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Jaques Bushatsky

Home office não pode causar surpresas a ninguém

Para autor, viver em casa (também no condomínio) inclui “trabalhar” – e isso não é novidade

09/04/21 02:03 - Atualizado há 3 anos
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Para autor, viver em casa (também no condomínio) inclui “trabalhar” – e isso não é novidade

Por Jaques Bushatsky*

Algumas discussões entram em moda, debate-se e, de repente nós nos perguntamos: será que o barulho todo tem sentido?

É o caso do home office, olhado e discutido como se fosse novidade trabalhar em casa. Não, não é.

Para ficarmos aqui pelo Brasil, vale a leitura do interessantíssimo “Famílias e Vida Doméstica”, escrito pela professora Leila Mezan Algranti sobre a época colonial: “uma única cobertura abrigava a casa, os quartos de hóspedes, a moenda e até o próprio engenho”.

Mais adiante: “...trabalho e lazer confundiam-se no dia a dia dos colonos, sobretudo dos senhores, que, enquanto administravam seus negócios e cuidavam do funcionamento da casa, dedicavam-se a outras atividades, algumas delas manuais."

É curioso que: “No interior dos sobrados maiores [...] várias atividades se desenvolviam, evitando o deslocamento de seus moradores” e “De qualquer forma, o trabalho permeou o cotidiano dos indivíduos e trouxe dinamismo ao interior dos domicílios, fosse ele dirigido para a subsistência e consumo dos moradores, fosse voltado para o mercado”.

Ou seja, ao menos desde o século XVI conhecemos e praticamos o trabalho em casa. Certamente ainda não se denominava home office.

Verdade que atualmente se experimentava o incremento dos trabalhos em domicílio, impulsionados pelas novas tecnologias, por projetos dos empregadores (públicos e privados), pelas necessidades profissionais, pelos problemas – que vão do trânsito caótico nas cidades a, mais recentemente, o lockdown devido à pandemia do coronavírus.

Realmente, o IBGE constatou que na Região Sudeste, de 2017 para 2018 (antes da pandemia) se passou de 1,4 milhão para 1,8 milhão de pessoas trabalhando em casa (exclusive os empregados domésticos). O Brasil seria o terceiro país do mundo onde mais cresce o home office.

Na realidade, ocorre desde sempre a prática de trabalhar em casa. Hoje em dia, um exercício crescente; em alguns momentos históricos, prática um tanto afastada. Ora, se sempre se fez, por que a grita?

Parece sensível que as discussões se devam razoavelmente à semântica e tenha faltado, isto sim, incluir a atividade ”trabalhar” nas definições usuais de “residir” ou de “morar”, que abrangem muito mais do que o local em que se descansa, come ou dorme.

Devemos, nós, abandonar o antigo significante e nos atentarmos ao efetivo significado: o que se faz, o que sempre se fez em casa é o que compõe a prática de “morar”, o que solucionaria inúmeros dissensos, diga-se.

Mas, o termo home office espantou e passou a frequentar os meios de comunicação! Visto que consiste em prática antiga e constante, vista a semântica, parece restar somente algum assombro pelo uso do anglicismo.

Não carecia, afinal, não é de hoje que a terminologia inglesa faz parte de nossa cultura, ou alguém compra sabão líquido para cabelos (shampoo), espera o portador do escritório (office boy) ou motorizado (motoboy), não sabe o que é delivery, outdoor, shopping center?

Enfim, convém atentar que viver em casa (também no condomínio, é lógico) inclui “trabalhar” – e isso não é novidade, como se lembrou.

E, simplesmente deixemos de arregalar os olhos com o palavreado, entendamos que isso tudo faz parte da nossa vida e, principalmente: nos organizemos para que essa atividade tão ancestral se coadune cada vez melhor com as demais: dormir, comer, brincar... trabalhar.

Óbvio, o artista bem compreendeu tudo isso muito antes que todos nós, daí o "Samba do Approach", de Zeca Baleiro: 

“Venha provar meu brunch/ Saiba que eu tenho approach/ Na hora do lunch/  Eu ando de ferryboat/ Eu tenho savoir-faire/ Meu temperamento é light/ Minha casa é hi-tech/ Toda hora rola um insight/ Já fui fã do Jethro Tull/ Hoje me amarro no Slash/ Minha vida agora é cool/ Meu passado é que foi trash (...)”.

Precisa mais?

(*) Jaques Bushatsky é advogado; pró-reitor da Universidade Secovi; sócio correspondente da ABAMI (Associação Brasileira dos Advogados do Mercado Imobiliário para S. Paulo); coordenador da Comissão de Locação do Ibradim e sócio da Advocacia Bushatsky.

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