Convidados a se retirar: casal antissocial é excluído
Recente sentença reforça possibilidades que vão além de advertências e multas, e desafia o síndico pensar como será daqui para frente
Por muitas décadas, os condomínios precisaram conviver com situações complicadas, quase insuportáveis, sem poder fazer nada, além do recurso máximo da multa.
Moradores com comportamentos nocivos tornaram a vida dos vizinhos um inferno, muitas vezes, pondo em risco a segurança do condomínio.
Quantos casos conhecemos de famílias que se sentiram obrigadas a mudar de endereço porque não conseguiram mais viver em clima de paz? Essa realidade começa a mudar.
A partir dos casos de exclusão de condôminos, percebemos um movimento de mudança importante que nos leva a pensar sobre como nos preparar para esse futuro.
Para o advogado Márcio Rachkorsky, este é um primeiro passo para todos os síndicos que convivem com um condômino que se porta muito mal. “É uma esperança importante. O que não podemos fazer é banalizar, acharmos que por um comportamento isolado já se pode expulsar”.
O caso
Um casal de médicos, moradores de um condomínio de classe média alta, em São Paulo, recebeu nas últimas semanas a sentença do processo que se arrastou durante seis anos: desocupar o apartamento de sua propriedade no prazo de 60 dias, sem ter mais o direito de morar ali. E, se queixas contra um dos dois forem registradas nesse período, receberão multa diária de R$ 1.000.
É uma decisão de primeiro grau, ou seja, aceita recurso, conforme Rachkorsky, cujo escritório conduziu a ‘etapa de Instrução’, com arrolamento de testemunhas, interrogatórios, até a conclusão.
“Eles recorrerão da sentença, o que levará o processo a se arrastar por mais algum tempo. Mas o resultado nos deixa animados, pois a decisão levou em conta o sossego da maioria”, diz Rachkorsky.
Exclusão de condômino antissocial é um assunto recorrente e polêmico
“Antes mesmo da vigência do atual Código Civil, a questão já era discutida. Em 1996, uma professora da Unesp publicou a obra “Exclusão do condômino nocivo nos condomínios em edifícios”, comenta o advogado João Paulo Rossi Paschoal.
De acordo com a interpretação literal dos dispositivos legais do Código Civil, especialmente dos artigos 1.336 e 1.337, a exclusão do condômino antissocial ainda é uma impossibilidade jurídica. Como pena máxima, se referem à aplicação de multa. Pelo menos, por enquanto.
Conforme o Parágrafo único do Art. 1.137, o condômino infrator poderá “ser constrangido a pagar multa correspondente ao décuplo do valor atribuído à contribuição para as despesas condominiais, até ulterior deliberação da assembléia”.
“Será uma construção de jurisprudência. Aos poucos, vai se solidificar e teremos ferramentas para expulsar condôminos nos casos mais graves. Claro que a pessoa continuará proprietária, mas perderá o direito de conviver naquele ambiente”, acredita Rachkorsky.
A sentença recente reforça a possibilidade à exclusão do condômino antissocial
Alguns casos de exclusão de condôminos antissociais já foram registrados nos últimos anos. As acusações foram as mais diversas – atirar objetos pela varanda, gritar de madrugada, acumular lixo com risco de incêndio e infestação de insetos e ratos, promover festas barulhentas diariamente, sujar e inundar áreas comuns, ofender outros condôminos com xingamentos e gritos.
A sentença recente, dada ao casal de médicos em fevereiro, mostra que o caminho da expulsão nos casos gravíssimos é possível. Para Paschoal, já é perceptível a preocupação do Poder Judiciário em tutelar situações extremas, em que a convivência realmente transborda os limites da tolerância.
“Com a prova que as diferentes esferas punitivas foram aplicadas sucessivamente, sem qualquer resultado útil, o Judiciário tende a preservar a coletividade (condomínio) em detrimento do indivíduo (condômino)”, afirma o advogado.
Como preparar o condomínio para um possível processo de exclusão
Ao notar os primeiros sinais de comportamento antissocial, o síndico precisará se preparar, adotando uma postura assertiva. Ele não poderá ficar parado, esperando que fatos mais graves ocorram e a situação se torne insustentável e desestabilize o condomínio.
Algumas medidas serão fundamentais para tentar frear o comportamento nocivo. Ele precisa ter consciência de que o condômino antissocial não vai mudar a conduta com advertências. Na sua estratégia, será fundamental contar com apoio geral e se organizar para enfrentar um processo judicial com boas chances de vencer.
Passo a passo para combater o comportamento antissocial
BUSQUE APOIO DOS CONDÔMINOS
No recente processo do casal de médicos excluídos do condomínio, Rachkorsky enfatiza que o resultado positivo só foi possível com a união de todos os condôminos. “Eles se envolveram e se aguerriram”, resume.
