Funcionários terceirizados: Relação com síndico e moradores
Na relação entre funcionários terceirizados, síndico e moradores, a quem os colaboradores estão subordinados? Há limites de comando. Confira orientações para um relacionamento saudável
Ainda que em diferentes níveis, a relação entre funcionários e patrões é um tema delicado em qualquer tipo de empresa e em qualquer lugar do mundo. Mas quando falamos de funcionários terceirizados em condomínios, tratando com síndicos e moradores, o cuidado se torna redobrado.
Não é uma equação simples, muito em função da falta de clareza em relação à subordinação desses empregados. A quem eles se dirigem?
Para entender isso, nessa matéria falamos do por que há tanta confusão sobre quem se responsabiliza pelos funcionários terceirizados dentro do condomínio, qual a maneira correta de síndicos e moradores interagirem e manterem uma relação saudável com eles, incluindo orientações para as abordagens.
Ao final, há uma reflexão sobre relações trabalhistas e o contexto histórico que apontam para a raiz de conflitos, além de abordar a necessidade de mudança cultural e valorização de funcionários que atuam no setor de serviços, que pode ser feita dentro dos condomínios com campanhas.Confira!
Terceirização de mão de obra em condomínios: cuidado com a subordinação
Na visão da síndica profissional Lígia Ramos, que há 23 anos atua na área condominial e acompanhou a inserção das empresas terceirizadas nos condomínios, a terceirização de mão de obra surgiu justamente por uma carência do mercado: a gestão de pessoas.
Nesse contrato, as responsabilidades da administração do condomínio no que diz respeito à gestão de funcionários, como realizar treinamentos, providenciar uniformes, efetuar pagamentos salariais e tributários, bem como elaborar escalas bem feitas e resolver problemas de ausência ou perfomance, são transferidas às empresas.
- Confira também: 20 dúvidas sobre serviço terceirizado em condomínios
É uma cadeia hierárquica diferente da que se aplica em relação aos funcionários próprios do condomínio.
Quando o colaborador é orgânico, ou seja, contrato em regime CLT pelo condomínio, o síndico é como se fosse o diretor da empresa e o zelador, o gerente.
"A terceirização nos condomínios é uma forma de terceirizar essas responsabilidades, que até então eram abraçadas por nós, síndicos. Com esse serviço, temos à frente um supervisor da empresa, o qual conta com o apoio e organização de todo um departamento pessoal próprio", explica Lígia.
Conforme explica o advogado Rodrigo Coelho, sócio do escritório Coelho, Junqueira e Roque Advogados, na terceirização de serviços não há formação de vínculo empregatício direto entre condomínio e trabalhador terceirizado.
Essa relação jurídica se forma entre o funcionário terceirizado e a prestadora de serviços, ou seja, ele está subordinado somente à empresa contratada pelo condomínio, e o condomínio atende ao papel único e exclusivamente de tomador de serviços (responsável subsidiário). Em outras palavras, o condomínio contrata o posto (cargo), não a pessoa.
"É salutar esse distanciamento nas abordagens do síndico ao empregado terceirizado. O ideal é se dirigir ao profissional da empresa contratada - o responsável imediato pelo contrato com o condomínio, como gerente, supervisor ou líder", pontua Rodrigo.
Porém, na prática, isso é pouco claro e causa muita confusão sobre como acontece essa relação de comando no condomínio.
Os funcionários terceirizados costumam receber ordens de diferentes pessoas, ora o zelador, o próprio síndico, moradores e, por fim, dos gestores da empresa que assina sua carteira de trabalho.
"Em um condomínio, todo mundo é dono e todos se acham patrões dos funcionários, é o famoso 'Eu pago seu salário'. Então, é muito comum um morador passar pelo corredor e comentar com o faxineiro que tal coisa não está de acordo. Eu como síndica, infelizmente, não consigo controlar isso 100%", salienta Lígia.
Com isso, a percepção desses colaboradores é de que respondem a muitos chefes em um mesmo lugar.
"Quem está na ponta desta cadeia não olha para o vínculo trabalhista, e sim, para quem está no comando ou quem ele entende que tem autoridade no assunto. E essa autonomia na hierarquia não necessariamente vem do chefe imediato", alerta Décio Tenório, diretor comercial do Grupo Souza Lima.
