Sem Habite-se, mutuários pagam ‘aluguel’ de imóveis em Campinas
Condomínio foi entregue em janeiro e moradores pagam pré-obra retroativa. Caixa admite que valores não serão abatidos da dívida dos mutuários.
Os moradores de um condomínio do programa Minha Casa Minha Vida, inaugurado no começo do ano em Campinas (SP), passam por uma situação inusitada e irregular, reflexo do escândalo que atingiu a prefeitura no ano passado. Eles foram autorizados a mudar para os imóveis mesmo sem a liberação do Habite-se pela prefeitura, por causa de pendências da construtora MRV, e até agora ainda pagam parcelas de pré-obra. É como se pagassem aluguel nos próprios apartamentos, já que a Caixa Econômica não vai abater esses valores do saldo devedor do financiamento.
“Me sinto roubada”, diz a assistente financeira Patrícia Moreti, que se mudou na primeira quinzena de janeiro para o condomínio Parque Capital, localizado no Jardim Márcia, região sudoeste da cidade. O sonho da casa própria foi parcialmente realizado, já que não conseguiu se livrar do “aluguel”. A indignação de Patrícia aumentou quando a Caixa se recusou a fazer a mudança de endereço de correspondência, para que ela pudesse receber no condomínio o boleto da pré-obra.
Morador sem morar
“Disseram que não podiam transferir porque eu não morava lá [no novo endereço]. Eles não querem admitir que tem morador no condomínio. É uma coisa sem nexo”, diz a moradora. Patrícia diz que com ou sem o Habite-se a obra está concluída faz tempo e
se a parcela da pré-obra é retirada pela conctrutora durante a construção, não entende para onde vai este dinheiro agora. Ela pensa em levar o caso à esfera judicial, até mesmo por danos morais.
Assim como Patrícia, a maioria dos moradores passa pelo mesmo problema desde janeiro, quando foram entregues as chaves. São seis torres com 240 apartamentos, sendo 216 financiados e 210 deles dentro do programa do governo. Os moradores acreditavam que, uma vez na casa nova, já começariam a pagar as parcelas do financiamento, já que o contrato
estava assinado com o banco federal.
Situação absurda
“É um absurdo essa situação”, diz o serralheiro Luiz Barbosa dos Santos, que pegou a chave em 15 de janeiro. Ele voltou a pagar as parcelas de pré-obra em dezembro do ano passado, no valor de R$ 290,12. “A vontade é de não pagar, mas o valor é debitado da conta corrente que a gente é obrigado a manter na Caixa”, diz o serralheiro. Segundo ele, alguns moradores estão inadimplentes por discordarem da cobrança.
Prefeitura complica
“A prefeitura está complicando o caso agora”, diz o diretor de relações institucionais da MRV Engenharia, Sérgio Lavarini. Ele explica a construtora protocolou no primeiro semestre de 2011 na prefeitura o documento que autoriza a doação de uma área para uso público, anexa ao condomínio. Essa é uma das exigências para o fornecimento do Habite-se. O diretor diz que aguarda o retorno da administração pública para a assinatura da escritura pública.
A outra exigência é a melhoria da drenagem da água pluvial no bairro, que segundo o diretor também já foi acertado com a prefeitura e agora a construtora aguarda o TAC (Termo de Ajustamento de Conduta) pela prefeitura para o início das obras, que vai custar R$ 300 mil - obras no mesmo sentido foram ignoradas em outros empreendimentos da cidade e levou ao embargo pela prefeitura no ano passado, como no Parque Jambeiro. “O projeto [do Parque Capital] foi aprovado sem uma exigência”, diz Lavarini.
Sobre o dinheiro que está sendo pago pelos moradores da pré-obra, o diretor da MRV garante que a construtora nada tem a ver com isso, que é uma cobrança da Caixa. “É como se eles estivessem pagando juros de um empréstimo”, diz Lavarini.
Sem amortização
Em resposta resumida às perguntas feitas pelo G1 sobre os problemas no Parque Capital, a Caixa Econômica confirmou, por meio da assessoria de imprensa, que “contratualmente, quaisquer valores pagos até a data do habite-se não amortizam o saldo devedor”. Tanto o banco como a construtora, no entanto, não deixam claro o destino do dinheiro da pré-obra cobrado dos moradores.
“O ateste de habitabilidade, emitido pela prefeitura, necessário para conclusão de aspectos legais da obra, não foi apresentado pela construtora responsável pelo empreendimento”, diz nota enviada pela assessoria da Caixa.
Perguntas sem respostas
Outra responsabilidade não reconhecida pela MRV, Caixa e Prefeitura de Campinas é sobre a autorização para a mudança dos moradores mesmo sem o Habite-se dos imóveis, documento que comprova que a construção foi feito dentro das normas legais, do Código de Obras do município. No caso de um empreendimento comercial ou industrial, o início das atividades é vedado antes da emissão do documento.
A assessoria da Prefeitura de Campinas não soube informar se os moradores estão proibidos de morar nos imóveis – o diretor da MRV disse que não existe o “papel final”, mas que há todas as garantias para os moradores, inclusive o laudo do Corpo de Bombeiros.
Ainda segundo a assessoria da prefeitura, o TAC para as obras pluviais no Jardim Márcia estão na Secretaria de Gestão e Controle e que a situação deve estar resolvida até o fim do mês. O prazo exato para a emissão do documento que os moradores precisam para começar a pagar o financiamento do imóvel ainda está indefinido.
Procon
Procurado pelo G1, o Procon Campinas informou que precisa analisar caso a caso, mas que os moradores que se sentirem prejudicados devem entrar com um processo no órgão. O Procon Campinas funciona na Avenida Francisco Glicério, 1307, de segunda a sexta-feira, das 9h às 16h. Pelo telefone 151, o atendimento é de segunda a sexta-feira, das 8h às 20h e aos sábados, das 8h às 14h. Os contatos também podem ser feitos pelo e-mail procon@campinas.sp.gov.br.
Fonte: http://g1.globo.com
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