Médico hostilizado
Otorrino contraiu o vírus e relata discriminação de vizinhos
Médico se recupera do coronavírus em SP, mas relata hostilidade dos vizinhos durante isolamento
Jonatas Villa, de 26 anos, é otorrino e enfrentou a quarentena sozinho em um apartamento da Vila Clementino, na Zona Sul, onde recebia ligações anônimas pelo interfone, pedindo para que ele deixasse o prédio para não infectar outros moradores
Acostumado a aplausos desse período de luta contra o avanço do coronavírus em São Paulo, o otorrino Jonatas Villa, de 26 anos, viveu no início de abril uma situação incomum para maioria dos profissionais de saúde que estão na linha de frente do combate à doença na cidade.
O médico contraiu o coronavírus no trabalho, em final de março, e teve que se colocar em isolamento no apartamento onde vive sozinho, na Vila Clementino, Zona Sul de São Paulo. Mas ao invés de receber a solidariedade dos vizinhos, ele começou a receber ligações intimidatórias e ameaçadoras pelo interfone.
“Quando soube que estava com a doença, procurei o síndico do prédio para avisar sobre o meu quadro e pedir apoio para que os porteiros recebessem as minhas compras e deixassem na minha porta, para que eu não precisasse usar o elevador e as áreas comuns do edifício. Ele colocou um comunicado no elevador alertando os demais sobre um morador que tinha sido positivado e, dois ou três dias depois, as ligações anônimas pelo interfone começaram no meu apartamento”, conta Villa.
Segundo o médico, os vizinhos não ligavam para prestar solidariedade, mas para fazer críticas contra ele e pedir que o rapaz se mudasse do edifício para não contaminar os demais moradores.
“Eu fiquei chocado, porque foi no período em que eu estava mais debilitado. Sentia muitas dores pelo corpo, perdi o olfato, mas tinha que ficar argumentando no interfone sobre a falta de conhecimento das pessoas a respeito da doença”, lembra o médico.
Apesar de não ter tido complicações sérias de saúde em virtude do coronavírus, o médico paulista disse que viveu tempos de pesadelo durante os 16 dias em que ficou isolado em casa, esperando o ciclo completo da doença.
“Foram momentos de terror, porque eu pensava que, se meu quadro piorasse e eu precisasse sair de casa, corria o risco de encontrar alguém nos corredores ou na garagem que iria me hostilizar ou me agredir. Eu não tinha ninguém para me ajudar, já que a minha família vive em Americana e a minha namorada também é médica e não podia correr o risco de se infectar comigo e ter que desfalcar o plantão num período tão difícil para todo mundo. Tive que enfrentar os dias de isolamento sozinho, temendo pela minha saúde, sem ajuda de ninguém”, lembra Jonatas.
Recuperação
Apesar do susto, o médico já está bem e voltou à linha de frente, atendendo pacientes com síndrome respiratória grave no hospital Santa Paula, na Zona Sul de São Paulo.
Ele não precisou de ajudar de respiradores, mas afirma que teve dores fortes durante vários dias, perdendo o olfato e o paladar em vários momentos.
“No início eu achei que era dengue, por causa das dores tão fortes pelo corpo. A sorte é que o hospital onde trabalho está lidando com muita competência em relação a isso. Eles me afastaram no primeiro dia que comecei com as reações e já fizeram os testes para coronavírus. Os médicos que trabalham comigo me acompanharam durante todo o período por telefone ou pela internet e todos ficaram chocados quando falava sobre as ligações anônimas que recebia”, relata Villa.
Passado o susto, o médico diz que não guarda mágoa dos vizinhos e afirma que, no fundo, a hostilidade era fruto do desconhecimento das pessoas sobre a doença e do medo delas nesse período difícil.
“Pela voz eu percebi que uma das pessoas era uma senhora mais velha. Tentei explicar pra ela que o coronavírus pode ser controlado com cuidados de higiene, uso de material de proteção, máscara, enfim. Muita gente está apavorada e não dá para condenar. Apesar das hostilidades, os porteiros foram muito parceiros e pessoas incríveis. Nós estabelecemos um código para eu não precisar atender o interfone. Se chegasse alguma comida ou remédio, eles ligavam e tocavam duas vezes, desligando o interfone. Eu retornava em seguida e eles subiam com as compras”, conta o médico.
Feliz com a volta ao trabalho no pronto-socorro, Jonatas Villa afirma que o momento é de solidariedade ampla com todas as pessoas, sem medos exagerados.
“A gente sabe que o momento é difícil. Mas é agora que a gente precisa mostrar solidariedade real às pessoas. No meu prédio, é comum baterem palmas para os profissionais de saúde nessas campanhas promovidas pela internet. Na hora que precisei, contudo, não tive essa solidariedade, que precisa ser genuína. Não sei se os meus vizinhos sabiam que eu sou médico, mas independentemente disso, é preciso ter solidariedade com todo mundo. Sem se recolher em casa e sem se colocar no lugar do outro, a gente não vai aprender nada com essa pandemia”, desabafa.
Fonte: https://g1.globo.com/