Falência de condômino: O que fazer?
A cobrança dos créditos devidos pelo inadimplente deve continuar? Artigo traz as respostas caso seja decretada a falência do condômino
A essas alturas nem percamos tempo lembrando dos casos que têm sido noticiados, vamos direto ao ponto, este o nosso enorme problema: Como ficam os rateios em caso de falência de condômino (proprietário)? Os créditos do condomínio serão enquadrados juntamente aos créditos dos credores quirografários (aqueles que têm créditos representados por títulos, contratos; normalmente a grande maioria dos abalados pela falência)?
Diriam alguns que restaria ao condomínio edilício habilitar ou declarar o seu crédito e se alinhar dentre os tantos e tantos credores da Massa Falida. Porém, a lei traz solução melhor.
O que diz a lei sobre créditos de condômino falido
Realmente, qualquer condômino deve pagar os rateios, na proporção prevista na convenção do condomínio. E isso que se extrai dos artigos 1.334 – I e 1.336 -I, do Código Civil: a convenção estabelece o rateio e o condômino paga a sua parte.
Trata-se obviamente de dever essencial do condômino, condição “sine qua non” para a sua permanência nessa comunidade.
Jurisprudências relacionadas à falência de condômino
E a importância desse adimplemento, inclusive em caso de falência, já foi definida em julgamento realizado pelo TJSP:
“... Prioridade no pagamento das despesas condominiais que é plenamente justificável, dado que visam à conservação e à manutenção da integridade do bem, sendo certo que eventual necessidade de se aguardar o encerramento do processo falimentar prejudicará sobremaneira as demais unidades condominiais, que arcariam injustamente com despesa alheia, sob pena de comprometer a própria existência do condomínio” (AI 2259525-26.2022.8.26.0000; Relator Des. Hugo Crepaldi).
Esse julgamento é recente (13/12/2022), a demonstrar a atualidade do entendimento.
Em outro julgamento bastante atual (08/11/2022), o mesmo TJSP não esqueceu da natureza do crédito condominial, conjugando três aspectos relevantes:
- 1º) tratar-se de crédito “propter rem”;
- 2º) o inadimplemento onerar injusta e claramente os demais condôminos;
- 3º) consistir “despesa com a administração do ativo”, ou seja: se não houver o pagamento, o ativo do falido se deteriora e se desvaloriza (essas certezas e o suplício com as consequências do acúmulo de débitos, os condomínios têm desde sempre, diga-se).
Assim, o tribunal concluiu:
“...Por se tratar de despesa com a administração do ativo, o crédito condominial é considerado "propter rem" e não se sujeita aos efeitos da falência, já que onera terceiros, no caso, os demais condôminos que terão que suprir a cota de inadimplência de outrem, sendo assim plenamente possível a instauração e o prosseguimento do incidente de cumprimento de sentença...” (AI 2027513-74.2021.8.26.0000; Relator Des. Schmitt Corrêa).
É óbvio que os condomínios não teriam como sobreviver sem o pagamento pontual das contribuições devidas pelos condôminos; também se tem por óbvio que condomínio algum teria como fazer provisões de alta monta para cobrir os calotes que sofram.
Situação muito diferente, por exemplo, daquela de um banco: basta ver que alguns bancos teriam reservado R$ 9,3 bilhões para enfrentamento das perdas estimadas com o susto dado por uma até então respeitável varejista (Estadão, edição de 12/02/23, p. B7), reserva impensável em qualquer condomínio edilício.
Deve ser anotado, contudo, o alarme decorrente de um outro julgamento, ocorrido aos 15/08/2022, em que se debateu se despesas de condomínio anteriores ao requerimento da falência do condômino, também poderiam ser cobradas de imediato, ou se dependeriam de habilitação do crédito e inserção no quadro geral de credores. Isto é, seguiriam com todos os credores, que provavelmente – o dizem as estatísticas – se frustrariam.
A resposta, do STJ:
"O encargo condominial, ainda que anterior ao pedido de quebra, enquadra-se no conceito de despesa necessária à administração do ativo, tratando-se de crédito extraconcursal que não se sujeita à habilitação, tampouco à suspensão determinada pela Lei de Falências" (AIRESP 2.071.885/RJ, relator Ministro Antonio Carlos Ferreira). Ou seja, mesmo que anterior ao decreto de falência, a verba não perde sua natureza de “despesa necessária para a administração do ativo”.
Mas, o porquê desse alarme: como se viu, uma parte interessada na ação se opôs ao direito de o condomínio receber prioritariamente, e essa contrariedade acarretou longo processo judicial – enquanto não finalizado o processo, estaria aberta a hipótese de insucesso do condomínio.
Por esta (e por outras razões sempre recordadas em debates sobre condomínio edilício), os créditos devem ser perseguidos sem delongas e inadimplentes devem ser cobrados imediatamente. Não existe razão para fazer os demais suportarem os ônus dos débitos de outrem, seja este quem for.
Sim, existe base legal bastante clara para essas conclusões aqui sintetizadas, dando prioridade aos condomínios, no artigo 84 da Lei 11.101/05, alterada pela Lei 14.112/20, que estabelece a precedência no pagamento das despesas com a administração do ativo do falido.
Por exemplo, ativo integrado por imóveis que o falido possuísse em condomínio edilício, fácil concluir, e esse ativo há de ser mantido, administrado, o que exige dispêndio.
O que fazer, então, em caso de falência de condômino?
Portanto, em caso de falência, os rateios de condomínio deverão ser liquidados; a cobrança deve ser realizada e os pagamentos se darão com absoluta preferência aos dos credores quirografários (art. 84 - III, da Lei).
E, é obvio e deverá ser mantido em mente pelo síndico: a cobrança imediata, o não acúmulo de valores a cobrar, poderá evitar maiores prejuízos ao condomínio, minorará os danos aos demais condôminos.
Por fim, um aspecto que merecerá debate numa próxima oportunidade: ao descumprir reiteradamente a obrigação de pagar, esse condômino gera incompatibilidade de convivência com os demais.
Estaria tipificada a hipótese do condômino antissocial (art. 1337, do CC)? Veremos nos próximos capítulos...
(*) Jaques Bushatsky é advogado; pró-reitor da UniSecovi; integrante do Conselho Jurídico da Presidência do Secovi-SP; sócio correspondente da ABAMI (Associação Brasileira dos Advogados do Mercado Imobiliário para S. Paulo); coordenador da Comissão de Locação e Compartilhamento de Espaços do Ibradim e sócio da Advocacia Bushatsky.