Dr. Michel Rosenthal Wagner
Condomínios e a efetividade da função social da cidade
Por Michel Rosenthal Wagner*
A partir do registro dos dispositivos do Código Civil, que tratam do Condomínio Edilício - artigos 1.331 à 1.358 - e dos que tratam do Direitos de Vizinhança - artigos 1.227 à 1.281 – verifica-se que os direitos e as ferramentas oferecidas pela legislação para que os cidadãos possam dar maior efetividade à função social da propriedade quanto aos aspectos da convivência humana encontram-se ainda pouco discriminados.
A legislação se apresenta de forma principiológica quando indica buscar garantir três parâmetros de qualidade de vida às pessoas, quais sejam, os de garantir o sossego, a saúde e a segurança dos cidadãos. Outras leis como a de Incorporação, e a de Uso e Ocupação do Solo não oferecem parâmetros deste assunto específico.
No regramento da convivência em condomínio, a lei traz este trinômio insculpido no artigo 1.336-IV do Código Civil, e oferece como ferramenta a possibilidade de aplicação de multas que podem chegar a até 10 (dez) vezes o valor da quota condominial de manutenção, dita ordinária, para garantir a efetividade do cumprimento das posturas comportamentais no limite de suas instalações.
Com os mesmos parâmetros qualitativos principiológicos, quando a legislação trata genericamente dos direitos de vizinhança, traz idêntico direcionamento no artigo 1.277 do Código Civil, ao indicar o dever de garantir o sossego, a saúde e a segurança dos cidadãos além dos muros dos condomínios, na cidade como um todo.
É de notório saber que a convivência em sociedade é um desafio tão antigo como a própria humanidade, e que por vezes se busca na prática limitar o uso da propriedade segundo zoneamentos específicos, porém não há nem na jurisprudência a possibilidade de se coibir em absoluto o uso àquele que reconhecidamente não sabe viver em comunidade.
Resta desta forma, no limite, a possibilidade de aplicação de multas por comportamento inadequado, mas que infelizmente resulta da aplicação de um critério econômico na busca da qualidade de vida almejada por cada grupo de pessoas. Pode, mas não deve abusar do seu direito de propriedade, aquele que tem recursos para desta forma subsidiar sua transgressão à lei.
A região metropolitana de São Paulo concentra 10,5% da população brasileira, responde aproximadamente por 18% do Produto Interno Bruto do país, e capitaneia os índices nacionais de violência. No viés do planejamento urbano, através dos Planos Diretores dos municípios é que se implementa o uso e ocupação do solo urbano, com reflexos diretos na qualidade de vida do cidadão.
O “modelo de adensamento populacional” tem reflexos profundos nos direitos de convivência e de vizinhança, tanto dos cidadãos individualmente considerados, como os direitos coletivos, difusos, meta-individuais previstos para a população brasileira, com o estabelecimento da forma condominial de ocupação para cidades como São Paulo.
Considera-se o Estatuto das Cidades - Lei n.º 10.257/01 - como a legislação que regulamentou os artigos 182 e 183 da Constituição Federal, que tratam do “meio ambiente artificial”, conceito novo na legislação brasileira e mesmo em outros setores que discutem meio ambiente e qualidade de vida, e que têm por objetivo ordenar o pleno desenvolvimento das funções sociais da cidade e garantir o bem estar de seus habitantes.
É de se ressaltar que o próprio conceito inovador de função social da propriedade ainda merece muito estudo e amadurecimento. Criado na carta magna como princípio, e acompanhado do conceito de função social do contrato previsto no Código Civil de 2002, e a função social das cidades, inserta no Estatuto das Cidades, são temas que têm merecido foco de todo aparato judiciário.
Considerando o como cresce a cidade para fora de seus limites físicos horizontais através de loteamentos, e, verticalmente, pela verticalização com os edifícios, sempre no modelo de adensamento, e sem transporte público adequado, resulta em uma massa de gente apertada que se movimenta lentamente.
É de alta relevância estudar como estes fatores influenciam a qualidade de vida à luz dos direitos coletivos e difusos, os individuais homogêneos, e de vizinhança existentes, do viver em um ecossistema agora chamado de meio ambiente artificial, em condomínios edilícios - comerciais residenciais e industriais - unidades unifamiliares / estabelecimentos comerciais instalados em casas ou galpões. O norte a ser almejado é o da paz social como fundamento e agente possibilitador de uma sociedade inclusiva.
É possível destacar um viés diferente no que concerne ao regramento, e mesmo desregramento / liberdade das relações sociais e de convivência entre as pessoas, especialmente no que concerne às relações de vizinhança por um lado, e o uso racional dos espaços no meio ambiente artificial urbano por outro.
A preocupação maior deve ser a de alcançar a efetividade da função social da cidade através do elenco enumerado dos direitos inter-relacionados, que deverão resultar nos direitos de convivência a que se sujeitam todos os seres humanos que se utilizam e usufruem das cidades.
(*) MRW advogadosMichel Rosenthal WagnerGraduado pela Universidade de São Paulo – Faculdade São Francisco - 1983 / Membro técnico do SECOVI nas áreas de Administração Imobiliária, Condomínios (desde 1997) e de Sustentabilidade (desde 2010) / Conciliador do Juizado Especial de Pequenas Causas – Pinheiros (1999/2002) Especialização em Direito Imobiliário (F.M.U.), em Contratos (Centro de Estudos Universitários); em Direito Educacional (Centro de Estudos Universitários); e Arbitragem (Fundação Getúlio Vargas) / Consultor contratado pelo Banco Interamericando de Desenvolvimento (BID) para desenvolvimento de instrumentos jurídicos na área imobiliária e condominial no programa de Revitalização do Centro da cidade de São Paulo inserido no Programa de Locação Social desenvolvido junto à Prefeitura de São Paulo – 2.005 / Presidente da Comissão de Direito Imobiliário, Urbano e de Vizinhança da OAB/SP Seccional Pinheiros (desde 2009) / Contato: www.mrwadvogados.adv.br