Desafio da construção de sustentabilidade comunitária
Pandemia convida a uma reflexão sobre o impacto do condomínio no meio ambiente
Por Michel Rosenthal Wagner*
Estamos vivendo uma situação completamente atípica, inesperada, tudo por conta do coronavírus, e que apesar de tantos avisos em todos os lugares sobre a qualidade de vida comunitária do planeta, ficamos inertes até agora pouco.
Fico curioso como mudaremos de atitude, e o condomínio como exemplo, cada comunidade de vizinhança, traz esta oportunidade. Acredito que as relações de vizinhança estão passando por uma ressignificação importante. É momento de questionarmos a sustentabilidade das cidades e neste contexto a inserção dos condomínios como células comunitárias urbanísticas.
O difícil será esquecer tantas mortes ocorrentes, e o sofrimento para tantas famílias decorrente. Tudo isso deverá ser honrado, com compaixão. Aparentemente está sendo preciso este triste movimento para que a humanidade desse esta parada para a autorreflexão. Os condomínios devem se reunir para discutir esta questão: como individualmente podemos nos transformar, transformar nossas famílias e reverberar nestes coletivos.
A proposta agora é ampliar a consciência e planejar o condomínio conectada diretamente, e aproveitar a onda para sermos criativos e pensar aspectos de sustentabilidade urbana e sustentabilidade humana, com um olhar ampliado para as dimensões social, política, ambiental, econômica, cultural e histórica derivadas da situação de vizinhança ocorrente no uso da propriedade organizada desta forma compartilhada.
O movimento da nova era, agora realmente entrados na era de Aquário (saímos da era de peixes), requer e oportuniza com esta crise deflagrada pela pandemia, que atinge inexoravelmente e igualmente a todos os humanos. Muitos muros estão caindo.
Na dimensão social, emergem várias questões atinentes ao sistema. O ser humano, desde os primórdios de sua organização em sociedade, busca, e mesmo necessita, a convivência com seus iguais e, para obter segurança, sossego e saúde, encontra (ou pretende encontrar) em condomínios a prevalência destas condições de trabalho e de moradia e, muitas vezes, também de recreação. Usufruir de moradia salubre constitui um direito fundamental a ser construído e mantido com seu uso adequado.
O sistema condominial de gestão é também sóciopolítico, na acepção da palavra. No dia a dia, são defendidos interesses individuais, de grupos e do coletivo, direitos coletivos e difusos – basta ser usuário para ter responsabilidades diretas ou indiretas perante o condomínio e perante cada indivíduo integrante dele.
Assim, o condomínio, nestes mesmos parâmetros, deve oportunizar condições para este exercício, que se dão por meio do diálogo político que, por sua vez, corroboram na formação das comunidades condominiais de vizinhança.
A cultura de inclusão e da mediação do diálogo, do respeito apesar dos conflitos, e do cuidado do “outro” pode ser construída com o objetivo de restaurar os tecidos sociais. O novo tecido social deste novo tempo é composto de pessoas com o anseio de vida comunitária.
Podemos olhar para este fenômeno ocorrente e encontrar uma grande oportunidade de viver a escrita desta página na história humana, e “surfar” na onda para frente, e não nadar contra a maré. Podemos negar o fenômeno, e ansiar para que passe logo e nos esqueçamos deste tempo difícil.
O condomínio, tanto o construído horizontalmente, como, em especial, o construído verticalmente, é retrato da densificação humana e do afastamento do contato direto entre ser humano e ambiente natural.
Inobstante seu caráter de enclave fortificado, pode, em muito, colaborar de forma organizada com soluções aos problemas endêmicos das urbanizações, tais como não contaminação do solo, coleta e destino de resíduos e encaminhamento da coleta seletiva; mitigação dos vários vetores típicos das cidades, como cupins, baratas e ratos, e as doenças deles decorrentes; uso racional de energia elétrica, gás, água; destinação de suas águas servidas sem a contaminação de lençóis freáticos, córregos e rios; entupimento de galerias de águas pluviais; índices de permeabilidade do solo; contribuição efetiva com a manutenção do verde nas áreas internas e nas calçadas, além de conservação das próprias calçadas externas; iluminação, mobilidade, acessibilidade, estética, e tantas outras situações em que é responsável pelo desenvolvimento sustentável das cidades.
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O condomínio é um grande empregador, comprador de materiais, e consumidor. Assim, por uma substancial parcela da economia. O consumo deverá ser responsável e racional pautado em novos valores.
O patrimônio – natural, histórico e cultural – é elemento fundamental da civilização e da cultura dos povos, e a ameaça de sua extinção é assustadora, porque ameaça de desaparecimento a própria sociedade.
Precisaremos olhar também para aspectos ambientais como iluminação, insolação e aeração – sol, espaço, fauna e flora, essenciais para a vida humana são estes os nutrientes essenciais, de ordem tanto psicológica quanto fisiológica, e que a perda do contato com a natureza resulta em doença e decadência, enfraquece o corpo e a sensibilidade. (Carta de Atenas, item 11).
E deveremos fomentar a conectividade entre os vizinhos, e proporcionar o atendimento de necessidades básicas de residência, agora muito combinada com o trabalho em casa, com o sossego para desenvolver estas atividades e para o descanso individual também.
E esta oportunidade passa por atentar para a preservação e construção de um ambiente saudável, na defesa de uma condição humana de vida digna para as presentes e futuras gerações. Hoje está claro que a própria existência das futuras gerações está em jogo e o ambiente condominial se serve para este fim.
Neste sentido, uma comunidade de vizinhança condominial interativa no ambiente que caracteriza a vida nestas edificações valoriza e mantém o desenvolvimento sustentável nas suas seis dimensões apontadas, na propriedade, nos condomínios e na urbanização.
(*) Advogado (USP, 1983); mestre em Direitos Difusos e Coletivos (PUC/SP, 2014); consultor socioambiental em vizinhança urbana e mediação de conflitos; professor, palestrante e escritor; autor da obra Situações de Vizinhança no Condomínio Edilício - desenvolvimento sustentável das cidades, soluções de conflitos, mediação e paz social; presidente da Comissão de Direito Imobiliário, Urbanístico e de Vizinhança (OAB/SP, Subseção Pinheiros).