Jovem aprendiz
É necessário salientar a não obrigatoriedade desse tipo de contratação em condomínios
Por Rodrigo Coelho (*)
Há pouco mais de dois anos, aproximadamente, um assunto surpreendeu os condomínios: a imposição, pelo Ministério do Trabalho e Emprego, da contratação de jovens aprendizes.
O descumprimento acarretaria notificações ou autuações, e até mesmo sanções financeiras.
No entendimento do Órgão Estatal, a necessidade da contratação de jovens aprendizes decorreria de mera literalidade da lei, independentemente da natureza ou característica do empregador, sustentando-o no artigo 429 da CLT, que assim dispõe:
"Art. 429. Os estabelecimentos de qualquer natureza são obrigados a empregar e matricular nos cursos dos Serviços Nacionais de Aprendizagem número de aprendizes equivalente a cinco por cento, no mínimo, e quinze por cento, no máximo, dos trabalhadores existentes em cada estabelecimento, cujas funções demandem formação profissional."
Percebe-se que, para o referido Órgão, a distinção ou mesmo o verdadeiro conceito do vocábulo “estabelecimento” não importaria, pois o estenderia a qualquer condição de empregador.
No entanto, esta não parece ser a interpretação mais adequada da razão da lei, em relação ao verdadeiro objetivo da contratação de jovens aprendizes, que é lhes conferir adequada formação profissional.
Inicialmente, urge destacar o que a lei entende sobre o vocábulo estabelecimento, de modo que, regulamentando as disposições do contrato de aprendizagem (Lei 10.0397/2000), foi editado o Decreto 5.598/05, que, no §2º do artigo 9º dispõe:
"Entende-se por estabelecimento todo complexo de bens organizado para o exercício de atividade econômica ou social do empregador, que se submeta ao regime da CLT."
Em complemento ao conceito de estabelecimento definido na própria norma legal, deve-se analisar o disposto no artigo 1.142 do Código Civil, de forma a demonstrar não existir qualquer divergência no trato da questão no ordenamento jurídico pátrio:
“Art. 1.142. Considera-se estabelecimento todo complexo de bens organizado, para exercício da empresa, por empresário, ou por sociedade empresária.”
Portanto, claramente, a previsão de obrigação da contratação de empregados em contratos de aprendizagem aplica-se unicamente aos empreendimentos nos quais haja uma finalidade econômica ou social, não sendo o caso, por certo, dos condomínios edilícios, sejam de unidades residenciais ou comerciais, nos quais, basicamente, realizam-se atividades profissionais de limpeza e portaria, que, obviamente, não prescindem de formação profissional.
Diante de tal fato, vê-se com clareza que o objetivo previsto na norma que dispõe sobre os contratos de aprendizagem não seria atingido em empregadores da natureza de condomínios, ante a inexistência de atividades econômicas ou sociais realizadas no local, que se destina unicamente à manutenção da coisa comum objeto da copropriedade inerente à figura jurídica correspondente.
Num espectro mais amplo, verifica-se que esta discussão vem sendo travada em diversas unidades da Federação, mas, ao que tudo indica, o Judiciário Trabalhista, instado a se posicionar em demandas ajuizadas inclusive por entes representativos, concluirá, em definitivo, pela não obrigatoriedade de contratação de jovens aprendizes por condomínios edilícios, tal qual se verifica na sentença proferida nos autos do mandado de segurança nº 0001178-10.2017.5.12.0040.
Vê-se que, nos autos da ação anulatória de auto de infração nº 0100225-48.2017.5.01.0432, a sentença entendeu da seguinte forma:
“(...) cito como exemplo um condomínio residencial, com meia dúzia de empregados ou pouco mais, como é justamente o caso dos autos. Zeladores, faxineiros e porteiros. Nenhuma dessas atividades demanda sequer um nível melhor de escolaridade, ao contrário. Os que atuam apenas na limpeza podem ser até mesmo analfabetos. Então o que aprenderá o aprendiz? Qual destes profissionais oferecerá ao jovem o nível prático necessário a formá-lo em algum "ofício" propriamente dito?”
