Filhinha, não!
Por Luizinho Lima (popularmente conhecido como Luizinho Porteiro )*
Dona Auricélia sempre passava rápido pela portaria, sua comunicação com os funcionários do condomínio era pouca. Sempre atrasada, sequer parava para falar bom dia aos porteiros. Como ela não tinha uma aproximação com os funcionários do condomínio, não sabia o nome deles, muito menos quem eram, pois no condomínio havia muitos funcionários.
Um certo dia, ela pediu ajuda ao porteiro e o mesmo gentilmente a socorreu segurando algumas das suas sacolas. Ao terminar de ajudá-la, ela o agradeceu muito, e o porteiro novo, seu Atanagildo, já foi falando:
-Pois não, filhinha, precisando estou às ordens.
Dona Auricélia estranhou a forma como o cidadão se dirigiu a ela, mas tudo bem. Os dias se passaram, ela interfonou na portaria e pediu que o porteiro solicitasse um táxi.
Seu Atanagildo respondeu do outro lado:
-Pois não, filhinha, deixe comigo.
(Infelizmente tem condôminos que pedem aos porteiros para chamarem o táxi e depois descontam do salario deles, dizendo que os mesmos se beneficiaram e pediram táxi para eles. É mole ou quer mais?).
Dona Auricélia se incomodou com seu Atanagildo, que mais uma vez a chamou de filhinha. Os dias se passaram e seu Atanagildo estava ali no prédio, como bom baiano, sempre bem falante, torcedor fanático do Bahia, como ele sempre dizia: "borá Bahia minha porreta ".
Seu Atanagildo, com seu jeito simples e educado, chamava a todos carinhosamente de filhinha e filhinho, pois com mais de setenta primaveras ainda forte, firme e sadio, era assim que ia tocando a vida.
Alguns dias se passaram, Dona Auricélia apareceu de novo e quando viu seu Atanagildo, já foi ficando meio encabulada. Ele, como sempre, falou:
-Boa tarde, filhinha!
Aquilo para ela foi uma ofensa. Pediu imediatamente uma reunião com o zelador e com o síndico e às pressas foi atendida devido ao grau de estresse dela, que estava acima do limite.
Todos ficaram preocupados, pois era uma senhora que praticamente nunca trouxe nenhum tipo de problema para o síndico ou para o pessoal do Conselho. Quando começou a reunião, o síndico, seu Machado, já foi perguntando para ela:
-Dona Auricélia, o que houve?
E ela, cabisbaixa e muito nervosa, não respondia nada. O zelador, Antonio Barata, conhecido popularmente no condomínio por Seu Barata, resolve perguntar também:
- Dona Auricelia, está tudo bem com a senhora?
Ela responde:
- Seu Machado e Seu Barata, gostaria que os senhores tomassem uma atitude com o porteiro, pois todas as vezes que eu passo lá ele me chama de filhinha! Filhinha, não!
Seu Machado e Seu Barata não aguentaram e caíram na gargalhada.
Dona Auricelia, mais de cinquenta anos de idade, uma senhora formada em psicologia, poderia tirar essa situação de letra, mas, vejam, amigos e amigas, a que limite chegam as pessoas... Por isso, morar em condomínio requer sabedoria, tranquilidade e muita paciência, pois essas situações deixam qualquer um maluco.
Antes de morar em um condomínio, pense com calma, pois o amigo e a amiga leitores dessa história irão se deparar com muitas outras como esta.
(*) Luizinho Lima (popularmente conhecido como Luizinho Porteiro ) é porteiro há mais de 25 anos nos condominios de Campinas- SP .
Autor de dois livros: "Cidade Vertical" e "Me conta que eu te conto".
Fonte:
Matérias recomendadas