Locação de temporada em condomínios, pandemia e final de ano
Com a aproximação dos feriados de final de ano e do recesso escolar, há previsão de aumento da demanda por esse tipo de serviço. E agora: Proibir ou criar regras rígidas?
Iniciamos esse texto lembrando aos leitores que, em maio de 2020, no auge da quarentena e no momento de maior rigidez em relação às restrições impostas pelo Decreto Estadual (São Paulo) nº 64.881/2020 e de forma análogo por todos os Estados da federação, tratamos do tema, sempre controverso no âmbito condominial: a locação/hospedagem por meio de plataformas digitais.
Passado o susto e as ponderações contextualizadas pela singularidade do momento, o auge das medidas restritivas por força da pandemia COVID-19, vale nesse momento revisitarmos a questão, que é sensível e atinge síndicos, condôminos e usuários das referidas plataformas.
Estamos vivenciando anseios conflitantes face a pandemia e experimentadas cotidianamente no universo condominial, senão vejamos:
Por conta do necessário isolamento social, muitos querem retomar suas atividades rotineiras, observando necessidades econômicas, de saúde, socialização, dentre outros, e nos condomínios é perceptível o anseio pelo uso das áreas e pelo exercício pleno do direito de propriedade.
Muitos síndicos são pressionados para que se permita o uso pleno das áreas de lazer, por exemplo, e grande parte dos condomínios, principalmente os residenciais, vem promovendo a flexibilização das medidas restritivas, permitindo o uso de tais espaços, naturalmente se observa que a pretensa “normalidade” se estende aos condôminos que disponibilizam suas unidades para locação por meio de plataformas digitais.
Nesse mesmo sentido se observa o crescimento na procura por tal modelo de locação nesse período de pandemia, considerando a possibilidade de conjugar trabalho à distância com eventual hospedagem, de forma a ampliar conforto de quem necessita isolar-se por força da pandemia.
Com a aproximação dos feriados de final de ano e do recesso escolar, há previsão de aumento da demanda por esse tipo de serviço, adicionando-se a impossibilidade de viagens aos exterior, logo, muitos condomínios, especialmente os “resorts/clube”, provavelmente receberão os “hóspedes” oriundos desse tipo de locação.
No âmbito jurídico condominial, já não se discute se pode ou não proibir, pois nossos Tribunais Superiores, já se manifestaram favoráveis a esse tipo de locação, adicionando que o uso de plataformas digitais para contratação de serviços é realidade que veio para ficar.
Também consolidou-se a premissa do direito de propriedade em favor do locador, cabendo aos condomínios adotarem medidas regulamentares para controlarem esse tipo de locação e prover a segurança dos demais moradores.
Mas fica a dúvida, e enquanto perdurar a pandemia, como tratar a questão?
Citamos em maio decisões judiciais, que proibiam a locação nesse modelo, considerando a circulação de pessoas, o dever do síndico para proteger a massa condominial, e as diretrizes governamentais para prevenir o contágio pela COVID-19. O Poder Judiciário de forma uníssona, entendeu por bem convalidar as medidas restritivas adotadas pelos condomínios.
Contudo, as diretrizes governamentais foram se flexibilizando, de forma que os condomínios, por decisão dos síndicos validada pelos condôminos, como pode se observar no dia a dia, acabaram por internalizar a referida flexibilização, incluindo a possibilidade de retomada da locação por temporada.
Os condomínios mais conservadores tem sofrido questionamentos, inclusive na esfera judicial, conforme citamos:
Ementa: AGRAVO DE INSTRUMENTO. Cumprimento provisório de multa cominatória fixada em decisão liminar da ação principal. Tutela de urgência confirmada por sentença. Descumprimento comprovado. Suspensão, por comunicado interno, da hospedagem de curta temporada, a despeito da ordem judicial para que fosse autorizada a locação do bem, sob pena de multa. Fundamento para a medida adotada (pandemia de Covid-19) que descaracteriza a inobservância da ordem judicial. Autorização, pelo Juízo a quo, que foi genérica, sem atribuir relevância ao motivo da proibição. Síndica do condomínio que agiu sem cautela, pois desamparada de decisão assemblear e sem lastro em determinação judicial, seja neste processo ou em qualquer ação autônoma. Contratos de locação que não precisavam ser juntados, tendo em vista que não vieram a ser celebrados. Recomendação de isolamento social pelo Poder Público que não se confunde com proibição de uso lucrativo de bens imóveis. Rejeição da impugnação de rigor. Recurso desprovido (TJ/SP Agravo de Instrumento 2184834-12.2020.8.26.0000 Relator(a): Milton Carvalho -Órgão julgador: 36ª Câmara de Direito Privado Data do julgamento: 27/08/2020).
Tal e qual mencionado no texto publicado em maio de 2020, entendemos que o síndico nesse momento, é “juiz” da causa (ou dos problemas!) e sob esse aspecto ele deve considerar a seguridade da massa condominial e os interesses acessórios em relação a propriedade.
É correto afirmar que o síndico deve nortear suas ações pelas premissas governamentais e dos órgãos ligados à saúde pública, equilibrando com a oitiva das necessidades dos condôminos, possibilitando o fomento de negócios/locação, que são muito importantes estimulando o condômino/locador, que por meio de sua locação mantenha em dia o pagamento das cotas condominiais.
Porém, a saúde e a vida são inegociáveis, e em tempos de pandemia, o sindico pode avançar e retroceder em relação às medidas restritivas face ao uso das áreas comuns e transito de pessoas no empreendimento.
O locatário por sua vez, incluindo aquele que aluga de forma transitória ou por temporada, terá que aderir a tais condições, que podem inclusive se enrijecerem por força da pandemia, e assumirem o risco de usufruírem parcialmente do contrato firmado ou a cancelamento. O que é preventivamente previsto em tais plataformas de locação, adaptando tal condição pós pandemia.
É inegável que ainda estamos em situação de risco e toda e qualquer aglomeração deve ser evitada, e o síndico municiado pelo seu dever/direito inserto no artigo 1348 do Código Civil, deve fazer uso de suas prerrogativas, tomando decisões preferencialmente colegiadas, ou seja com aval do corpo diretivo, para proteger a massa condominial e os colaboradores que estão sob seus cuidados.
Dessa forma entendemos que é inevitável a locação pelas plataformas digitais e que virão em grande volume nos feriados natalinos e no mês de janeiro, porém, não se pode perder de vista, que a COVID-19 ainda nos assombra e que a pandemia nos trouxe uma grande lição. Em nome dos nossos bens maiores (saúde e vida), acomodamos hábitos e desejos; e adiamos sonhos.
Nesse verão o bom e velho biquíni será substituído pela mascará de proteção – Fiquemos em casa!
(*) Diego Gomes Basse (OAB/SP 252.527) é palestrante e sócio titular da Banca de Advogados Gonçalves, Basse & Benetti Advogados (escritório associado à AABIC e ao SECOVI/SP.). É também consultor e advogado especialista em Direito Condominial; militante na área há mais de 15 anos. Basse é ainda presidente da Comissão de Direito Condominial da Subseção da OAB /SP da Comarca de Barueri; e consultor e colaborador do Instituto Cacau Show.