Funcionários que recusam vacina podem ser demitidos
Justiça de SP já confirmou uma demissão por justa causa de uma auxiliar de limpeza de um hospital
Por Fernanda Valente, do site JOTA*
O avanço da vacinação no Brasil gera questionamentos sobre como as empresas devem se comportar frente a funcionários que não querem se imunizar. Nesses casos, cabe demissão por justa causa?
Ainda há poucos precedentes sobre o tema, mas especialistas consultados pelo JOTA entendem que a dispensa ainda é a última alternativa do empregador, e deve ser avaliada individualmente.
Advogados têm recomendado às empresas conscientizar os funcionários sobre a importância da vacinação, divulgando, por exemplo, as datas e locais de imunização para os grupos que já têm acesso à vacina. Em caso de negativa de vacinação vale observar se o trabalhador trabalha de forma presencial ou remota antes de decidir sobre a demissão.
O tema já chegou ao Judiciário, apesar de o JOTA ter identificado apenas um processo sobre o tema. Em recente decisão, a juíza Isabela Flaitt, da 2ª Vara do Trabalho de São Caetano do Sul (SP), confirmou a demissão de uma auxiliar de limpeza de um hospital que se recusou a tomar a vacina contra a Covid-19 por duas vezes.
A juíza afirmou que a necessidade de proteger a saúde dos trabalhadores e pacientes do hospital e da população “deve se sobrepor ao direito individual da autora em se abster de cumprir a obrigação de ser vacinada”. A funcionária poderá recorrer.
O advogado Bruno Régis, sócio do Urbano Vitalino Advogados, explica uma peculiaridade do processo recente de São Caetano do Sul. “Tratava-se de funcionária de hospital que, em tese, está mais exposta ao vírus e que não justificou recusa para não vacinar. Não necessariamente será uma decisão aplicável a todos os casos”, diz.
Além dos casos de profissionais da saúde, advogados trabalhistas apontam que o empregador pode adotar medidas antes da demissão por justa causa. Ainda de acordo com Bruno Régis, o primeiro passo é conscientizar sobre a vacinação.
O que pode ser feito
O advogado Leonardo Carvalho, do BVA Advogados, recomenda que os clientes incluam a vacinação da Covid-19 em seu programa de controle médico de saúde ocupacional (PCMSO) e regulamentem as políticas internas que visem a adesão de trabalhadores em campanhas de vacinação.
Além disso, Carvalho sugere que as empresas instruam os empregados e colaboradores sobre a importância das campanhas de vacinação, divulgue internamente as datas e locais mais próximos de vacinação gratuita (inclusive quando se tratar de grupos prioritários) e avaliem individualmente os casos antes de aplicar sanções.
Advertir o empregado por escrito, em caso de recusa à vacinação, e aplicar suspensão disciplinar são outros exemplos citados pelo advogado Fernando Cesar Lopes Gonçales, sócio do escritório LG&P. Para o advogado, um fator a ser considerado para a demissão por justa causa é saber se o funcionário gera exposição de contágio aos colegas de trabalho e/ou ao público em geral.
“A recusa à vacina se enquadra nas hipóteses previstas na CLT para tal penalidade, especialmente por caracterizar os seguintes pontos: desídia, incontinência de conduta, ato de indisciplina, risco de ofensa à saúde das pessoas e perda da aptidão para desempenho das atividades em decorrência de comportamento doloso”, explica.
Se acontecer o contrário, ou seja, se o funcionário trabalha em home office ou em atividades que não exponham ele e outros ao risco de contágio, “o empregador não pode obrigar a imunização, mas deve incentivar a vacinação”, afirma Gonçales.
Ao JOTA, a juíza Noemia Porto, da 10ª Região, ex-presidente da Associação Nacional dos Magistrados da Justiça do Trabalho (Anamatra), também ponderou que a recusa do empregado em se vacinar deve ser vista como legítima, ainda que criticável, em razão da crise sanitária.
Previsão em lei
Em uma corrida contra o tempo, em dezembro, o Supremo Tribunal Federal (STF) declarou constitucional a vacinação compulsória e definiu algumas balizas. Entre elas, o colegiado reforçou que a obrigatoriedade não pressupõe forçar a vacinação.
Logo depois, em janeiro, o Ministério Público do Trabalho divulgou um guia técnico para orientar a atuação dos procuradores. O documento chamou a atenção por prever a possibilidade de dispensa quando o empregado não der anuência para ser vacinado, sem apresentar justificativas. Para os advogados, ainda que não tenha efeitos vinculante e obrigatório, o direcionamento do MPT também pode contar na balança.
Mas antes mesmo do julgamento no STF, em outubro, o assunto já começava a circular na Câmara dos Deputados. À época, o deputado Aécio Neves (PSDB) apresentou um projeto de lei para tratar das penalidades a quem recusar ser vacinado.
O PL 5040/2020 prevê que a pessoa que negar a vacinação será punida com as mesmas regras contra quem não vota nas eleições. Ou seja, a pessoa que não se vacinou não pode se inscrever em concurso para função pública, é proibida de obter passaporte, de tomar empréstimos com autarquias etc.
“A tarefa do Estado, ao determinar a vacinação, é proteger o direito de todos à vida, e sem esta evidentemente não há sequer opinião, quanto mais direitos. Quem recusar-se à vacinação estará agindo da mesma maneira que aquele que se recusa a participar das eleições. Este não é local nem momento para discutir a obrigatoriedade do voto”, justificou Aécio.
Contra a demissão
Com o início da vacinação pelo país em 2021, dois deputados do PSL apresentaram projetos sobre imunização e demissão. A deputada Carla Zambelli (PSL) levou ao Congresso o PL 149, que quer proibir a justa causa do empregado que optar por não receber a vacina contra a Covid-19. Como justificativa, a parlamentar afirma que deve prevalecer a liberdade de escolha do trabalhador em se submeter às vacinas que “foram produzidas em tão curto lapso temporal”.
O projeto da deputada propõe ainda que seja considerada discriminatória a dispensa sem justa causa que tenha como motivação comprovada a recusa do empregado à imunização.
Foi apensado para tramitação conjunta o PL 158/2021. De autoria do deputado Daniel Silveira (PSL), o segundo projeto apresentado quer proibir que o trabalhador seja obrigado a ter se vacinado para ser admitido ou mantido no emprego. O PL 158/2021 foi apensado para tramitação conjunta com o de Zambelli.
Tanto Zambelli quanto Silveira se ancoram na falta de previsão expressa na lei sobre os temas. A primeira aponta que não há definição de que a recusa em imunizar é falta grave. O segundo afirma que não há regra jurídica que determine que o trabalhador deve ser vacinado para se manter no emprego.
“A inexistência de norma legal que determine uma conduta contrária à vontade do cidadão não pode, portanto, levar um ator privado — o empregador — a criar tal determinação”, justificou Silveira em seu projeto.
Os PLs estão aguardando parecer da relatora na Comissão de Seguridade Social e Família (CSSF). Ainda não há previsão de votação.
FERNANDA VALENTE – Repórter em Brasília. Jornalista especializada na cobertura do Poder Judiciário, é responsável pela cobertura do Conselho Administrativo de Recursos Fiscais (Carf). Trabalhou na revista eletrônica ConJur em São Paulo e em Brasília e tem passagem pela redação da Rede TV! E-mail: fernanda.valente@jota.info / https://www.jota.info