CONVOQUE UMA ASSEMBLEIA EXTRAORDINÁRIA
É importante que, caso a situação se torne grave, você leve o assunto em assembleia para que todos saibam o que está acontecendo. Exponha os detalhes e ouça a opinião dos condôminos. Essa atitude vai fortalecer a união.
O síndico precisa manter uma postura neutra, capaz de demonstrar com clareza os fatos – e evitar o risco de ser acusado de calúnia, difamação e injúria. Por isso, muito cuidado com forma como vai convocar a assembleia e o que vai falar.
JUNTE PROVAS MATERIAIS
Construa o histórico. Toda vez que algo errado ocorrer, é necessário documentar, seja com vídeos, áudios, notificações etc., para haver a prova material. Este conjunto de provas será fundamental para se preparar para um possível processo judicial.
“Ainda que se aceite a prova oral (depoimento pessoal, testemunhas), bem sabemos como um acervo de prova documental tem o condão de convencer o Poder Judiciário a respeito do que realmente ocorreu. Vale comentar que, atualmente, a legislação processual enquadra as gravações (áudio e imagens) como provas documentais. Idem sobre comunicações por aplicativos”, lembra Paschoal.
A importância do Boletim de Ocorrência para reforçar as provas materiais
Márcio Rachkorsky reforça: “Se há risco de ameaça, algo que coloque a vida dos outros em risco, ou mesmo calúnia e difamação, é altamente recomendável fazer um boletim de ocorrência. Além de poder constar como prova material, é dever do cidadão notificar as autoridades policiais quando acontece algo”.
As regras para aplicar multas no condômino antissocial
Para lançar mão desse instrumento legítimo de modo eficaz, e sem criar um problema para o condomínio, é preciso saber o que diz a lei:
- Antes de aplicar a multa, é preciso convocar uma assembleia extraordinária e realizar uma votação para confirmar a concordância da maioria quanto à penalização;
- A decisão precisa do voto de 3⁄4 dos condôminos;
- O valor da multa deve ser 5 vezes ou 10 vezes o rateio mensal, com base no art. 1.337 do Código Civil; [veja o Art. 1.137 na íntegra];
- A assembleia e a votação devem se repetir a cada multa.
Veja também Como aplicar multas e advertências
Nem sempre a multa é suficiente para coibir o comportamento antissocial
Se o bolso é parte mais sensível do corpo humano, conforme o dito popular, no caso do condômino antissocial, nem sempre. Ele pode simplesmente pagar a multa e continuar transgredindo.
Um bom exemplo é o caso de exclusão de condômino antissocial, ocorrido em um condomínio de São Paulo: o réu tinha boa situação financeira e pagava as multas sem contestar. Só que continuava promovendo festas barulhentas – sua única finalidade para manter a unidade naquele condomínio.
“Na maioria dos casos, as pessoas recorrem à multa como último recurso. Muitas vezes, porém, isso não tem efeito prático, pois o mau condômino pode ser também um devedor. E, para um inadimplente, uma dívida a mais pouco importa”, observa Rachkorsky.
Quando a presença do advogado se torna imprescindível
O mais indicado é que, quando o sujeito der os primeiros sinais de que não é um bom condômino, a assessoria jurídica seja acionada. O advogado vai orientar o síndico sobre a melhor forma de dar a advertência, se haverá multa, qual o valor, se será preciso uma notificação extraoficial, entre outros pontos.
A sequência das penalizações ao condômino antissocial
As possibilidades de penas começam na Convenção, muitas vezes com uma singela advertência, que pode redundar na aplicação de pesadas multas por força de decisão assemblear (5 vezes ou 10 vezes o rateio mensal, com base no Art. 1.337 do Código Civil). Veja a escalada:
- Advertência verbal;
- Advertência escrita;
- Boletim de Ocorrência;
- Aplicação de multas.
A possibilidade de aplicação da multa não prejudica a tomada de outras medidas concomitantes e igualmente severas, entre elas, propositura de ação de indenização pela vítima do ato antissocial, ação cominatória, ou ainda, que se instaure investigação penal, caso tenha sido cometido, em tese, algum delito.
O que fazer quando os recursos se esgotam
Há um limite do que é suportável em termos de vida em comum. Ultrapassado tal limite, a saída extrema deve ser trilhada. Essa saída envolve a atuação do advogado:
“Na hipótese de o condômino antissocial insistir na conduta infracional, ainda que multado, só restará ao condomínio (ou aos condôminos prejudicados) buscar no Poder Judiciário a salvaguarda dos direitos lesados”, afirma Paschoal.
