Como conviver com um condômino antissocial até sua expulsão?
Advertências e multas dificilmente coíbem o comportamento antissocial e as ações judiciais podem levar tempo para serem concluídas. A vizinhança passa fica, então, a ser obrigada a se relacionar
O tema da inclusão e exclusão social de uma pessoa ou de um conjunto de pessoas de um condomínio emerge como uma necessidade do questionamento essencial: estamos construindo lugares adequados para viver em comunidade, que potencializem o desenvolvimento humano, pacífico, amigável e social?
Para quem mora em condomínio, saber viver em comunidade é regra máxima
Para informar aos leigos, nestes espaços, a propriedade e´ dividida em áreas comuns de convívio coletivo e áreas de uso exclusivo vividos em particular, na sua privacidade. Por sua proximidade, reverberam reciprocamente as imissões e as manifestações do viver em comunidade.
Os usuários, residem, trabalham, recreiam-se e circulam nestes territórios e administram a qualidade de vida – esse e´ o desejo e a responsabilidade. Para tanto, os condôminos se reúnem e deliberam as decisões neste coletivo.
Todo condomínio e´ uma situação de vizinhança construída com fins determinados, de residir, trabalhar e recrear-se, podendo existir todos ao mesmo tempo. Com a pandemia e o advento do trabalho remoto, esses fins têm se misturado e estamos repensando esta compatibilidade.
Viver em condomínio recomendaria, portanto, uma postura atitudinal adequada nos comportamentos no sentido de se ter uma vida sem arroubos, seja de felicidade ou de ira, e sim, de apresentar os sentimentos e manifestações de modo cordial, sem alarde para causar incômodo, desconforto ou desassossego aos demais. E neste contexto, vale a máxima de que “gentileza gera gentileza”.
Expulsão de morador antissocial do condomínio
No esteio da garantia fundamental da função social da propriedade e a vedação ao abuso de direito do seu uso, com a promulgação do enunciado 508 da V Jornada de Direito Civil do Conselho da Justiça Federal (2011), passou-se a ter fundamento legal para a exclusão do condômino considerado antissocial.
As condições que se colocam são a ruptura do equilíbrio psíquico, econômico e social, que as multas pecuniárias não conseguiram mudar o comportamento, a deliberação da assembleia pelo procedimento, e a decisão do juiz, garantido o devido processo legal (CCB arts. 187 e 1.228, e 1.337).
No aspecto da vizinhança, o Código Civil, quando trata dos aspectos do bom uso das propriedades, indica o respeito a três valores referenciais e essenciais para parametrar a qualidade de vida no condomínio - os conhecidos “3 Ss”:
- Saúde
- Segurança
- Sossego
Quando não atendidos estes parâmetros, há o abuso no uso do território. Trata-se de aspectos subjetivos que devem ser tratados em cada condomínio.
A legislação também traz outros aspectos subjetivos como os limites ordinários de tolerância dos moradores da vizinhança, os bons costumes, a geração de incompatibilidade de convivência.
Logicamente, aqui também por serem conceitos subjetivos, há infinitas matizes e parâmetros e deverão ser construídos de acordo com os padrões socialmente desejados.
As sanções ao condômino antissocial segundo o Código Civil
Na lida com os comportamentos disruptivos no condomínio, o Código Civil prescreve advertências e multas de até dez vezes a taxa de condômino para aquele condômino que não se comportar de acordo com os parâmetros estabelecidos.
Essas punições refletem não somente o aspecto econômico, mas também servem para registrar um histórico do inadimplente comportamental, o que se torna relevante nos registros da eventual antissociabilidade.
O que se percebe e´ que a simples aplicação de multas ou de punições não resolve, em princípio, a alteração do comportamento. Por vezes até provoca o efeito contrário, acirrando sua negatividade nos comportamentos.
Neste contexto que e´ colocado o paradigma da punição com o “confinamento”, às avessas, mantendo o condômino antissocial fora do condomínio.
Outras formas de lidar com condômino antissocial
Mais um aspecto relevante do Código Civil é que sempre que for possível a redução ou mesmo a eliminação de alguma interferência nociva de vizinhança, o vizinho poderá exigi-las.
Não atentada ou atendida esta possibilidade, a antissociabilidade estará agravada. Essa é uma possibilidade de negociação e conciliação de ideias e na qualificação da interferência. Por outro lado, é justamente segundo esta orientação que o condomínio poderá se pautar para dialogar com o pretenso infrator.
Transcorridos esses caminhos, que sempre dependerão de cada caso analisado, a comunidade devera´ ter se reunido em assembleia e, finalmente, determinado o encaminhamento para:
- Interdição/exclusão via judicial;
- Ação de interdição temporária/expulsão/alienação judicial;
- Alienação judicial forçada (No caso de condômino não proprietário, a resolução do contrato que a ele se vincule, como o de locação).
Assim, deverão ser preenchidos os requisitos para propositura da ação. Os sentenciamentos são diversos.
Jurisprudências referentes a moradores antissociais
A partir de uma leitura transversal dos históricos apresentados em ações judiciais, percebe-se uma enorme quantidade de comportamentos não tolerados, e particularmente a cada comunidade.
A reiteração nas infrações eleva os níveis de intolerância no ambiente, e os embates internos vão se escalonando. Daí para frente, os comportamentos tendem a se agravar.
