Direito à privacidade dos doentes de COVID 19 em condomínios
Advogado tece reflexão sobre o resguardo da pessoa contagiada pelo coronavírus assegurado por lei x a transparência que pode salvar vidas na comunidade
Por Thiago Badaró*
O mundo parou após a notícia de pandemia causada pelo novo coronavírus nas últimas semanas, obrigando todos a ficarem em suas casas, em regime de isolamento ou quarentena ante o estado de calamidade pública instaurado. Não foi diferente no mundo dos condomínios.
Em razão da grande concentração nas áreas comuns e circulação de pessoas entrando e saindo dos prédios, com apoio das administradoras e membros do corpo diretivo dos condomínios, síndicos vêm adotando medidas de isolamento e de não utilização das áreas reservadas ao coletivo.
Fatalmente, o número de pessoas infectadas com a COVID-19 vem aumentando e esta situação caótica não tem prazo para terminar. É cada vez mais comum a notícia de suspeita e, até mesmo, confirmação de casos de contaminação em condomínios, aumentando as chances de propagação da enfermidade em grande escala.
A situação torna-se ainda mais complicada quando o síndico toma conhecimento indireto do caso em seu condomínio e é pressionado pelos moradores a falar quem está doente, criando-se uma situação de desgaste e “saia justa” para os administradores dos condomínios.
Porém a grande pergunta é: o síndico deve apontar quais pessoas estão contaminadas com o vírus ou com suspeita? Quais os impactos desta informação?
A resposta a esta pergunta está no direito constitucional de privacidade, previsto no artigo 5º, inciso X, com o seguinte texto: “são invioláveis a intimidade, a vida privada, a honra e a imagem das pessoas, assegurado o direito a indenização pelo dano material ou moral decorrente de sua violação”.
Qualquer tipo de informação pessoal que possa expor a privacidade de qualquer pessoa, inclusive prejudicando sua imagem perante os demais condôminos, deve ser evitada sob pena de o condomínio se ver processado pelo morador que se sentir prejudicado pela divulgação da informação, sobretudo se estiver diante de mera suspeita.
Atualmente, a unidade de saúde apenas notifica o caso para a Secretaria Municipal de Saúde e ao Centro de Informações Estratégicas em Vigilância em Saúde (CIEVS). Não há lei que determine que o síndico seja comunicado sobre a doença. Assim, a eventual notícia indireta recebida pelo síndico, sem a confirmação oficial e acesso ao exame, trata-se de mero boato, o qual não é recomendado ser difundido.
Outro cenário se apresenta na hipótese de haver previsão específica na Convenção Condominial e/ou Regimento Interno determinando que o morador comunique ao síndico doenças infectocontagiosas. Essa regra prevê que o síndico pode ter acesso à comprovação oficial.
Apesar de tais cláusulas poderem ser questionadas no Judiciário, justamente com fundamento no direto constitucional à privacidade, o fato é que estamos vivenciando um estado de exceção, no qual tende a prevalecer o direito à vida, bem maior e igualmente protegido pelo artigo 5º da Constituição Federal.
Vale observar que os países que apresentam eficácia no combate ao novo coronavírus, como a Coreia do Sul, a medida adotada foi o teste em massa, isolamento e rastreamento do infectado, oferecendo transparência à comunidade próxima até mesmo por aplicativos de celular.
Assim, priorizando-se a salvaguarda da vida, mediante a previsão em Convenção Condominial e a confirmação oficial, passa a ser viável sustentar dar transparência à existência de caso confirmado, com o intuito de propiciar maior cautela e o oferecimento de auxílio ao referido condômino em situação de quarentena.
O bom senso, a responsabilidade, o cuidado com os demais, igualmente devem ser tomados por parte da coletividade e pelo próprio condômino diagnosticado com COVID-19.
Logo, a pessoa que foi diagnosticada ou suspeita ter sido contaminada pelo novo coronavírus deverá adotar todas as orientações necessárias para a preservação da saúde coletiva, sob pena até mesmo de cometer crime tipificado em nosso código penal, artigos 131 e 132, vejamos:
Art. 131 - Praticar, com o fim de transmitir a outrem moléstia grave de que está contaminado, ato capaz de produzir o contágio: Pena - reclusão, de um a quatro anos, e multa. Art. 132 - Expor a vida ou a saúde de outrem a perigo direto e iminente: Pena - detenção, de três meses a um ano, se o fato não constitui crime mais grave.
Sabemos que a situação de hoje é excepcional, porém, não podemos perder a nossa humanidade, trazendo a conscientização e a informação como armas principais para que os direitos dos moradores de condomínio não sejam infringidos, preservando-se o nosso bem maior: a vida.
Fontes consultadas:
(*) Thiago Badaró é advogado, com atuação voltada à área condominial, pós-graduado em Direito Tributário, processual civil, imobiliário e contratual, professor de direito condominial na Escola Superior de Advocacia (ESA-OAB/SP) e professor de Direito Imobiliário em cursos de pós-graduação de algumas universidades, palestrante e escritor de artigos. Contato: thbadaro@nardesbadaro.adv.br