Saiba até onde vai o limite para alterar fachada de prédio
Se convenientes, necessárias ou úteis, pequenas modificações no condomínio precisam ser toleradas, afinal, "nada é imutável", diz Jaques Bushatsky
Por Jaques Bushatsky*
Enquanto existirem prédios e condôminos, existirão brigas sobre a alteração das fachadas. Ou não: será que um dia prevalecerá a paz e imperará o bom senso? Quanto ao Judiciário, penso que tem feito a sua parte, mas nós, condôminos, também deveremos fazer a nossa.
Pois bem. Os prédios vão envelhecendo e a cada ano fica mais complicado encontrar os mesmos materiais em caso de reforma e quando são achados, têm custo altíssimo e preços de museu.
Evidentemente, ao serem aplicados ficam dissonantes das partes originais do edifício. Por isso alguns especialistas cobram tão caro para deixarem fachadas uniformes ou mesmo rejeitam a tarefa – com transparência: somente a assumem após detida avaliação.
Trago uma situação. Há algumas décadas, a cidade de São Paulo foi tomada por prédios com estilo “mediterrâneo” e “coloniais”. Imagine a dificuldade dos moradores em manter tudo igual?
Eles têm a opção de assumir um estilo “vintage” ou alcançar o quórum qualificado, além de ter que acumular um montante alto para a atualização do aspecto visual da fachada.
Desenvolvimento da vida moderna inova visual e usos dos condomínios
Em outros casos, o que evoluiu de uns tempos pra cá mais que o aspecto foi a qualidade técnica: novas lâmpadas e luminárias de led, acabamentos, proteções contra a luz intensa do sol, vedações acústicas e térmicas, etc.
Também mudam às vezes as condições locais, agora são:
- Inseguros (como a “Cracolândia”), demandando investimentos com segurança;
- Barulhentos, exigindo proteções sonoras nas janelas;
- Movimentados, impondo acesso de veículos ao prédio;
- Poluídos, sendo necessário envidraçar a sacada, por exemplo, e assim por diante.
Também percebemos que alguns locais mudaram os costumes das pessoas, como:
- Preferir cozinhar em sacadas ao invés de frequentar tantos restaurantes;
- Instalar telões às vezes visíveis da rua, em substituição às idas ao cinema;
- Ter – e precisar guardar – bicicletas, patins – até na sacada, o que exige instalações visíveis da rua;
- Usar proteções de luz em vidros.
Enfim, em um passeio a qualquer loja de produtos de construção será possível ver uma quantidade enorme de utilidades e novidades que podem melhorar a vida em casa.
Ora, estariam os condôminos condenados ao afastamento de todas as utilidades, como aqueles que compraram apartamentos em prédios “coloniais” e viverão com o visual de 1600 enquanto não houver quórum para mudança? Penso que não.
Os costumes conduzem a vida das pessoas e são legalmente contemplados (lembremos do prestígio que o Código Civil dá aos “usos do lugar”). Evidentemente, os costumes de hoje são diferentes dos de vinte anos atrás, e devem, por igual, ser respeitados.
E a evolução dos usos e necessidades nos leva a indagar:
- Qual a utilidade do imóvel?
- O que os demais condôminos ganhariam ao proibirem ligeiras e razoáveis alterações da parte visível da unidade vizinha?
- O que esta unidade perderia (em atualização, conforto, uso, conveniência) com a proibição?
Jurisprudências sobre alteração de fachada de condomínio estão flexíveis
Se disse que o Judiciário já está enxergando essas necessárias mudanças, e se distanciando do apego pertinaz à fachada original. Vejamos, para exemplificar, alguns casos referentes à parte visível de fora do apartamento.
O Tribunal de Justiça de São Paulo, julgando em 2.017 a apelação nº 1068218-06.2013.8.26.0100, admitiu a substituição, na varanda, do “teto de madeira por teto de gesso”, concluindo, naquele caso, o “teto que se constitui área de propriedade exclusiva da condômina, de pouca visibilidade”.
E que, diante dessa reduzida visibilidade, se teve o “conjunto arquitetônico preservado”. Indiscutível: uma análise da aparência realizada com lupa identificaria alterações. Mas, pelo jeito, elas eram razoáveis, pouco danosas ao conjunto visual.