No âmbito administrativo, cumulam-se registros em livros de reclamações e de ocorrências, advertências, multas, reuniões e assembleias para tratar dos incidentes ocorridos, boletins de ocorrência policial, inquéritos policiais, ações penais e ações cíveis, como a cobrança de valores indenizatórios e cominatórias em geral.
Como conviver com morador antissocial até que os processos sejam concluídos?
Mais além desta nova possibilidade no direito brasileiro, e´ importante pensar que, uma vez que o trâmite dos processos administrativos e judiciais leva vários anos para serem concluídos, um desafio que se coloca a cada comunidade e´ a difícil inclusão social do condômino antissocial no cotidiano condominial nesse período.
Ate´ que uma sentença judicial determine diferentemente, a pessoa gozara´ de todos os direitos a ela conferidos pelo escudo da propriedade.
A comunidade precisa estar ciente dos caminhos que proporá no caso de se relacionar com o condômino, e concomitantemente, propondo sua retirada do convívio.
Assim, precisamos pensar sobre a importância do tratamento jurídico ministrado ao tema e quais prejuízos isso pode trazer ao tecido social da comunidade de vizinhança enquanto o evento não ocorrer.
Dentre tantos aspectos acolhidos nas sentenças dos juízes, temos:
- Desvio de utilização;
- Perturbação do sossego;
- Uso nocivo da propriedade;
- Ofensa à moral e bons costumes;
- Constrangimentos;
- Desrespeito à convenção e ao regulamento interno;
- Estacionamento de carro inapropriado;
- Intimidação de condôminos e funcionários;
- Falatório em tom alto;
- Gritarias, algazarras e festas barulhentas;
- Comportamentos discriminatórios/racistas;
- Palavras de baixo calão;
- Ruídos de animais;
- Depredação do patrimônio comum;
- Mau uso do elevador;
- Acúmulo de lixo, odores;
- Agravamento de segurança;
- Comportamento sociopático;
- Ofensa aos direitos da personalidade;
- Todo tipo de violência dentro e fora da unidade;
- Entre outros.
Ha´ uma miríade de comportamentos apontados como negativos e que carecem de um tratamento maior que a simples aplicação de multa e eventual exclusão.
Demandam, caso a caso, um olhar multidisciplinar da psicologia, da sociologia, das ciências sociais, do urbanismo e de tantos outros ramos que demonstram cabalmente a necessidade de se analisarem o modelo condominial de habitação e a cultura que esta´ se formando.
A questão da antissociabilidade deve ser considerada também sob as lentes da saúde. O comportamento antissocial é catalogado no CID10, quando trata da psicopatia do Transtorno de Personalidade Antissocial. Neste paralelo, vários dos comportamentos indicados no transtorno se aproximam dos que resultam dos julgados.
Em um reverso da moeda que se propõe à reflexão, é o respeito do condômino saudável à convivência, caracterizado como o “bom vizinho”, que exerce seus direitos de propriedade, especialmente:
- Usar de sua unidade e das áreas comuns sem prejudicar o sossego, salubridade e a segurança dos demais;
- É dado aos bons costumes;
- Usar as áreas de acordo com sua destinação;
- Participa das assembleias;
- Paga em dia as despesas condominiais;
- Auxilia na manutenção do patrimônio comum;
- Mantém uma postura proativa perante os problemas que vão surgindo na comunidade;
- Entre outros.
Logicamente, há infinitas matizes entre todos os extremos, e o miolo seriam os valores socialmente desejáveis para uma convivência harmônica e salutar.
Por fim, como caminhos diferentes da exclusão do condômino antissocial, poderão ser utilizadas formas dialógicas de composição de conflitos, como a conciliação, a negociação, a mediação transformativa de conflitos e as práticas restaurativas de tecidos sociais, para encaminhar para sua resolução.
Quando aparecem divergências de ideias, interesses e posições em tantos temas potenciais, uma ferramenta construtiva para esta lida e´ a mediação de conflitos, por meio da promoção da aproximação e do diálogo dos envolvidos, nesta instância, coletivamente e com a aplicação dos princípios da justiça restaurativa.
O diálogo como ferramenta preventiva aos conflitos pode se consolidar como uma prática e um hábito na comunidade. Do tipo: “lá a gente conversa”.
É sempre bom lembrar a essencialidade de que todos os condôminos, inclusive aquele que tiver uma postura atitudinal incompatível com a convivência deverão ser respeitados, o que representa na prática uma reaproximação da dimensão do humano no condomínio através do cuidado.
(*) Michel Rosenthal Wagner é bacharel em Direito (USP 1983); especialista em Direito dos Contratos, Educacional, Arbitragem e Imobiliário Empresarial, Mediação Transformativa de Conflitos, Facilitação de Diálogos - Justiça Restaurativa e Constelações Sistêmicas organizacionais e familiares. Mestre em Direitos Difusos e Coletivos (PUC/SP 2014). Autor da obra "Situações de Vizinhança em Condomínio, Desenvolvimento Sustentável das Cidades, Solução de Conflitos, Mediação e Paz social" (2015). Consultor em Vizinhança Condominial e urbanística. Mediador de Conflitos e Facilitador de Diálogos com práticas restaurativas em Condomínios. Escritor, Palestrante e Professor.