Gestão de condomínios
Artigo contesta "promessas" das startups
O canto da sereia das startups de gestão de condomínios
Algumas novatas vendem serviços como se fossem novos, sendo que, na verdade, já são oferecidos pelas administradoras há muito tempo
Por Omar Anauate* e José Roberto Graiche Júnior**
Nenhuma empresa pode prescindir do uso de ferramentas digitais, e não é diferente no caso das administradoras de condomínios. Evoluindo simultaneamente à verticalização das cidades brasileiras a partir da década de 1960, o setor é altamente profissionalizado e integrado às novas tecnologias de gestão, pronto para atender às mais variadas demandas dos condomínios.
As administradoras acompanham tendências e já são responsáveis pela gestão de soluções de compartilhamento, inteligência artificial e internet das coisas.
Ocorre que as empresas passaram a conviver com uma concorrência irresponsável de algumas startups que vendem a promessa de administração 100% digital, mais rápida, mais barata e sem burocracia. Mas seria mesmo possível gerir com esse modelo estruturas cada vez mais complexas que, frequentemente, requerem consultoria e relacionamento próximo? Acreditamos que não.
Cabe esclarecer, inicialmente, que quase nada que as startups oferecem é novidade. Um exemplo: as administradoras já disponibilizam aplicativos de gestão de rotinas (recebimento de encomendas, cadastro de moradores, controle de acesso de visitantes e fornecedores e reserva para uso das áreas comuns), além do acesso online a documentos, atas de assembleias, boletos, consultas a cotas em atraso, certidões negativas, demonstrações financeiras e enquetes.
Cada condômino tem acesso, por esses apps, a uma prestação de contas completa, causando estranheza o argumento (antiético) usado pelas startups para acusar as gestoras tradicionais de falta de transparência.
Vale lembrar, nesse aspecto, que a administradora adota o modelo de gestão financeira escolhido pelos condôminos em assembleia. Assim, o dinheiro arrecadado pode ser gerenciado em uma conta do condomínio ou uma conta da administradora, sendo sempre aplicado em favor do condomínio.
Numa tentativa de se diferenciar do que o mercado já oferece, as startups também prometem prestar consultoria para o condomínio investir sobras de caixa em aplicações que não sejam a caderneta de poupança.
A questão é que, já há muito tempo, as administradoras apoiam seus clientes nesse sentido, sempre destacando que o investimento escolhido deve ser de baixo risco, de forma a preservar o patrimônio comum. Mais uma "novidade velha" das startups.
Aparentemente, para ganhar marketshare em um mercado tão consolidado e de difícil a prospecção de clientes, a intenção das startups é desconstruir o importante trabalho que as administradoras têm feito ao longo dos anos.
No mercado brasileiro, as gestoras contribuem para manter a saúde financeira dos condomínios, elaborando de maneira consciente e cuidadosa previsões orçamentárias a serem submetidas ao síndico e aos conselheiros; acompanham evolução de despesas e alertam sobre desalinhamentos para evitar déficits.
Não cabe desleixo na gestão financeira de um condomínio, e as administradoras têm plenas condições de cuidar para que não ocorram deslizes.
Mas as startups são, por princípio, ousadas: além de uma gestão 100% via app, garantem que a contratação de seus serviços permite uma redução drástica nos valores dos condomínios – algumas chegam a falar num corte de 50%, mas nenhuma relava o segredo da mágica.
Trata-se de uma falácia, especialmente em condomínios que têm quadro de funcionários completo. Nesses casos, 55% a 65% das despesas são destinadas ao custeio da equipe.
Para se ter uma ideia, a conta de água consome entre 9% e 10% da arrecadação e a de energia de 4% a 5% – assim, mesmo que se invista em conscientização, o efeito no todo é pequeno (e, de qualquer maneira, as administradoras e síndicos debatem constantemente o assunto nos condomínios).
Como contra números não há argumentos, startups que buscam um lugar ao sol recorreram em matérias e no seu discurso de vendas à vil acusação de corrupção, ensejando que as despesas condominiais são oneradas por contravenções. É triste e inaceitável.
É inegável que as tecnologias facilitam a vida das pessoas, mas no caso da administração de condomínios, há situações nas quais um modelo 100% digital é claramente insuficiente para suprir todas as demandas.
Como, por exemplo, uma gestão puramente virtual pode resolver os conflitos interpessoais tão comuns nos condomínios? A intermediação humana ainda é imprescindível nessa arbitragem, assim como para negociação de pontos que escapam ao padrão dos algoritmos dos controles automatizados.
Experiência e jogo de cintura para agir da melhor forma em cada novo episódio da vida em condomínio são um valioso patrimônio acumulado pelas administradoras ao longo de décadas.
Eventualmente, o fato de muitos condôminos desconhecerem a complexa dinâmica que está por trás da gestão de um condomínio – considerando recursos humanos, tecnologia, legislação, processos financeiros e ferramentas de arbitragem – pode deixá-los vulneráveis ao atraente discurso das startups, o famoso "canto da sereia".
E é essa a realidade que as administradoras querem esclarecer. Seus clientes devem ser informados dos esforços empreendidos para garantia de maior conveniência, modernização de processos e esmero no tratamento de questões tão diversas quanto obras, finanças, fornecedores, cobranças, orientação jurídica e relacionamento interpessoal.
Na prática, a narrativa de ganho de escala e de oferta de novos serviços digitais disseminada pelas startups tende a não priorizar quem de fato interessa: os condôminos.
O objetivo de muitas dessas empresas é se capitalizar e, por fim, vender o negócio a fundos de investimentos, buscando rentabilizá-lo às custas das informações e cadastros dos clientes e possibilidades de montar "marketplaces" e negócios atrelados ao principal.
Competição faz parte do jogo, mas às vezes as estratégias são questionáveis, uma vez que as administradoras permanecem alicerçadas na ética, na transparência e na seriedade para bem atender seus clientes.
(*) Omar Anauate é diretor de Condomínio da Associação das Administradoras de Bens Imóveis e Condomínios de São Paulo (AABIC) e José Roberto Graiche Júnior é presidente(**).
Assessoria de Imprensa - AABIC.