Prejuízo de milhões
SP: Construtora é investigada por aplicação de golpes
Cliente que não recebeu apartamento pede na Justiça bloqueio de construtora e descobre R$ 0,05 na conta
Engenheiro que ganhou ação contra a empresa conta que decisão é de julho de 2022. CRB é investigada pelo Grupo de Atuação Especial de Repressão ao Crime Organizado (Gaeco), do Ministério Público. Empresa disse que informações são passadas à Justiça.
Um dos clientes que compraram um imóvel de uma construtora em Sorocaba (SP) e que não receberam as chaves entrou na Justiça para desfazer o contrato e ganhou. Porém, ele foi surpreendido após o bloqueio de bens determinado pela Justiça encontrar apenas R$ 0,05 na conta da empresa, além de um veículo financiado.
O engenheiro Diogo Feijó Vieira está entre as centenas de clientes que adquiriram um imóvel da construtora CRB, investigada pelo Gaeco por suspeita de golpe em pelo menos cinco empreendimentos em Sorocaba. Há uma estimativa de que a situação atinja cerca de mil pessoas, com prejuízo acima de R$ 500 milhões.
“Comprei um apartamento na planta, em 2015. A torre África. Em 2021, entrei com um distrato via Justiça, porque a CRB não cumpriu o acordo, e, em julho de 2022, ganhei a causa no montante de R$ 160 mil”, explica Diogo.
O engenheiro conta que precisou de ajuda de parentes. “Íamos mudar para o apartamento quando pronto. Como não ficou, tivemos que vir para Itapetininga, morar em uma das casas do meu sogro”, explica.
“E foram dívidas acumuladas. Tive que vender um lote em um condomínio aqui para utilizar o valor do distrato. A palavra não é transtorno. É pesadelo sem fim”, argumenta.
Em julho de 2022, a empresa recebeu prazo da Justiça de três dias para devolver os valores. “A CRB simplesmente não pagou e quando buscamos os bens via CNPJ, verificamos que todos os valores estavam zerados”, diz.
Ele se refere a uma decisão da Justiça de outubro de 2022. Além de apenas R$ 0,05 nas contas, ainda havia um veículo com restrições já existentes, uma alienação fiduciária, que é um financiamento.
“Mês passado, tentamos um acordo para, pelo menos, ficarmos com o apartamento, mesmo que inacabado, e a resposta do advogado deles é que não existe acordo. É um alento saber que o Gaeco está no caso. Se não vamos ter o dinheiro de volta que pelo menos os responsáveis e a empresa seja punida”, completa.
O engenheiro calcula que, até agora, tem prejuízo estimado em R$ 200 mil.
A CRB afirmou que manifestações são prestadas diretamente à Justiça, "o qual é o foro competente para debates, manifestações e decisões". A empresa também informou que "mantém canal aberto com a advogada dos autores, mas que até o presente momento, infelizmente, não foi possível concluir uma negociação a contento de ambas as partes".
Investigação
O Grupo de Atuação Especial de Repressão ao Crime Organizado (Gaeco), do Ministério Público, está investigando o grupo econômico de Sorocaba após a demora e até abandono de empreendimentos imobiliários na cidade. O grupo é formado por empresas ligadas à CRB Construtora, responsável pelas obras. O Gaeco não deu mais detalhes sobre a investigação.
O g1 apurou que os empreendimentos Notting Hill, Brickell, Doc Campolim, Áureo Portal da Colina e Le Monde – ao menos três torres -, são os que apresentam atraso no cronograma de execução e entrega na região do Campolim, zona sul de Sorocaba. O Urban Haus, nas proximidades de Centro, também está na lista de problemas para quem adquiriu alguma unidade.
A empresa CRB informou que trabalha para a retomada das obras, suspensas por causa da "explosão de custos" no setor (confira a resposta completa da empresa abaixo).
O g1 conversou com alguns clientes que contaram que juntaram as economias por acreditar nos empreendimentos. Outras apostaram nos imóveis como investimentos, mas, até agora, só tiveram prejuízo.
Um dos compradores, que prefere não ter a identidade revelada, conta que estava passeando pelo Shopping Iguatemi, zona sul de Sorocaba, quando viu um stand sobre o empreendimento Brickell, que seria instalado dentro do complexo de lojas. O shopping é um dos vendedores do empreendimento.
Ele diz que em determinado momento foi pedido mais aporte para obra, que mal tinha começado. “A gente está contando que a CRB encontre alguma forma de resolver isso, com o [shopping] Iguatemi. O que a gente quer é o prédio pronto”, afirma.