E, igualmente, a 7ª Turma do Egrégio Tribunal Regional do Trabalho da 1ª Região (RJ), ratificando a sentença acima, ao julgar recurso ordinário da União Federal, assim ementou sua decisão:
JOVEM APRENDIZ. CONDOMÍNIO. NÃO OBRIGATORIEDADE DE CONTRATAÇÃO - O condomínio, como definido no art. 1.331 do CC, não constitui uma empresa ou sociedade empresária, mas apenas uma propriedade comum a um grupo de pessoas que, embora possa admitir empregados, não tem o objetivo de auferir lucro, mas tão somente conservar e manter suas áreas comuns a partir da arrecadação de cotas condominiais. Não se enquadrando, pois, na caracterização de estabelecimento (Decreto n° 5.598/2005), o condomínio não está obrigado a contratar aprendizes. Desprovimento do recurso da Ré.
Ademais, sobre o objeto de fundo da matéria em destaque, também a mais alta Corte Trabalhista assim se pronunciou:
PRESTAÇÃO JURISDICIONAL. Havendo manifestação acerca da matéria debatida nos autos, não há que se cogitar de nulidade por negativa de prestação jurisdicional.
2. CONTRATO DE APRENDIZAGEM. BASE DE CÁLCULO. CRITÉRIOS PARA A FIXAÇÃO DA'COTÂ DE APRENDIZES.
2.1. O critério para a fixação da base de cálculo para contratação de aprendizes, por estabelecimento empresarial, deve obedecer às disposições contidas no Decreto n° 5.598/2005, respeitados os termos da Classificação Brasileira de Ocupações, elaborada pelo Ministério do Trabalho e Emprego, atender os pressupostos estabelecidos nos arts. 428 e 429 da CLT.
2.2. No caso, o Regional incluiu na base de cálculo da cota as funções de motorista (Códigos 7823 e 7825), "motociclista, motofrentista e motoboy (Códigos 5191-10 e 5191-15); Auxiliar de Linha de Produção (Código 7842-05); Cozinheiro (Código 5132-05); Auxiliar de Cozinheiro (Código 5135-05); Jardineiro (Código 6220-10); Caseiro (Código 6220-05) e Auxiliar de Serviços Gerais (Código 5143-20)" e trabalhadores rurais, como colhedores, cortadores, plantadores e tombadores de cana-de-açúcar (Códigos 6231-10 e 6221-10).
2.3. Assim, todas as funções que demandem formação profissional, independentemente de serem proibidas para menores de dezoito anos, incluem-se na base de cálculo sob pesquisa, nos termos do art. 10, 11 2°, do Decreto nº 5.598/05.
2.4. Este entendimento somente pode ser excepcionado na hipótese de inexistência de curso profissionalizante relativo a determinada função. Óbice do art. 896, 11 7°, da CLT e da Súmula 333/TST. Agravo de instrumento conhecido e desprovido.
(AIRR - 1134-86.2015.5.06.0182 , Relator Ministro: Alberto Luiz Bresciani de Fontan Pereira, Data de Julgamento: 24/05/2017, 3ª Turma, Data de Publicação: DEH 02/06/2017).
Destaca-se que o Secovi Rio, dentre as entidades representativas da classe econômica, também se movimentou judicialmente, no mandado de segurança nº 0100626-89.2018.5.01.0051, no qual, além de obter sentença procedente, também garantiu sua manutenção no TRT/1ª Região, que negou provimento ao recurso da União, em decisão assim ementada:
“CONDOMÍNIO - NÃO OBRIGATORIEDADE DE CONTRATAÇÃO DE APRENDIZES – A admissão de empregados por parte de condomínios se dá para os estritos fins de manutenção da propriedade comum, não se inserindo no conceito de ‘estabelecimento’ a que se refere o artigo 429 da Consolidação das Leis do Trabalho.”
Desta forma, em que pese a conduta do Ministério do Trabalho e Emprego aparentemente siga no sentido de exigir efetivo cumprimento da lei, entendemos que não se aplicaria aos condomínios edilícios, que não são obrigados a seguir a obrigação legal de contratação de jovens aprendizes, por não se enquadrarem no conceito legal de estabelecimento, nem realizarem atividades econômicas ou sociais, destinando-se unicamente à manutenção da coisa comum, conforme acima fundamentado.
(*) Dr. Rodrigo Coelho é advogado, sócio-titular e coordenador do setor trabalhista do Coelho, Junqueira e Roque Advogados. Há mais 14 anos de experiência na área trabalhista, também presta assessoria para mais de 2 mil condomínios no Rio de Janeiro.