Locação de temporada e plataformas x proibição em condomínio
Advogada analisa caso concreto de condomínio de Porto Alegre que obteve decisão favorável do STJ para proibir locação por caracterizar hospedagem
Por Morgana Schoenau da Silva **
A 4ª Turma do Superior Tribunal de Justiça (STJ) decidiu, em 20/04/21, na análise de caso específico (RESP 1.819.075), que condomínio pode vedar a locação do tipo "hospedagem" pela plataforma Airbnb, divergindo do voto do relator.
Ou seja, quando ocorrer hospedagem remunerada, com múltipla e concomitante locação de imóveis ou quartos por curto tempo e em contrato não regulado por legislação, já que, dessa forma, não são considerados residenciais.
Inúmeros veículos midiáticos, com manchetes sensacionalistas, alegam que o STJ decidiu favorável ao condomínio proibir locação pelo aplicativo Airbnb, pois retira o caráter residencial.
Análise do caso concreto
Na realidade, o condomínio localizado em Porto Alegre, ajuizou uma obrigação de fazer contra proprietários de três unidades que acomodavam em torno de quatro pessoas diferentes, sem vínculo entre si, mediante o pagamento de aluguel por cada uma.
A prática caracteriza serviço de hospedagem e contraria a Convenção Condominial, dada a alteração da destinação residencial do edifício para comercial.
A proprietária de um dos apartamentos, inclusive, alterou o layout do imóvel, aumentando o número de quartos de três para cinco, pois dividiu a sala em mais dois quartos.
Desta forma, moravam cinco pessoas no mesmo imóvel, uma em cada quarto, sem nenhum vínculo entre si. Além da locação, a proprietária agregou serviços de internet e lavagem de roupas.
O ilustríssimo magistrado do caso, ao sentenciar, entendeu que o negócio jurídico proposto pela proprietária a terceiros não se amolda à locação residencial (art. 47 da Lei de Locações) ou mesmo à locação por temporada (art. 48 e seguintes).
A um, porque esta última estabelece prazo máximo de 90 dias; a dois, porque o oferecimento de serviços não está incluído no rol de direitos e deveres de locador e locatário (arts. 22 a 26 da Lei 8.245/91). Nesse passo, entendeu que a relação jurídica analisada é atípica, assemelhando-se ao contrato de hospedagem.
Diferentemente da locação, destaca-se que a hospedagem pressupõe serviços, conforme se caracterizou no caso concreto e, portanto, desvirtuou a finalidade do condomínio, que é exclusivamente residencial.
Impende dizer também que o negócio jurídico de hospedagem reflete na seara administrativa e tributária e, por tais motivos, também implica em caracterização comercial.
Destaca-se que nos argumentos apresentados na sentença, o Magistrado registrou inexistir óbice à locação dos imóveis dado o exercício do direito de propriedade. O que não pode ser admitido, em face da expressa disposição da Convenção Condominial, é a alteração do contrato típico de locação disciplinada pela Lei 8.245/91, dentro dos parâmetros ali estabelecidos.
Diante disso, a sentença foi procedente ao condomínio, para abstenção dos proprietários em exercer a atividade de alojamento e/ou hospedagem nas unidades, mediante locação de quartos e prestação de serviços, sem prejuízo da locação das mesmas unidades para fins residenciais e nos moldes da legislação pertinente.
E o que o Airbnb tem a ver com tudo isso?
A proprietária utilizava a plataforma para anunciar a locação dos espaços compartilhados em sua propriedade, ou seja, era o Airbnb que fazia o vínculo entre anfitrião e "hóspede".
STJ - Convenção de Condomínio X Direito de Propriedade
Durante o julgamento, os ministros ressaltaram que o caso não proíbe a oferta e uso de serviços por plataformas como o Airbnb, ou mesmo que, por meio dele, sejam fechados aluguéis por temporada. O incômodo do condomínio foi exatamente o oposto disso: a alta rotatividade de hóspedes.
“Realmente, não se trata de uma destinação meramente residencial. Foge, portanto, ao permitido na convenção de condomínio, a qual estão vinculados todos os condôminos”, disse a ministra Isabel Gallotti.
