Edifício Holiday
PE: Leilão de prédio simbólico do Recife acontece nesta quinta (30)
Leilão do Edifício Holiday: memórias de um lar, perspectivas de um futuro incerto
O prédio, símbolo do modernismo na capital, vai a leilão nesta quinta-feira (30)
Para os transeuntes, um “gueto vertical”, mas para os ex-moradores, um “lar cheio de memórias”. Desocupado desde 2019, o Edifício Holiday, localizado em Boa Viagem, Zona Sul do Recife, vai a leilão nesta quinta-feira (30), data marcada pela 7ª Vara da Fazenda Pública da Capital. A venda do imóvel não significa um ponto final na história do prédio, mas sim um novo capítulo nas vidas dos antigos moradores.
A data do leilão virtual de um dos prédios mais icônicos da capital pernambucana precisou ser remarcada após o desembargador Antenor Cardoso atender ao pedido da Defensoria Pública de Pernambuco, que apresentou um plano de recuperação do edifício.
No entanto, em novembro do ano passado, o desembargador decidiu autorizar a venda do prédio, uma vez que a Defensoria Pública de Pernambuco não apresentou alternativas viáveis para recuperar o imóvel, segundo o magistrado.
Para o leilão do dia 30 deste mês, o lance mínimo é de R$ 35,7 milhões. Caso não haja lances na primeira tentativa, um segundo leilão será feito no dia 20 de fevereiro, às 11h, com lance mínimo de R$ 21,4 milhões. Apesar de parecerem valores altos, alguns ex-moradores do prédio afirmam que ele vale muito mais que isso. A memória afetiva não tem preço.
O edital foi publicado no Diário de Justiça de Pernambuco e no Diário Nacional da Justiça Eletrônico. De acordo com o arquivo, pessoas físicas e jurídicas podem se inscrever até o dia 28 de janeiro para participar dessa primeira chamada e oferecer lances, desde que entreguem a documentação exigida.
Quem já morou no Edifício Holiday não verá o antigo lar sendo totalmente apagado, já que a proibição da demolição do prédio foi um item obrigatório do edital do leilão e foi estabelecida pelo desembargador Antenor Cardoso.
Além disso, o comprador do edifício ficará responsável pela reforma e recuperação da estrutura, sem possibilidade de descontos no valor de compra do imóvel no leilão.
Os anseios dos antigos moradores
Basta uma volta no entorno do Edifício Holiday em um final de semana para encontrar diversas pessoas que já moraram no prédio. Boa parte delas precisou deixar o bairro que tanto gostava após a desocupação total do prédio, em 23 de março de 2019, por não conseguir adquirir um novo imóvel em uma das localidades com o metro quadrado mais caro da cidade.
Entre estes ex-moradores está o artesão Rosiel Gomes da Silva, de 53 anos, que trabalha bem perto do Holiday. Durante a semana, ele leva seu material de trabalho e um banquinho para se sentar enquanto faz artesanatos observando a antiga casa. Com um olhar saudoso, ele acessa as memórias antigas e relembra o período em que vivia no edifício, comparando com a vida que tem hoje.
“Morei no Holiday por 30 anos e só saí no dia da interdição. Recebi a notícia (da desocupação) por um vizinho quando eu estava viajando em Barra de Sirinhaém, mas achei que não ia dar em nada. Eu resisti o máximo que podia resistir, mas poucas pessoas ficaram em um andar sem energia, sem água, sem nada. Não ia colocar minha vida em risco. Depois que saí de lá minha vida mudou muito. Eu tinha dois apartamentos e quando deixei o prédio, deixei de receber aluguel e comecei a pagar. O poder público nos abandonou”, conta.
O artesão viu os três filhos crescerem no Holiday e tem boas lembranças da vida que levava no edifício. Atualmente, morando em Piedade, em Jaboatão dos Guararapes, ele espera que o prédio seja totalmente requalificado, uma vez que não sabe se aguentaria ver alguém morando nos apartamentos dele.
“Tenho esperança de receber alguma coisa, vai ter o leilão agora. Meus apartamentos são todos certinhos, todos legalizados. Agora é esperar vender para receber indenização. Não é um preço justo, mas é melhor do que nada. Minhas memórias morando lá são do Recifolia, do Bloco da Parceria e da praia. Pensar que alguém pode morar no Holiday é uma sensação de injustiça. É como se tivessem acabado com a sociedade do Holiday. Por mim, ele poderia ser demolido para eu não precisar ver mais”, afirma.
O prédio inaugurado em 1957 era um símbolo do modernismo na arquitetura do Recife e foi construído com o objetivo de abrigar famílias durante o período de férias. O formato de meia-lua atrai até hoje os olhares de quem passa por Boa Viagem. O prédio possui 17 andares, 442 apartamentos tipo studio de um quarto, 34 apartamentos de dois quartos e 17 lojas comerciais.
