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Administração

Grilagem no RJ

Condomínios cariocas se apropriam de espaço público

terça-feira, 19 de janeiro de 2016
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Condomínios da Barra transformam espaço público em área de lazer privada

Avenida Prefeito Dulcídio Cardoso, que margeia o Canal de Marapendi, teve parte de seu território tomado por condomínio
 
Um provérbio francês nos ensina que “quanto mais as coisas mudam, mais permanecem iguais”. O ditado se encaixa como luva sobre um estranho fenômeno que se observa na Barra da Tijuca.
 
Dois condomínios, Vivendas e Vivendas Caça e Pesca, que têm como endereço a luxuosa Avenida Sernambetiba (ou Lúcio Costa) estenderam, na mão grande, seus domínios sobre um logradouro público, a Avenida Prefeito Dulcídio Cardoso, que margeia o Canal de Marapendi. Ali, construíram área de lazer privada, com quadras de esporte, churrasqueiras e estacionamento para o deleite dos afortunados condôminos e seus convidados vips. 
 
A Dulcídio Cardoso, também conhecida como Rua do Canal ou Via 2, foi concebida pelo urbanista Lúcio Costa para ser a principal via de escoamento da Barra, aliviando o trânsito pesado da orla nos horários de pico. Essa rua agradável, com conceito urbanístico de uma Via Parque, foi completamente implementada no seu lado ímpar (margem do lado da Avenida das Américas) e atende muito bem o seu objetivo. Entretanto, no lado par, o da praia, ainda existem essas construções obstruindo a via. 
 

Rua Interrompida

Nem é preciso ir ao local para constatar o absurdo. Imagem por satélite já mostra a aberração urbanística. Onde era para ter pista de rolamento pública existe área de lazer privada. Trecho de 112 metros da Dulcídio, entre a Rua Gastão Formenti e o Oásis Clube, simplesmente sumiu do mapa.
 
É uma situação, no mínimo, esdrúxula: automóvel, pedestre, carrinho de bebê ou ciclista que trafega pela Dulcídio Cardoso, no sentido Recreio, fica impedido de seguir porque os moradores do Vivendas (Avenida Sernambetiba 4.250) bloquearam a rua com telas e construíram quadra, churrasqueira e etc, em plena via pública. 
 
A alternativa é subir a Rua Gastão Formenti até a Avenida Sernambetiba. Pelo menos ainda há alternativa.
 
Quem caminha no sentido oposto da Dulcídio Cardoso não tem tanta sorte: dá de cara com um muro.
 
Transformaram uma via alternativa de escoamento ao tráfego pesado da Sernambetiba em rua sem saída. E a prefeitura nem se dá ao trabalho de colocar uma placa sinalizando aos motoristas incautos que aquela beleza de pista não levar a lugar algum.
 

Grilagem de luxo

Os supostos proprietários desse aglomerado de 72 casas, o Vivendas Caça e Pesca, cuja entrada é pela luxuosa Avenida Lúcio Costa 4.270, são os responsáveis pela construção do muro. O que torna a situação ainda mais surreal é o fato de que as casas desse conjunto foram erguidas em terreno invadido, tanto que os supostos proprietários não têm documentos que comprovam a posse, como o Registro Geral de Documentos. Em novembro de 2009, a 12ª Vara de Fazenda Pública determinou o despejo deles e a demolição dos imóveis. Mas uma liminar obtida às pressas suspendeu a operação.
 
Levantamento do arquiteto e pesquisador da UFRJ Lucas Faulhaber e da jornalista Lena Azevedo, que resultou no livro ‘SMH 2016: Remoções no Rio de Janeiro Olímpico’ (Mórula Editorial), mostra que entre 2009 e 2013 20 mil famílias (cerca de 60 mil pessoas) foram removidas de suas casas pela prefeitura em nome da mobilidade urbana, com vistas à Copa do Mundo 2014 e aos Jogos Olímpicos 2016.
 
Muitas moradias nem sequer estavam no traçado das ruas a serem abertas, mas mesmo assim foram colocadas abaixo. Na linguagem popular, a prefeitura passou o rodo geral. Em comum, a condição social das famílias removidas: todos pobres. Característica diversa dos condôminos da Barra, onde não há pobres.
 

Casa de Kátia D’Angelo foi demolida

Em junho de 2009, em operação midiática, a Secretaria de Ordem Pública da Prefeitura do Rio, à época comandada pelo ex-deputado federal Rodrigo Bethlem, demoliu várias construções irregulares à beira do Canal de Marapendi, entre as quais a casa da atriz Kátia D’Angelo.
 
Na ocasião, a prefeitura garantira que a demolição das áreas de lazer dos condomínios Vivendas, Vivendas Caça e Pesca e Barramares, que invadiram o espaço público, também iriam ao chão.
 
Entretanto, nada foi feito, e os invasores classe média alta continuam a usufruir as sua regalias, sem pagar um tostão por isso.
 
De acordo com o conselheiro do Condomínio Vivendas Caça e Pesca, Lázaro José Freitas Calvino, os próprios moradores têm interesse que a prefeitura derrube o muro e a área de lazer.
 
“Vai ser maravilha. Não teremos mais que pegar o trânsito da Avenida Sernambetiba”, afirmou ao DIA, por telefone.
 
Calvino disse que o condomínio, inclusive, assinou um Termo de Ajuste de Conduta com o Ministério Público, se comprometendo com a demolição. “O problema é que a prefeitura diz que não tem verba. Portanto, não há previsão para a obra.”
 
O conselheiro do Vivendas Caça e Pesca garantiu que o condomínio não está brigando na Justiça para manter o privilégio.
 
“Quem tem liminar é o condomínio do lado, o Vivendas. No que depender da gente, a rua pode ser liberada”.
 
O DIA procurou o Condomínio Vivendas. Por telefone, um funcionário do conjunto de casas informou que a síndica retornaria logo a ligação, o que não ocorreu.
 
A mesma situação se repetiu com a Subprefeitura da Barra da Tijuca e Jacarepaguá. A assessoria de comunicação disse que mandaria resposta por e-mail “em 10 minutos”. Isso foi há três dias e até agora nada.
 
 
Enquanto moradores dos condomínios Vivendas e Vivendas Caça e Pesca comem churrasquinho e batem uma bolinha no espaço que deveria ser público, milhares de pessoas que vivem na Barra da Tijuca são obrigadas a perder horas no trânsito embolado.
 
“Se a rua fosse aberta, nós, moradores, chegaríamos em um instante à Ponte Lúcio Costa. Mas somos obrigados a dar uma volta tremenda para chegar lá”, reclama o corretor Rodrigo Chamarelli, 36 anos, morador da Avenida Prefeito Dulcídio Cardoso.
Segundo ele, o trecho da via entre a Avenida Peregrino Júnior e o Clube Oásis fica praticamente deserto. “As pessoas nem frequentam por causa da obstrução. O que é lamentável, já que poderíamos contemplar a fauna e flora que ainda resistem no Canal de Marapendi”, lamenta.

Fonte: http://odia.ig.com.br/

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