É ilegal construtora pagar quota de condomínio menor
Proprietários de unidades adquiridas na planta devem se atentar ao que diz a convenção
Por Kênio de Souza Pereira*
Aproveitando-se do fato da maioria dos compradores não lerem a convenção, algumas construtoras vêm impondo aos proprietários de unidades adquiridas na planta uma relação leonina.
Isso ocorre quando o edifício é entregue aos adquirentes, e ainda faltam algumas unidades a serem vendidas, sendo os moradores obrigados – por força da escritura de convenção – a pagar a quota de condomínio num valor superior ao que seria correto.
Ao elaborar a convenção do condomínio sozinha, a construtora estabelece que somente as unidades vendidas pagarão a quota de condomínio integral e que as unidades que pertencem ao investidor/construtora, enquanto não forem vendidas pagarão, por exemplo, apenas 30% da quota de condomínio.
Tal cláusula abusiva é encontrada também em alguns estatutos de associação de condomínios fechados, onde os lotes de propriedade do loteador se valorizam à custa dos adquirentes que assumem todas as despesas de manutenção e conservação do empreendimento.
O cálculo funciona da seguinte maneira: se o valor das despesas ordinárias (porteiros, faxineiras, água, energia elétrica, etc) resulta na quota de condomínio de R$1 mil por unidade ocupada ou vendida, a construtora pagaria somente R$ 300 (30%) pela unidade que ainda está à venda.
O problema gera prejuízos expressivos em alguns casos, pois na hipótese de um edifício com 50 unidades, tendo sido vendidas apenas 20 apartamentos, os 30 apartamentos da construtora pagariam R$ 9 mil.
O valor de R$ 21 mil, referente aos 70% restantes, seriam transferidos para os 20 proprietários dos apartamentos, os quais pagariam a quota de R$1 mil mensal acrescida de R$1.050,00 que seriam de responsabilidade da construtora.
O resultado seria cada proprietário que comprou o apartamento ser cobrado no valor mensal de R$ 2.050 mil, o que configura ilegalidade, por acarretar enriquecimento sem causa do construtor, situação essa vedada pelo Código Civil, bem como pelo Código de Defesa do Consumidor.
Cláusula da convenção é inválida se ferir a lei
Pelo fato da convenção ser elaborada unilateralmente pela construtora, a cobrança indevida é maquiada, como se fosse legal, e os condôminos, por confiarem em demasia, pagam a quota acima do valor correto sem nada questionar.
A obrigatoriedade de pagar as despesas de condomínio decorre do direito de propriedade, sendo que o condômino é obrigado a pagar as despesas de conservação e manutenção da edificação/condomínio, independentemente de residir/trabalhar ou não na sua unidade.
O valor a ser pago por todas as unidades deve ser igualitário, pois se paga pelo que se utiliza ou pelo que está à disposição, sendo que a lei determina que todos os moradores têm o mesmo direito de usufruir das áreas comuns e dos empregados.
Tendo em vista que essas despesas beneficiam todas as unidades, inclusive, as que estão à venda, qualquer regra que venha a isentar ou reduzir o percentual de participação de unidade não vendida no pagamento dos custos necessários à preservação da propriedade coletiva, acarretará enriquecimento ilícito pelo beneficiado.
A construtora que impõe tal cláusula na convenção visa o lucro e a redução de despesas de forma condenável, transferindo ilegalmente a responsabilidade aos demais condôminos. Porém, trata-se de típica relação de consumo entre os compradores prejudicados e a construtora, motivo pelo qual a cláusula que determina esse rateio desigual é abusiva e pode ser anulada, conforme o art. 51 do Código de Defesa do Consumidor:
“Art. 51. São nulas de pleno direito, entre outras, as cláusulas contratuais relativas ao fornecimento de produtos e serviços que: [...] IV - estabeleçam obrigações consideradas iníquas, abusivas, que coloquem o consumidor em desvantagem exagerada, ou sejam incompatíveis com a boa-fé ou a equidade”.
Condôminos devem agir unidos e com profissionalismo
Diante da ilegalidade, os condôminos, devidamente assessorados juridicamente, podem valer-se da lei e de sua autonomia administrativa para retificarem a convenção, de modo a garantir o rateio justo entre todas as unidades incluindo-se as que são de propriedade da construtora ou da empresa loteadora, conforme o caso.
A condução amadora num caso dessa complexidade pode resultar na consolidação do prejuízo, já que a construtora ou loteadora possui um departamento jurídico competente, apto a afrontar o síndico e os compradores que não têm domínio das diversas leis aplicáveis ao caso. Os condôminos lesados, mediante uma condução técnica, podem ainda, exigir o reembolso de todas as despesas pagas a mais no período em que vigorou a convenção elaborada pela construtora ou pelo loteador.
A prática dessas táticas montadas pelas construtoras e loteadoras decorre da desunião dos compradores, que deixam de se defender de forma adequada ao não se organizarem mediante uma assessoria jurídica unificada e especializada, favorecendo assim prejuízos que poderiam ser evitados.
(*) Kênio de Souza Pereira é advogado; presidente da Comissão de Direito Imobiliário da OAB-MG; Diretor da Caixa Imobiliária Netimóveis e Conselheiro da Câmara do Mercado Imobiliário de MG e do Secovi-MG.