“Foi um investimento que vem de um esforço entre eu e meu marido”, conta outra pessoa que se diz prejudicada com a situação. Ela e o marido compraram o empreendimento em 2022. A mulher explica que passava todos os dias pelo empreendimento e percebeu que o canteiro de obras não seguia a planilha de evolução do empreendimento. Foi aí que começaram as primeiras tratativas com a CRB.
Imóveis na planta
A advogada Luciane de Freitas, especialista na área imobiliária, atua no caso desde outubro do ano passado. Conforme ela, a maior surpresa dos compradores foi descobrir que todas as contas bancárias dos empreendimentos estavam zeradas.
“Foi o maior desespero deles. A gente tem desde empreendimentos de R$ 200 mil, R$ 300 mil até imóveis de R$ 1 milhão comprados na planta”, diz.
Ela também comenta que dois empreendimentos são os que apresentam os maiores problemas. Além do Brickell, o Urban Haus não saíram do papel.
Os dois empreendimentos ainda estão formando suas comissões para avaliar a situação de forma coletiva. Uma das falhas apontadas por ela está na falta de prestação de contas por parte da construtora. Para ela, as pessoas que pagaram à vista são as mais prejudicadas.
Sobre o possível esquema
A preocupação maior surgiu quando as Sociedades de Propósito Específico (SPEs), que são empresas criadas para administrar o dinheiro e garantir a execução das obras de cada empreendimento, estavam com as contas zeradas. As SPEs são criadas individualmente por empreendimento para assegurar que o dinheiro de uma obra não seja utilizado para outra finalidade, como por exemplo, na construção de outros imóveis.
O g1 apurou ainda que para ter acesso aos recursos dessas SPEs, o grupo empresarial, CRB, colocou-se como sócio e conseguiu movimentar o dinheiro. Com isso, o dinheiro teria deixado as contas específicas desses empreendimentos e se misturado no caixa principal da empresa.
Outra situação é que boletos de pagamentos firmados para uma Sociedade de Propósito Específico de um empreendimento utilizava o CNPJ da matriz da CRB, com o pagamento indo direto para a conta da construtora.
Há indícios de que várias empresas foram criadas em nome de familiares de Rober Eduardo Barros, proprietário da CRB, com a finalidade de beneficiar o grupo empresarial.
O que diz a CRB
Procurada pelo g1, a CRB informou que as obras foram suspensas pelo aumento dos custos e que está trabalhando para a retomada das obras. Confira abaixo a nota na íntegra.
“A CRB Construtora informa que está trabalhando diuturnamente junto as Comissões de Representantes de Adquirentes de cada empreendimento, a fim da retomada das obras e apresentação do cronograma revisado de entrega das mesmas.
As obras foram oportunamente suspensas, a fim de permitir a reorganização das mesmas, frente ao cenário de explosão de custos, tanto insumos quanto mão de obras, e o descolamento do custo efetivo da construção do índice oficial de reajuste (INCC), visando manter a tradicional qualidade do produto CRB. Inclusive, alguns empreendimentos já estão em seu ritmo normal de obras bem como alguns outros estão em estágio avançado para retomada. Acreditamos que nos próximos meses todas as obras estejam retomadas e /ou reprogramadas.
As Comissões de Representantes, prevista na Lei 4591/64, foram formadas através de assembleias convocadas pela CRB, para que os adquirentes tenham um canal direto com a empresa, na construção de soluções conjuntas para a reorganização das obras.
Todas as informações técnicas, financeiras e tributárias estão sendo prestadas diretamente a essas comissões, tais como valores investidos em obras, terreno, insumos, custos financeiros e afins, em virtude de obrigações e responsabilidades previstas em lei. A CRB permanece à disposição dos adquirentes para os esclarecimentos que se fizerem necessário.”
Posicionamento do Iguatemi Esplanada
A Iguatemi informou que, tanto a construção como a comercialização da torre residencial denominada Brickell Iguatemi, são de responsabilidade única e exclusiva da CRB Construtora.
"A Iguatemi informa que, tanto a construção como a comercialização da torre residencial denominada Brickell Iguatemi, são de responsabilidade única e exclusiva da CRB Construtora, não tendo qualquer envolvimento nessa gestão, inclusive em seu aspecto financeiro. A companhia reforça que também vem sofrendo prejuízos com as práticas da incorporadora, seja na qualidade de vendedora da propriedade destinada à incorporação, seja como adquirente de unidades a serem construídas.
A empresa está sensibilizada com essa situação e reafirma o seu máximo respeito aos adquirentes, estando à disposição da Comissão de Representantes para a adoção de outras medidas que se façam necessárias.”
Fonte: https://g1.globo.com/sp/sorocaba-jundiai/noticia/2023/02/10/bloqueio-judicial-construtora-sorocaba.ghtml