Em outra situação, tratando de reforma na sacada, o mesmo Tribunal entendeu que a “retirada de porta divisória no terraço, mudança da parede interna e nivelamento do piso da sacada” consistiu verdadeiramente “alteração efetuada na área interna da unidade que não importou prejuízo à harmonia arquitetônica e estética da edificação” (Apelação Cível 0015398-46.2012.8.26.0008).
Para o Tribunal de Justiça de Santa Catarina:
“Aos legítimos proprietários das unidades autônomas, também é assegurada a possibilidade de implementar benfeitorias e obras que, sem colocar em risco a estrutura original da edificação ou a sua harmonia, viabilizem a melhor utilização do bem pelo seu titular”.
"O desfazimento de alteração capaz de comprometer a fachada de prédio em condomínio somente se justifica quando a parte alterada venha a destoar do conjunto, comprometendo sua harmonia e uniformidade. Inocorrência." (AC: 00104425020128240005). Privilégio à melhor utilização, admitindo obras razoáveis que não ponham a estrutura em risco, portanto.
A retratar a evolução dessa lógica pelo país, vejamos o entendimento do Tribunal de Justiça de Minas Gerais, focando a necessidade da alteração, mas de uma porta:
“A alteração efetuada em área interna do condomínio, com a substituição da porta original por outra em padrão diferente das demais unidades, não enseja alteração de fachada e tampouco prejuízo ao padrão estético e arquitetônico do edifício. As alterações proibidas pela lei e convenção são aquelas que implicam em prejuízo à coletividade de condôminos, tais como as que causem depreciação ao bem comum ou comprometa a segurança, devendo sempre ser analisadas dentro de um juízo de razoabilidade. Hipótese em que a pequena alteração não ensejou qualquer prejuízo aos demais condôminos, e alterações similares foram toleradas ao longo dos anos em outras unidades, sendo imperioso o tratamento igualitário dos condôminos."(Apelação Cível n. 1. 1.0024.08.285836-6/001).
Ou seja, o julgador averiguou se a alteração decorreria depreciação ou comprometimento do bem comum. Concluindo ser inexistente o prejuízo aos demais condôminos, autorizou a modificação.
Um alerta: cada um dos julgados apreciou situação concreta. Poderemos ter situações símiles, poderemos usar a lógica dessas decisões, mas jurisprudência não é igual a gabarito de prova, dificilmente haverá situação absolutamente idêntica.
Mas, é inequívoco: nesses exemplos, se compreendeu ora a necessidade de alterar, ora a conveniência por uma ou outra razão. Denominador comum dos julgados foi, sem sombra de dúvida:
- Privilégio da razoabilidade;
- Atenção às necessidades e interesses modernos;
- Aferição da inexistência de prejuízo significativo aos demais.
Certos de que “não há fatos eternos, como não há verdades absolutas”, na lição de Friedrich Nietzche (1844-1900), por evidente, não haverá prédio imutável.
Para refletir
Visite as Pirâmides do Egito e em momento algum você achará que os faraós tinham lustres elétricos ou usavam pranchas metálicas. Hoje elas estão lá, porque foi razoável instalá-las, notadamente diante do uso que é dado atualmente àqueles monumentos.
Assim, se conveniente ou necessária, se útil, a pequena alteração poderá ser admitida quando confrontados os seus pressupostos e benefícios com o apego à originalidade da construção – nada é imutável.
Sim, sejamos razoáveis, a partir do direito de usarmos as coisas com plenitude e de modo satisfatório, sem danos a terceiros, leiamos as regras. Ou, em síntese, que possamos entender as regras como, sabemos, é de direito: conforme é preciso entendê-las, hoje, e não no passado.
(*) Jaques Bushatsky é advogado; pró-reitor da UniSecovi; integrante do Conselho Jurídico da Presidência do Secovi-SP; sócio correspondente da ABAMI (Associação Brasileira dos Advogados do Mercado Imobiliário para S. Paulo); coordenador da Comissão de Locação e Compartilhamento de Espaços do Ibradim e sócio da Advocacia Bushatsky.