Além disso, as escadas do Holiday chamavam a atenção, principalmente quando vistas de cima. As paredes eram azuis e formavam um caracol gigantesco. Os cobogós também são destaque da arquitetura do prédio. Nada prevaleceu.
Com o passar do tempo, o Holiday passou a ser o lar de comerciantes locais, estudantes e recém-chegados na capital que estavam em busca de oportunidades. Muitos proprietários deixaram os apartamentos e passaram a alugá-los.
Um dos inquilinos do Holiday foi o padeiro Genicleiton Gonçalves, que saiu de Salgueiro para trabalhar no Recife, onde mora há mais de 20 anos. Ele relata que quando foi morar no edifício, em 2014, o prédio já estava em uma situação degradante e com diversas irregularidades.
“Era uma rotina muito louca. A pessoa que chegava na parte da noite via muitos ‘maloqueiros’. Eu ficava com medo, mas era a opção que eu tinha e esse foi o lugar mais em conta que eu achei para morar. Era bom porque eu morava perto do trabalho. Quando eu soube do processo de desabitação eu fiquei muito triste, pois havia muitos trabalhadores morando lá. Minha alegria é passar por aqui todos os dias e ver esse prédio em pé, mas dizem que tem um projeto para retirá-lo. Acho que era para conservá-lo por se tratar de um dos primeiros prédios de Boa Viagem”, afirma.
O Holiday já foi considerado um símbolo da expansão imobiliária, mas ao longo dos anos tornou-se uma favela vertical e alvo de críticas por moradores do bairro, que sentiam-se incomodados com a movimentação das cerca de 4 mil pessoas que viviam no edifício. À medida em que apresentava problemas na estrutura e segurança, o Holiday passou a abrigar pessoas mais humildes que trabalhavam na praia e no comércio nas redondezas.
O prédio teve um compilado de problemas devido à inadimplência de mais da metade dos moradores. Diversas ligações clandestinas (gatos) e fios expostos foram os argumentos da Neoenergia para embasar a interdição da estrutura. A fachada do prédio não recebeu reparos e as janelas e portas foram furtadas. O que se vê hoje é o pouco que restou.
O que um dia foi um lugar cheio de movimento, com diversos comércios e moradores, se encontra abandonado e fechado. Uma ex-moradora do Holiday, que preferiu não se identificar, montou uma barraca de lanches em frente ao edifício junto com a filha depois que ele foi desocupado. Assim como o artesão Rosiel Gomes, elas trabalham olhando para o antigo lar.
“Eu morei por 24 anos no Holiday com meus seis filhos. Você já pensou o pobre morando na beira-mar? Eu era inquilina do mesmo proprietário. Morei no nono andar, no terceiro, no quarto e no décimo primeiro e ainda tinha minha lojinha embaixo do prédio. Eu queria ter condições de morar nele quando consertarem. Só de pensar na demolição desse prédio me dá um desgosto. Para encurtar a história: eu era feliz e não sabia”, conta a vendedora.
A filha dela também possui boas memórias da infância no Holiday e acredita que o prédio não será demolido.
“A gente cresceu aqui. Eu falo hoje: ‘Meu Deus! Eu era rica e não sabia!’. Porque eu olhava para a janela e via a praia, o shopping. Esse prédio é uma cidade, tinha pessoas boas e ruins. Sinto muita tristeza em ver ele nessa situação. Vivi minha infância aqui e tive meus filhos aqui também. Acho que essa obra vai mexer com o pessoal que mora ao redor”, comenta.
Outros moradores precisaram deixar o imóvel e não tiveram um lugar certo para ir, como foi o caso de Edmar Oliveira, de 47 anos, que hoje dorme em um colchão no Holiday. Mesmo com parentes em Vitória de Santo Antão, ele se recusar a deixar o local.
“Morar aqui era muito bom. Eu cheguei a ver os três elevadores funcionando. Sinto muita falta da época que cheguei aqui. Não tinha briga, não tinha morte. Morei no 11º andar e no 12º pagando R$ 300 por mês. Agora ele vai ser vendido por milhões, mas não é muito dinheiro porque tem muitas dúvidas para pagar. Eu tomava conta dos guarda-sóis da praia. Acho que esse prédio é um patrimônio do Recife”, relembra.
Praticamente nada do tradicional edifício Holiday restou, apenas as memórias dos antigos moradores, que voltariam no tempo para relembrar os bons tempos, uma vez que nada do que é visto hoje remete à vida no condomínio. Cercado de prédios novos, o Holiday contrasta por ser apenas uma estrutura de concreto sem manutenção.
Fonte: https://www.diariodepernambuco.com.br/noticia/vidaurbana/2025/01/edificio-holiday-memorias-de-um-lar-perspectivas-de-um-futuro-incerto.html