outros decidirão sem ele.
(*) Roberto Viegas é jornalista e palestrante especialista em mercado imobiliário e condomínios. Como diretor de Assuntos Corporativos, realizou mais de 200 implantações de condomínio pelo Brasil numa das maiores incorporadoras do País, onde foi responsável pelo relacionamento com clientes e pela seleção de administradoras de condomínio e de síndicos profissionais. E-mail para contato: roberto.viegas@3rgt.com.br