Falha do artigo do Código Civil sobre destituição de síndico
Para advogado, o artigo 1.349 do CC subentende que a assembleia de destituição de síndico precisa ser, necessariamente, convocada para dispor sobre a transferência de poderes ou funções
Por Dr. Cristiano de Souza*
Um dos artigos mais enigmáticos do capítulo “Do condomínio edilício” trazidos pelo Código Civil é o artigo 1.349.
Muitos o consideram como o artigo que revogou o §5º do artigo 22 da Lei nº 4.591/64. Porém, ao analisar seu conteúdo, vemos claramente que não seria esta a interpretação mais correta, ainda que o STJ tenha levado a entender desta forma, definindo, por exemplo, que o quórum requisitado para tal seria da maioria dos presentes em assembleia.
Para melhor orientação, diz o § 5º do art. 22 da Lei 4.591/64:
Art. 22. Será eleito, na forma prevista pela Convenção, um síndico do condomínio, cujo mandato não poderá exceder de 2 anos, permitida a reeleição.
(...)
§ 5º O síndico poderá ser destituído, pela forma e sob as condições previstas na Convenção, ou, no silêncio desta pelo voto de dois terços dos condôminos, presentes, em assembleia-geral especialmente convocada.
Já os artigos 1.348 (§ 2º) e 1.349 do Código Civil dizem:
§ 2º do art. 1.348 - O síndico pode transferir a outrem, total ou parcialmente, os poderes de representação ou as funções administrativas, mediante aprovação da assembleia, salvo disposição em contrário da convenção.
Art. 1.349. A assembleia, especialmente convocada para o fim estabelecido no § 2º do artigo antecedente, poderá, pelo voto da maioria absoluta de seus membros, destituir o síndico que praticar irregularidades, não prestar contas, ou não administrar convenientemente o condomínio.
Assembleia de destituição de síndico exige convocação específica?
De pronto, por uma simples análise vemos que o art. 1349 traz o assunto destituição, mas antes estabelece uma série de informações, senão vejamos.
Esclarece, entre vírgulas, que a assembleia que o art. 1.349 trata é a mesma que for tratar sobre transferência, total ou parcial, dos poderes de representação ou das funções administrativas do síndico (§ 2º do art. 1.348 do CC). Ou seja, não é uma assembleia convocada para destituição, tal qual orienta a Lei 4.591/64.
Mas não é somente isso. Também fala que a maioria absoluta dos seus membros (inicialmente entendido como maioria da totalidade, mas desde o julgamento do Resp 1.266.016 do STJ se entende por maioria dos presentes), poderá nesta mesma assembleia, não convocada especificamente para uma destituição, haver um ato de cassação do mandato, identificando três causas para tal condição:
- Praticar irregularidades;
- Não prestar contas;
- Não administrar convenientemente o condomínio.
Assim, outros assuntos levantados numa assembleia dedicada à deliberação de transferência de poderes, que possam levar à destituição do síndico, impediria a coletividade de aceitar o pedido do §2º do art. 1.348 do CC .
Se aberta a deliberação para destituição de síndico neste ato, a escolha de um novo gestor deverá ocorrer nos termos da convenção. Isso porque, por se tratar de uma assembleia extraordinária, não poderia haver nova escolha do síndico (decisão de uma assembleia ordinária).
Sugestão de novo texto para o artigo 1.349 do Código Civil aguarda aprovação
O entendimento acima sobre assembleia de destituição síndico é minoritário, pois o mais comum e fácil é entender o art. 1349 sem os esclarecimentos expressos, qual seja: “especialmente convocada para o fim estabelecido no § 2 o do artigo antecedente”.
Neste sentido, em 2018, quando o GEAC (Grupo de Excelência de Administração de Condomínio do Conselho Regional de Administração de São Paulo) assumiu a autoria do anteprojeto do PL 348/2018, ajudei a redigir um novo texto ao art. 1.349.
Assim a proposta permanece até hoje, tendo o senador Roberto Rocha mantido em seu relatório à Comissão de Constituição, Justiça e Cidadania, documento que aguarda votação na Comissão. A saber, o texto proposto ao art. 1.349 foi este:
“...a redação aventada para o art. 1.349 flexibiliza as condições para a destituição do síndico, hoje por demais rígidas, corrigindo, ademais, a redação atual, que, de modo excêntrico, dá a entender que a assembleia na qual se pode deliberar sobre tal destituição deve necessariamente ser convocada para dispor sobre a transferência, a outrem, de poderes ou funções do síndico...
Art. 1.349. O síndico que praticar irregularidade, não prestar contas ou não administrar convenientemente o condomínio poderá ser destituído, por deliberação da maioria dos presentes à reunião da assembleia especialmente convocada por 1/4 (um quarto) dos condôminos adimplentes, assegurados o contraditório e a ampla defesa.”
A contribuição pode não ter gerado grande impacto, mas corrige e adequa a uma realidade vivida em condomínios. Aguardamos assim sua aprovação pelo legislativo e sua promulgação do executivo.
(*) Advogado e consultor jurídico condominial há mais de 26 anos. Mediador Judicial e Privado cadastrado perante o CNJ. Integra o quadro de Câmaras de Mediação e Arbitragem no campo de Direito Condominial. É vice-presidente da Associação dos Advogados do Grande ABC; membro do Grupo de Excelência em Administração de Condomínios - GEAC do CRA/SP; membro da Comissão Especial da Advocacia Condominial da OAB/SP e da Comissão Especial de Direito Condominial do Conselho Federal da OAB; palestrante e professor de Direito Condominial, Mediação e Arbitragem; autor do livro "Sou Síndico, E agora? Reflexões sobre o Código Civil e a Vida Condominial em 11 lições" (Editado pelo Grupo Direcional em 2012). Sócio-diretor do Grupo DS&S e Diretor do Instituto Educacional Encontros da Cidade-IEEC.