Devedor contumaz
Entenda o que a multa proferida pelo STJ significa para condomínios
Por Alexandre Marques (*)
Bastante alardeada nos meios de mídia especializada e, por diversos profissionais; o STJ, recentemente, prolatou decisão ratificando o entendimento de que o condomínio pode, por sua assembleia, através do voto de 3/4 dos condôminos presentes, penalizar o condômino que reiteradas vezes deixa de pagar a cota condominial em dia, em valor equivalente a até cinco cotas condominiais, conforme regra contida no caput do Artigo 1.337 do Código Civil, equiparando-o ao condômino antissocial, inclusive.
Abriu com isso, precedente para que no Brasil todo, condomínios que queiram aplicar esta sanção complementar a já prevista multa, juros e correção (§1º do Art. 1.336 do C.C.), possam fazê-lo, independentemente de constar a previsão de tal penalidade na Convenção.
Se isso irá diminuir a inadimplência, servindo a medida para coibir o devedor, ou, apenas aumentar o número de ações judicias de cobrança, uma vez que, pelo acréscimo no débito, aquele já combalido devedor, terá mais dificuldade de pagar ainda, somente o tempo vai dizer, entretanto, até lá, cabem algumas considerações e reflexões interessantes.
Primeira, não se trata a penalização autorizada pela Corte Superior de um “bis in idem” na imposição de multa moratória, mas sim, de uma complementação àquela. Pois a multa de 2% é de cunho moratório, pelo atraso no pagamento, prevista como já mencionado, no §1º do Art. 1336 do C.C., por outro lado, a multa de 10% sobre o valor do débito, referendada pelo STJ, tem caráter sancionatório, conforme previsão do “caput” do Art. 1.337 do mesmo diploma legal.
Depois, reafirmou aquela Corte a vocação de interpretação extensiva e interpretativa das normas contidas no Código Civil atual, que, como sabemos estudiosos do direito que somos, têm em suas cláusulas a chamada interpretação “aberta”, diferentemente do que acontecia com o sisudo e póstumo Código das Gentes de 1916, hoje, revogado.
Por causa disso, pode-se estender a interpretação da norma contida no Artigo 1.337 e parágrafo ao conteúdo do inadimplemento contumaz, enquadrando esse comunheiro como “antissocial” e aqui, vai nossa primeira crítica a essa flexibilização, pois, está clara a intenção do legislador do atual código em relegar a sanção de até dez cotas condominiais ao condômino tido como antissocial ao morador que torna insuportável a convivência social dentro do Condomínio, a ponto de poder ser afastado do convívio da massa condominial, como já temos alguns julgados, e, não pelo atraso reiterado no pagamento da cota condominial, para este, existe a possibilidade da cobrança judicial que pode fazer com que ele perca o imóvel que mora, através da hasta pública (apenas leilão quando do novo CPC).
Ora, pelo entendimento do STJ, equiparando o débito condominial a uma postura antissocial, chegará o dia, que, provocado pelo Judiciário, o condomínio pugnará pelo afastamento do convívio da massa condominial do condômino inadimplente contumaz. E sabe-se que não era esse o desejo do legislador, quando insculpiu a regra.
À época a regra foi criada para combater aquele morador que ameaça de morte os demais, desrespeita regras de convívio social, urbanidade, civilidade e moralidade, tornado um risco para os demais comunheiros a convivência dentro dos muros condominiais, e não, o inadimplemento em si.
O Desembargador Francisco Loureiro do Tribunal de Justiça de São Paulo nomina esse tipo de punição pela via transversa de “sanção paralela”, onde, por caminhos diversos, fulmina-se o direito do cidadão. Exemplo: O condômino devedor que é proibido de usar o elevador ou de receber correspondências em sua caixa do correio, já rechaçado pela jurisprudência de nossos Tribunais de forma remansosa. Tem-se a ideia de que o devedor, exatamente como o adimplente faz jus a uma universalidade de direitos dentro do condomínio que é inarredável por sua condição de devedor apenas.
O que a Corte de Brasília delimitou bem é o seguinte:
a. Se na Convenção do Condomínio estiver prevista a sanção elencada no Artigo 1.337, “Caput”, do Código Civil, sequer, há a necessidade de se deliberar em assembleia pela aplicação da penalidade e agravar o débito do inadimplente em valor equivalente até cinco cotas condominiais, desde que ele seja previamente cientificado de que haverá a sanção e oportunizada sua defesa e pagamento.
b. E, caso não esteja previsto no ato-regra que é a Convenção, então, deverá haver uma assembleia condominial onde 3/4 dos condôminos presentes, obviamente, adimplentes, deverão votar pela aplicação da penalidade pecuniária, definindo seu percentual, de tudo constando de forma clara do edital de convocação da assembleia, oportunizando-se igualmente o direito de defesa e até mesmo o pagamento do débito, pelo devedor ou devedores.
Interessante destacar que pela primeira vez a mais alta corte para julgar estas questões, clara e taxativamente determina que os 3/4 dos condôminos necessários ao voto da decisão, são os presentes em assembleia, colocando uma pá de cal, sobre a celeuma que até então existia se essa fração era da totalidade da massa condominial ou dos presentes na reunião, visto que o texto do artigo em si, deixa mesmo margem a dúvida, como se vê:
“Art. 1337. O condômino, ou possuidor, que não cumpre reiteradamente com os seus deveres perante o condomínio poderá, por deliberação de três quartos dos condôminos restantes, ser constrangido a pagar multa correspondente até ao quíntuplo do valor atribuído à contribuição para as despesas condominiais, conforme a gravidade das faltas e a reiteração, independentemente das perdas e danos que se apurem.”
Como se vê, o texto legal não menciona se esse número seria obtido da totalidade da massa condominial ou dos presentes em assembleia.
A praxe do dia-a-dia é que nos intuí imaginar tratar o comando legal dos presentes em assembleia, pois, do contrário, é inviabilizar a aplicação da regra. Imagine um condomínio de 1000 unidades, seria necessário o voto de 750 unidades, a favor em assembleia ou através de abaixo-assinado, para penalizar o condômino. Ou seja, inviável a medida!
De sorte que, pelo menos quanto a isso o julgador foi claro, trata-se de um quórum qualificado e especial, apurável em assembleia.
Caso esses cuidados e formalismos não forem observados, muito facilmente o devedor poderá anular judicialmente a cobrança excessiva e arbitrária por ferido de morte preceito legal, muito bem delimitado pelo Tribunal de Justiça local e a Corte Superior.
E, por fim, relega a Corte a assembleia determinar como se dará essa cobrança e pagamento na esfera extrajudicial, administrativamente dentro da operação do Condomínio, mais uma vez, a prudência deverá ser chamada a conduzir a questão, sob pena de se coibir abusos e, com isso, ver-se a medida posta de lado por decisão judicial.
Nossa sugestão aos condomínios ainda é a velha máxima: “O preço da paz é a eterna vigilância”, a relação de devedores deve ser acompanhada mês a mês pela equipe diretiva e as providências necessárias a combater a inadimplência devem ser tomadas diuturnamente, não se apostando em medidas e tribunais de exceção para se coibir o débito, mas, se essa medida for realmente necessárias, esgotadas todas as outras vias, deve o condomínio lançar mão deste recurso, com moderação, possibilidade de pagamento ao devedor e, responsabilidade, atendendo a todo formalismos e legalidade que precede ao ato, sob pena de ver a decisão assemblear desprestigiada pelo Judiciário que está atento para coibir eventuais abusos.