O ponto principal é: não é possível a proibição absoluta da cessão do imóvel sob o argumento do desvirtuamento da finalidade residencial do prédio. A destinação econômica do apartamento não se confunde com atividade comercial.
A locação por temporada é prevista em lei, seja por aplicativo ou não, e a proibição integral pode gerar uma demanda judicial ao condomínio.
Condomínio pode proibir que o proprietário pratique locação por temporada?
Importante destacar o que a lei entende por locação por temporada. E para isto é preciso observar o art. 48 da Lei 8.245/91: Art. 48. Considera-se locação para temporada aquela destinada à residência temporária do locatário, para prática de lazer, realização de cursos, tratamento de saúde, feitura de obras em seu imóvel, e outros fatos que decorrem tão-somente de determinado tempo, e contratada por prazo não superior a noventa dias, esteja ou não mobiliado o imóvel.
A locação por temporada é aquela de até 90 (noventa) dias e sem prazo mínimo. Portanto, em que pese o condomínio possuir áreas comuns, que devem se sujeitar a regras da coletividade de moradores, os apartamentos ou casas, áreas estas consideradas privativas, sujeitam-se ao direito de propriedade de cada proprietário, que pode locar a unidade na sua totalidade.
Em geral, o argumento referente à proibição da locação por temporada é a questão da segurança. Só que a proibição simples da locação por temporada nos condomínios, de forma geral, é vedada.
Por isso, é extremamente necessária a regulamentação desta prática nas convenções e regimentos internos dos condomínios, com regras claras e rígidas sobre a questão. Assim, o proprietário não teria seu direito de propriedade maculado e o condomínio poderia evitar futuros conflitos com os condôminos.
Importante observar, ainda, que a partir do momento que o condomínio estabelece tais regras, é preciso que o proprietário, ao anunciar seu imóvel em imobiliárias, sites e aplicativos de locação, deixe bem claro as regras aplicáveis no condomínio.
Com a recente decisão do STJ, passamos a ter um precedente para casos análogos (não é uma decisão em recurso repetitivo para todos os casos que tratam do mesmo assunto - locação - temporada - Airbnb, nem tem validade "erga omnes").
Ou seja, vale como precedente para casos semelhantes, onde a unidade é utilizada de forma desvirtuada da destinação residencial, ou seja, alojamento/hospedagem com locação de cômodos/quartos a vários inquilinos e com oferta de serviços, sendo evidente não se tratar do contrato típico de locação de temporada previsto em lei federal.
Lembrando que a generalização e a divulgação de manchetes polêmicas - sem a devida e minuciosa explanação do caso, nunca é saudáve.
O direito não é uma ciência exata. E, inclusive, cabe citar que na própria Lei de Locação, existem diversas formas e modalidades de se operar o instituto, tem sido operacionalizada por empresas e plataformas digitais e, nem por isso, se enquadram em atividade comercial ou desvirtuam a finalidade prevista numa convenção condominial.
Posso proibir no meu condomínio a locação por temporada e locações por plataformas digitais?
Não, não pode! Sob pena de ferir o direito de propriedade do condômino, até porque o síndico não é xerife! Mas o condomínio pode e deve regulamentar as locações nas suas diversas modalidades previstas em lei, alterando suas normas internas – especialmente a Convenção do Condomínio, por se tratar de matéria de propriedade.
É possível regulamentar os tipos de locações que serão permitidas e desenhar o que não será permitido. Assim como criar regras operacionais (Regulamento Interno) que estabeleçam maior segurança jurídica para todos os envolvidos na relação condominial.
*Até a presente data o acórdão do julgamento ainda não havia sido publicado.
(*) Morgana Schoenau Da Silva - Advogada atuante em Direito Condominial. Palestrante. Influenciadora Digital - Participante do projeto @Condomínio7mulheres – e representante do escritório Stankievicz, Ponciano & Rachkorsky Advogados Associados, localizado em Balneário Camboriú - com atuação extrajudicial no Brasil (http://sprjuridica.com.br).