No podcast abaixo, Décio fala mais sobre terceirização em condomínio. É só dar o play:
Como síndicos e moradores podem manter uma relação saudável com funcionários terceirizados
A falta de atenção aos pontos elencados nessa matéria rende problemas para o condomínio, os quais são praticamente os mesmos de uma relação com funcionários orgânicos do condomínios.
Então, além de comprometer a prestação de serviços e gerar indenizações salgadas de passivo trabalhista (por acúmulo de função ou desvio de função), há risco também de processos judiciais por assédio moral.
- Leia mais: Artigo sobre Assédio Moral contra Funcionários de Condomínio
- Veja também: Riscos da terceirização em condomínios
O diretor do Grupo Souza Lima destaca dois pilares que podem eliminar esses riscos: empoderamento dos trabalhadores e conscientização dos moradores.
1. Empoderamento dos colaboradores
Os funcionários dos condomínios podem ser considerados invisíveis para muita gente. Nem sempre são conhecidos pelo nome, e costumeiramente são lembrados apenas como "a porteira da manhã" ou "o tiozinho da limpeza".
E, na maioria das vezes, são notados somente quando surge algum problema, como a entrega de uma correspondência que não foi feita ou um familiar/amigo sendo barrado na portaria.
Na opinião do diretor do Grupo Souza Lima, é preciso treinar os colaboradores para que se sintam seguros ao executar as tarefas para as quais foram contratados.
"Sempre dou orientações nesse sentido, para que eles realmente se sintam como pessoas importantes ali. Digo que 'Dentro dessa guarita você é o delegado!'", ele enfatiza .
Além disso, esse treinamento deve instruir os colaboradores a procurar seu supervisor imediato na empresa se as solicitações fugirem do rito para o qual foi doutrinado.
Seguindo essa mesma linha de empoderamento, Lígia gosta de incentivar os funcionários terceirizados a adotarem um caderno de reclamação para registrar casos de maus-tratos, abusos ou falta de educação por parte de um morador.
2. Conscientização dos moradores na relação com funcionários terceirizados
O primeiro ponto relevante nesse item é que todos moradores devem conhecer o papel de cada funcionário e as diferenças que existem nessa relação com terceirizados.
Isso evita que alguém dê ordens a eles, peça ao responsável pela manutenção algum serviço de faxina ou mesmo um pequeno reparo dentro de um apartamento, por exemplo. O síndico deve aproveitar as assembleias para reforçar isso, assim como fixar comunicados.
O segundo ponto é sempre relembrar os moradores de que todos os funcionários devem ser tratados com educação. Para Lígia e Décio, muito dos problemas ligados ao relacionamento entre síndicos e moradores com funcionários terceirizados seriam resolvidos com uma postura mais respeitosa.
"Um ambiente de respeito nasce da maneira como a gente administra essas relações de comando. Então muito respeito com as pessoas que nos servem é o ponto básico para que a gente possa exigir uma boa performance", afirma Lígia.
No entanto, também é preciso tomar cuidado com o outro lado da moeda. A falta de gentileza por parte dos funcionários terceirizados é ruim, assim como o excesso de familiarização, pois uma abordagem desmedida, de muita intimidade, por abrir margem para interpretações equivocadas ou cair num conflito de interesses.
Funcionários terceirizados: Como o síndico deve interagir
Na prática, o síndico pode pedir aquilo que está dentro do escopo de trabalho do funcionário terceirizado.
"Tudo que for relacionado às tarefas deste, incluindo performance, ele está apto a pedir. Então tem muita coisa que não há necessidade de reportar à empresa de imediato, sendo possível tratar até mesmo com um colaborador interno do condomínio, como o zelador", esclarece Décio, complementando que "às vezes, os problemas já são resolvidos na administração".
Lígia faz exatamente isso. Ela conta que suas abordagens aos funcionários terceirizados vão no sentido de auxiliá-los no desempenho de suas funções - sempre de maneira altruísta e jamais dando uma bronca ou o corrigindo na frente de outras pessoas. Além disso, situações de risco iminente e emergências entram nas exceções do contato direto.
Ela também recorre ao supervisor, mas geralmente em casos mais delicados, pois esse "repasse de informações" de uma pessoa para outra pode causar um telefone sem fio.
"Se percebo que o funcionário vem chegando atrasado com frequência, aciono a empresa, perguntando para averiguarem se está tudo bem com ele, algo nessa linha, porque às vezes não é o caso de afastar o profissional do posto imediatamente, é só uma questão de orientar", pondera.
