A cada ano, mais paulistanos procuram mediadores para resolver brigas de barulho, vagas na garagem e outros problemas de prédios
O toc-toc-toc incessante no andar de cima foi a causa de todo o embate - de um lado, no 4.º andar de um prédio na Rua Bela Cintra, região central de São Paulo, uma adolescente que sempre usava salto alto; do outro, no 3.º andar, uma moradora mais idosa que não conseguia dormir. Toc-toc-toc. Um motivo aparentemente banal - mas, para quem mora em condomínio, o suficiente para gerar discussões, brigas em reuniões e climas para lá de constrangedores no elevador.
"Quando elas quase brigaram, vi que tinha de procurar ajuda externa",
diz a síndica do condomínio Débora Lobi, que levou as duas vizinhas para resolver o problema na Câmara de Mediação do Sindicato da Habitação de São Paulo (Secovi-SP). Trata-se de uma espécie de sessão de terapia para vizinhos brigões. Por R$ 100 a sessão, um mediador tenta acalmar os ânimos, entender as reivindicações e achar uma solução para que o embate não vá parar na Justiça. "Como síndica, eu nem conseguia mais olhar para elas. Por isso procuramos a mediação", conta Débora. "Não que hoje elas sejam amigas, mas, pelo menos, têm uma convivência melhor agora."
Cada vez mais paulistanos têm procurado a Câmara de Mediação do Secovi-SP para resolver seus conflitos de condomínio - desde 2007, 370 casos foram atendidos. E a procura tem aumentado de 20% a 30% por ano. Aparece de tudo por lá, toc- toc-tocs incessantes acima, latidos irritantes, papagaios tagarelas, canos com vazamentos, lixo colocado fora da lixeira, disputas na garagem, música alta, festinhas fora de hora e tantas outras picuinhas entre vizinhos.
O índice de acordo atinge a impressionante marca de 95%. "Normalmente, leva-se de duas a cinco sessões para as partes chegarem a um acordo, o que é bem melhor do que resolver o caso na Justiça, algo dispendioso que pode levar até dez anos", diz o coordenador da Câmara de Mediação, Márcio Chéde. "É quase uma terapia. Quando a gente é procurado por um síndico, vamos atrás das pessoas, conversamos individualmente para quebrar o gelo e, se eles topam, trazemos cada um dos envolvidos para a sessão de mediação."
Foi o que aconteceu no prédio de Levi de Oliveira Castro Junior, síndico em Higienópolis. No 5.º andar, dois vizinhos brigavam por uma dedetização - um morador reclamava que havia insetos no apartamento do lado, enquanto o outro jurava que era mentira e não queria papo. Depois de idas e vindas, brigas e discussões, o caso foi parar no Secovi. "Foi uma forma de resolver o problema civilizadamente", conta Levi. "Eu tentei conversar, juro, mas teve uma hora em que não aguentava mais, não dava para ficar me desgastando. E deu certo, eles chegaram a um acordo e... bem... não tenho ouvido mais reclamação."
Para o mediador Pedro Piza, que faz parte do projeto do Secovi-SP, restabelecer o diálogo entre os vizinhos é o ponto de partida para se chegar a uma solução. "É difícil quando tem algo arraigado, uma briga antiga, uma relação comprometida. Mas, quando você senta com as duas partes fora do condomínio, a racionalidade volta um pouco", diz. Ele conta que lida com tudo, de barulho, um "enorme problema", passando por estacionamento, até bullying entre garotos.
Vida coletiva. "Teve até o caso de um gato que caiu do 3.º andar de um prédio. O morador não estava, mas o síndico viu e levou o gato para o hospital. Cuidou dele, tudo direitinho. Aí, o tal morador depois não queria pagar as despesas", lembra Piza. "Viver em condomínio não é fácil, né?"
Reza o ditado que o vizinho é o nosso parente mais próximo. É uma lição diária de paciência, educação e tolerância. Em São Paulo, então, não falta parente - são quase 30 mil condomínios verticais só na Região Metropolitana, segundo o Sindicato das Empresas de Compra, Venda, Locação e Administração de Imóveis. E mais de 60 imóveis novos são vendidos diariamente. Com perdão do trocadilho: é um problema em cima do outro.
"São Paulo é uma cidade onde as pessoas não se cumprimentam, pior ainda no condomínio, com tantas disputas", diz o síndico Castro Júnior. "Acho que, no fundo, falta bom senso", completa a síndica Débora Lobi. "Elas mudam para um prédio, mas não sabem viver em condomínio. Só porque paga condomínio, o morador acha que pode fazer o que bem entende." Para ela, se houvesse mais respeito e menos egoísmo, a vida em condomínio seria "bem menos turbulenta".
RESOLVA O CONFLITO
Secovi-SP
Mais informações podem ser obtidas pelo (11) 5591-1214.
Centros de Integração
Oferecem mediação gratuita. Informações no 3291-2636.
Na Justiça
O Tribunal de Justiça tem serviço gratuito. Mais informações pelo (11) 3272-6633.
Fonte: http://www.estadao.com.br
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