O caminho da conciliação entre o condômino antissocial e o condomínio
Para os especialistas em mediação de conflitos e em psicologia, existe um longo caminho a ser percorrido antes de se chegar aos tribunais. Embora reconheçam que envolva disponibilidade de tempo e empenho, eles apostam em um resultado positivo.
Acompanhe o que dizem os dois profissionais convidados pelo SíndicoNet e de que forma orientam os síndicos a conduzir a conciliação, caso seja essa a opção.
O síndico é o elo de ligação entre as partes conflitantes
Imagine que o seu condomínio viva uma situação delicada entre o condômino antissocial e outros moradores. Os nervos estão à flor da pele, para dizer o mínimo. A primeira coisa que o síndico tem que entender qual é a sua função e as suas responsabilidades.
“Num ambiente como este, a função do síndico é não deixar o conflito aumentar, não se envolvendo diretamente nele; e sim, tomando as atitudes necessárias para sua estabilização e, posteriormente, a sua resolução. Como ele é o elo de ligação das partes, é importante se permanecer neutro e ter um olhar imparcial”, afirma Carlos Savoy, mediador de conflitos.
O que fazer para não perder o controle da situação no processo de mediação
Se for síndico profissional: Além da experiência, uma vez que administra mais de um condomínio, a capacitação contínua é fundamental para tratar problemas como este.
“Atualmente, gestão empresarial é tão importante quanto gestão de pessoas. O aperfeiçoamento profissional faz parte desta nova categoria”, diz o mediador.
Se for síndico morador: A tendência é ter o mesmo sentimento que os demais. Mesmo que tenha postura profissional, ele pode ter laços de amizade com os moradores, como é comum de ocorrer. “Nesse caso, se o condomínio tiver condição, é indicado chamar um terceiro para ajudá-lo nas tratativas para não agir como um envolvido no conflito”, reforça.
Uma dica do mediador é buscar uma capacitação em gestão humana. “Isso poderá ajudá-lo a passar pela situação de forma mais tranquila, acertando nas suas atitudes”.
Como contar com o apoio de condôminos, funcionários e outros
Você não consegue apoio e parcerias vinculando o grupo à sua pessoa, e sim às suas ideias e atitudes. Você os vincula ao seu lado forte.
“Se sua capacidade administrativa é melhor que sua capacidade de relacionamento, ou vice-versa, é necessário agir para neutralizar seu ponto mais fraco e despertar credibilidade”, diz Savoy.
É impossível agradar todo mundo dentro de um condomínio, de um bairro ou de uma cidade, mas existem técnicas para mantê-los unidos a um bem maior que o individual, o bem coletivo.
Algumas técnicas de comunicação podem ajudar:
- Acolhimento de quem é contra uma posição de modo a dar espaço para que a pessoa também possa falar;
- Escuta ativa, ou seja, estar aberto a escutar o outro, mesmo que tenham opiniões contrárias;
- Feedback: apresentar para as partes o retorno do que vem sendo discutido, as conclusões e as possibilidades de solução do conflito. E ouvir o que eles têm a dizer;
- Persuasão: para isso, será necessário buscar todas as informações sobre o problema, incluindo as razões de cada parte e o impacto do que está ocorrendo para o condomínio em geral. Com tudo isso em mãos, buscar uma negociação entre as partes usando argumentos convincentes e firmes.
Nos conflitos coletivos, em que existem dois grupos grandes, é importante identificar os líderes para tratá-los como representantes dos respectivos grupos. Será mais fácil negociar com duas pessoas do que com 20. Além disso, os representantes serão uma defesa entre o síndico e todos os demais.
Reúna as partes para abrir uma porta de diálogo
Para a mediadora de conflitos Carina Alvarenga, em uma situação de enfrentamento, a tendência é olharmos a pessoa de frente e acusar, apontar o dedo.
“Podemos tentar resolver o problema de uma forma conjunta criando uma conexão em que o outro possa conhecer o seu ponto de vista – que, muito provavelmente, não será o mesmo. São pessoas com estilos de vida, criação e culturas diferentes. O que é som alto para mim, pode não ser alto para você”, explica Carina.
Passo a passo da comunicação entre as partes
Ao mediar a conversa, o síndico deve:
- Colocar para as partes o que está incomodando;
- Propor para que falem sobre o problema;
- Iniciar a discussão sobre a importância de resolver a situação de maneira confortável para ambos;
- Perguntar se as partes propõem alguma alternativa. Sim? Qual seria? Não?
“Existem maneiras de colocar as coisas que geram uma reação defensiva no outro ou, ao contrário, abrem a possibilidade da conversa e do entendimento”, avisa Carina.