Numa ocasião, o zelador terceirizado de um dos prédios de Lígia estava passando dificuldades pessoais por conta de uma chuva forte que destelhou sua residência. Os moradores das 19 unidades se mobilizaram para ajudá-lo e acabaram arrecadando R$ 13 mil.
"Essa ação não tem nada a ver com o condomínio, são pessoas olhando para uma pessoa. E que honra eu ser promotora de uma vivência coletiva de tamanho qualidade, na qual a gente consegue ter empatia e sentir a dor do outro", ela compartilha, orgulhosa.
Dessa forma, dar caixinhas de Natal ou servir café da manhã para os funcionários terceirizados também são práticas aceitas.
- Veja também: Como organizar a caixinha de Natal para funcionários
Exemplos práticos de abordagens do síndico aos funcionários terceirizados
Separamos algumas frases que o síndico pode adotar ao se dirigir aos funcionários terceirizados, respeitosas e sem ferir questões de subordinação:
- "Por favor, gostaria que o portão ficasse fechado a partir das 22h, tudo bem?"
- "O elevador está com uma mancha na cabine, por favor, poderia dar uma olhadinha para removê-la?"
- "O vento que bate aqui pela manhã acaba deixando muitas folhas caídas no jardim, então, ao invés do senhor varrer o espaço à tarde, poderia fazer isso logo cedo, por favor?"
O que o síndico NÃO pode fazer
Toda vez que houver necessidade de ajustes em horário, escopo de trabalho ou atividade de um colaborador terceirizado, o síndico deve sempre comunicar a empresa para que esta avalie se está dentro do escopo contratado ou, conforme for, proceder com a alteração.
"Quando você faz uma mudança de cargo e salário, modifica-se a relação trabalhista do empregado. São coisas que envolvem leis e custos", frisa Décio.
Assim sendo, na qualidade de representante legal do condomínio, não cabe ao síndico cuidar diretamente do modus operandi contratado, tais como:
- Gerir o contrato individual de trabalho;
- Emitir ordens diretas;
- Corrigir detalhes da prestação de serviços com frequência ou de maneira incisiva;
- Modificar ou incluir algo que vai além do escopo de trabalho do empregado;
- Fazer reclamações;
- Dar broncas.
Exemplos práticos de abordagens que o síndico deve EVITAR com funcionários terceirizados
Abaixo, duas frases que devem ser evitadas pelo sindico na relação com funcionários terceirizados:
- "A partir de hoje você vai trabalhar no período da noite, tudo bem?"
- "As rondas noturnas não estão satisfatórias, então preciso que seja feita de duas em duas horas, ok?"
Funcionários terceirizados: Como os moradores devem interagir
Para os moradores, o limite de abordagens aos funcionários terceirizados é ainda mais restrito - nada que vá além de uma interação ou procedimento naturais.
Se um morador sente que a prestação de serviço não está na qualidade desejável, jamais deve se direcionar diretamente ao colaborador. Qualquer crítica ou mudança de procedimentos precisa ser feita à administração do condomínio (síndico ou zelador), e desta para a empresa. Além disso, tirar satisfação de algo é terminantemente proibido.
"A administração é nosso contato oficial. Não conversamos com 140 moradores, e da mesma forma, o colaborador da ponta", salienta Décio.
Exemplos práticos de abordagens de moradores aos funcionários terceirizados
- Cumprimentar sempre o funcionário com "Bom dia", "Boa tarde", "Boa noite", de preferência, mencionando seu nome
- "Uma encomenda deve chegar aqui dentro de 30 minutos e só estou aguardando isso para sair de casa. Você poderia me avisar, por favor?"
- Elogiar (com parcimônia) - "Parabéns, o seu trabalho foi ótimo, viu? Ficamos muito felizes e gratos"
- "Um lava-rápido que contratei, placa xxxx, vai chegar aqui no prédio e sair com meu carro, já está autorizado, ok?"
Reflexões sobre relações trabalhistas e conflitos
A complexidade das relações trabalhistas pode ser atribuída a diferentes dimensões, incluindo poder, expectativas, comunicação, direitos e responsabilidades.
Um dos principais fatores que tornam a relação trabalhista delicada é a dinâmica de poder, marcada por uma estrutura hierárquica na qual o patrão (empregador) tem autoridade sobre o empregado.
Esse desequilíbrio de poder pode fazer com que o empregado se sinta vulnerável ou submisso, principalmente em situações onde seu sustento e estabilidade financeira estão em jogo.
Cria-se, assim, uma certa dependência do colaborar em relação ao patrão, que pode gerar um ambiente de tensão e ansiedade. Nesse clima, o medo de perder o emprego pode acabar influenciando a disposição do funcionário em aceitar condições de trabalho adversas ou em evitar confrontos.
Outra dimensão importante nesse tipo de relação entre empregador e empregado são os direitos e responsabilidades de cada um. Todos precisam ser respeitados.
Da mesma forma que os empregados têm direito a um ambiente de trabalho seguro e justo, compensação adequada e dignidade, os empregadores têm o direito de esperar que os colaboradores cumpram suas tarefas de maneira eficiente e responsável.
O problema é quando um dos lados sente que seus direitos não estão sendo respeitados ou que suas responsabilidades estão sendo negligenciadas. A partir daí surgem conflitos e ressentimentos. Nesse momento, uma relação até então friamente profissional, pode ganhar nuances pessoais, emocionais e psicológicas.
Sobre a valorização dos funcionários do setor de serviços
A história do Brasil é marcada por profundas desigualdades sociais, enraizadas desde a colonização e intensificadas pelo longo período de escravidão. Assim, essa herança histórica colaborou para a estigmatização de certas profissões, especialmente aquelas associadas ao serviço doméstico e ao setor de serviços.
Além disso, o processo de urbanização e industrialização do Brasil provocou a migração em massa de populações rurais para as cidades e criou uma força de trabalho abundante e barata, que na época foi sendo absorvida por setores de serviços que exigiam baixa qualificação.
Tal dinâmica reforçou a percepção de que trabalhos como os de porteiros, faxineiros, garçons, etc. estão destinados às camadas menos abastadas e com baixa escolarização da população.
Se voltarmos o olhar para os condomínios, observa-se a necessidade de vários empreendimentos serem contemplados com refeitório ou área de descanso durante o horário de almoço, por exemplo. "Eles são feitos para quem vai morar, mas a custa de quem eles se mantêm?", questiona a síndica profissional Lígia Ramos.
Dessa maneira foi construída uma cultura que atribui menor valor ao trabalho manual, em detrimento àqueles que exigem formação acadêmica, como advogados, médicos e engenheiros, por exemplo. Algo que pode ser mudado, como, por exemplo, campanhas de orientação, conscientização e valorização nos condomínios.
"Numa viagem que fiz para Tóquio, notei um senhor muito feliz limpando os vidros de um prédio considerado monumento da cidade. Parei para conversar, e ele me disse que era ex-professor de física, escolheu fazer aquele trabalho depois da aposentadoria e se orgulhava disso. Enfim, é outra cultura: para os japoneses servir é algo que enobrece o ser humano; aqui é motivo de vergonha", critica Lígia.
Hoje em dia, o avanço da tecnologia, celulares e redes sociais acabou criando um mau hábito. A interação feita olho no olho ficou para trás, fazendo com que as pessoas perdessem o traquejo na hora de se relacionar umas com as outras.
"A sensibilidade foi roubada por esse volume de atividades e informações, tornando tudo muito mecânico. Porém, mesmo na esfera profissional, estamos falando de pessoas", reforça Décio Tenório.
Dentro desse contexto, ele acrescenta falando da importância dos empregadores se atentarem a esse "complexo de inferioridade" dos funcionários. Afinal, ninguém trabalha bem dentro de um ambiente onde falta incentivo e valorização.
"Muitas companhias ainda estão preocupadas somente com a parte técnica ou a performance de um profissional e se esquecem de cuidar do emocional dele. Como falamos até aqui, existe um complexo de inferioridade que, a depender da abordagem, pode causar um gatilho emocional nas pessoas", ele adverte.
Por isso a importância tanto de síndicos como moradores valorizarem os profissionais e externalizarem apreço pelo serviço bem feito por aqueles que cuidam e zelam pelo seu lar, ou seja, pelo seu condomínio. Um condomínio bem cuidado, por colaboradores bem treinados e reconhecidos, contribui diretamente na qualidade de vida de toda comunidade.
Agora que você já sabe tudo sobre "Funcionários terceirizados: Relação com síndico e moradores", acesse esta matéria para saber como funciona a terceirização em condomínios.
Fontes consultadas: Décio Tenório (Grupo Souza Lima), Lígia Ramos (síndica profissional), Rodrigo Coelho (advogado).