É fundamental preservar a imparcialidade
Segundo Savoy, é difícil notar quando a coisa sai do controle. “O síndico perde o controle quando se sente parte do conflito, e não quando é ameaçado, sofre pressão ou tem uma discussão. Ele começa a confundir sua função de elo com a de parte, uma vez que representa as pessoas que têm domicílio no local”.
Caso se sinta parte envolvida, prossegue Savoy, o síndico precisa agir de forma a não deixar o conflito crescer, tendo um olhar neutro sobre o problema a ser resolvido.
O ideal é trabalhar na prevenção do conflito
Quando pensamos em preservar a nossa saúde e prevenir doenças, logo relacionamos isso a adotar hábitos saudáveis e fazer os exames preventivos, sempre que necessário. O raciocínio funciona também no caso dos conflitos no condomínio. Resumindo, o caminho da prevenção evitará as dores de cabeça do síndico no futuro.
Mapeie as necessidades do condomínio
Acontece com certa frequëncia de o regulamento do condomínio não estar de acordo com os novos tempos, principalmente naqueles com mais de 10 anos. Isso pode provocar conflitos.
“As relações mudaram, o jeito de as pessoas interagirem com o ambiente mudou; nós temos patinetes e bicicletas convivendo com carros, algo que antigamente era bem menos usual. Como alinhar o condomínio a essas mudanças?”, questiona Carina Alvarenga.
Ela considera o síndico totalmente capaz de conduzir o mapeamento, a não ser que lhe falte tempo. “Nesse caso, ele pode contratar uma empresa especializada”.
Roteiro para realizar o mapeamento no condomínio
- Deixe claro aos condôminos quais são os objetivos do mapeamento. É fundamental que os condôminos entendam o porquê da iniciativa, de que forma vai ser realizada, inclusive sobre a possibilidade de optarem pelo anonimato;
- Prepare o questionário. Os problemas mais recorrentes podem, pelo menos, nortear o início desse mapeamento. Embora cada condomínio tenha suas peculiaridades, geralmente questões relacionadas à pets, uso de garagem e dos espaços comuns, crianças e barulho são pontos delicados. Você pode perguntar, por exemplo: “O que mais o incomoda com relação à garagem? Qual seria a solução?” E assim sucessivamente para todos os itens;
- Reserve um capítulo à parte para o tema Comunicação. Em primeiro lugar, pergunte-se se a comunicação tradicional ainda atinge as pessoas da mesma forma que atingia há um tempo atrás. O aviso no elevador é efetivo? Ou seria melhor enviar e-mail? Ou ainda, comunicar via aplicativos como WhatsApp?
“Se eu comunicar, mas ninguém receber e assimilar a mensagem, a comunicação perde o sentido. Muitos desentendimentos podem ocorrer simplesmente por conta disso, pelos meios de comunicação não estarem adequados”, diz Carina.
Condomínios com mais jovens pedem um formato, mas se os moradores forem mais velhos, formato deve ser outro. “É preciso pensar no perfil geral dos moradores para que a comunicação seja efetiva, ou ela vai ficar no vácuo e os problemas se acumularão. Pensar em gestões e em práticas é algo que vale a pena”, acredita.
- Conte com a colaboração dos conselheiros. Pode ser interessante formar um pequeno grupo de colaboradores para o projeto. Converse com os conselheiros sobre essa possibilidade. Eles poderão ajudá-lo no momento de elaborar o questionário, e também no final, para analisar as respostas e organizar os resultados.
- Apresente uma proposta de mudanças em reunião com os condôminos, considerando todas os problemas levantados e as soluções sugeridas por cada um. Essa discussão provavelmente não vai se esgotar em uma única reunião, mas é um importante ponto de partida para prevenir conflitos futuros.
O que mudará a partir da perspectiva de exclusão do condômino antissocial?
Muitas questões ainda não têm resposta. O advogado João Paulo Paschoal enumera as principais:
- Como ficam os familiares do condômino antissocial?
- Quem será o responsável pelo pagamento das despesas condominiais durante o período de interdição da unidade?
- Quem pode propor a ação? Só o condomínio? E os vizinhos diretamente afetados pelo comportamento antissocial?
- Qual será a duração da pena de exclusão?
- É conveniente alterar o Código Civil de modo que a lei expresse a possibilidade de exclusão?
A exclusão do condômino antissocial e os desafios para o futuro serão debatidos durante o Conexão SíndicoNet por especialistas, síndicos profissionais e empresários do mercado condominial. Ainda há muito o que pensar e aprender a respeito dessa nova situação no universo dos condomínios. Você não pode ficar de fora dessa discussão.
- Veja também no Guia Administração de conflitos e brigas:
Fonte: Márcio Rachkorsky (Advogado); João Paulo Rossi Paschoal (Advogado); Carlos Savoy (Mediador de conflitos); Carina Alvarenga (Mediadora de conflitos).