Quero ser o primeiro síndico do meu condomínio
Colunista reflete sobre prós e contras de um morador ser o primeiro síndico do condomínio que está em processo de implantação, fase que exige muita experiência
O imóvel comprado na planta está perto de ser entregue e além das preocupações com o financiamento do imóvel, as despesas para decorar, mobiliar e fazer mudança, surge um inexplicável desejo em determinados clientes: o de ser o primeiro síndico do condomínio.
Talvez este cliente não saiba o enorme desafio que é assumir o cargo ou acredite que sua experiência como conselheiro num outro condomínio, sua atividade profissional ligada à Administração, Direito e Engenharia, por exemplo, ou a sua simples disposição de colaborar sejam suficientes para enfrentar (e superar bem) o período mais importante do condomínio.
Novos tempos: indicação de síndico profissional e administradora pela incorporadora
O primeiro ponto a se levar em consideração é que, no passado, os empreendimentos imobiliários não eram tão complexos e não havia a figura do síndico profissional. Entre os síndicos, boa parte era formada por senhores sisudos de meia idade ou já aposentados.
Os tempos mudaram. Hoje, sob o argumento de preservação do conceito do empreendimento, tradicionalmente, a maioria das incorporadoras indica o primeiro síndico profissional e a primeira administradora do condomínio, ou seleciona algumas empresas para que os clientes façam a sua escolha.
Isso não impede que algum proprietário de uma unidade manifeste sua intenção de participar do processo e tente se eleger síndico na fase inicial do condomínio, mas torna mais difícil disputar e vencer uma eleição, em que aqueles que chegam a se apresentar na assembleia por vezes não conseguem conquistar muitos clientes, que podem achar o síndico profissional mais preparado para essa fase.
Para os interessados, aqui vão algumas reflexões sobre os desafios que cercam o primeiro ciclo de um condomínio sob o comando de um síndico morador e os aspectos políticos que envolvem a participação nesse tipo de processo.
Em minha trajetória profissional acompanhei inúmeros casos em que a inexperiência de um síndico morador foi equivalente aos prejuízos que ele causou ao condomínio; em outras, o candidato - amigo de todos na assembleia - transformou-se num imperador.
Da mesma forma, tenho vários exemplos em que um síndico morador, bem assessorado por uma administradora e com um conselho forte e coeso, manteve as rédeas do condomínio no período em que tudo é novo para todos, dos regulamentos e normas a serem criados à gestão da máquina, que precisa ser ajustada todos os dias, para funcionar e atender bem os condôminos, visitantes e prestadores de serviços.
Também vi o conselho se rebelar e tentar derrubar o síndico profissional eleito já na primeira assembleia após a instalação, sem ao menos deixar que ele mostre a que veio e revele sua expertise na gestão.
Quem é síndico ou síndica profissional que nunca passou por isso? É preciso ter fôlego e estratégia para escapar ileso de um movimento como esse, conquistar a simpatia e o apoio de condôminos e ainda superar atos de sabotagem administrativa, duplo comando e deslealdade.
E assisti a um filme também comum, em que o corpo diretivo escolhe e prepara o caminho para um futuro síndico morador. A “gestação” pode ser pacífica e respeitar o primeiro mandato do síndico eleito na Assembleia Geral de Instalação.
Mas, em muitos casos, a transição é feita “à fórceps”, construída nos bastidores com abaixo-assinados para destituição do síndico profissional, mesmo que ele não tenha praticado qualquer ato que possa ser considerado ilegal, imoral, abusivo ou lesivo ao condomínio.
Para exemplificar, relacionei alguns pontos que revelam os prós e contras de ser (e de escolher) um morador para o primeiro mandato de síndico do condomínio.
PRÓS (ou nem tanto) de um síndico morador
Comprometimento
Por também se beneficiar da valorização de um condomínio bem administrado, espera-se do síndico morador maior comprometimento com uma boa gestão e melhores resultados, além de maior facilidade para se comunicar com os condôminos, porque reconhece suas dúvidas e necessidades.
Redução de custos
Como qualquer condômino, que possui outras fontes de renda, o síndico morador não necessita de remuneração, além do abono de sua quota condominial, quando couber.
Em certos casos, havendo previsão de despesas com síndico profissional, alguns solicitam e recebem um pro-labore.
Iniciativa
Os condôminos veem no síndico morador alguém que está mais atento a tudo, até porque está diariamente no condomínio. Da mesma forma, acreditam que ele está mais próximo e, por residir no local, poderá resolver problemas urgentes com maior rapidez, inclusive à noite e nos fins de semana.
Relacionamento
É de se esperar que o síndico morador tenha melhores condições para manter um relacionamento mais próximo com os condôminos, o que pode ajudá-lo na mediação de conflitos.
No entanto, para criar essa relação, deve tomar a iniciativa do diálogo e demonstrar ser receptivo a ele.
Anseios do condômino
Também se credita ao síndico morador a capacidade de interpretar com maior facilidade os anseios dos condôminos, uma vez que ele adquiriu uma unidade no empreendimento, esperou pela construção e entrega e, como condômino, tem expectativas semelhantes sobre o uso do imóvel.
CONTRAS (ou nem tanto) de um síndico morador
Conhecimento técnico
A implantação do condomínio é uma sequência de passos, deliberações, decisões e atitudes que não podem perder o ritmo e a ordem, situação que muitas vezes o síndico morador demora a compreender, porque não tem experiência, vantagem atribuída ao síndico profissional.
Gestão do tempo
Se trabalha, estuda ou tem negócio próprio o síndico morador tem menor flexibilidade e disponibilidade para responder com rapidez a questões do dia a dia por meio de canais digitais, e retarda a discussão e decisão sobre projetos, tendo que convocar reuniões à noite e em fins de semana, com frequência.
Imparcialidade
O síndico morador corre maior risco de ser pressionado a tomar decisões contra ou a favor de vizinhos, por influência de interessados com quem se relaciona e, por ser morador, em algum momento, suas posições podem favorecer a ele próprio ou a amigos vizinhos, principalmente na gestão de conflitos.
Pressão do cargo
O primeiro síndico tem de ser firme para cobrar serviços de terceirizados e contratados; negociar com a construtora/incorporadora, quando houver pendências e, como morador que é, ter de acalmar os condôminos sobre diferentes temas nas conversas de corredor, elevador e garagem.
Finanças
O síndico morador deve ser firme na cobrança de condôminos em atraso, pagar em dia as contas do condomínio, justificar e comprovar despesas, e preservar o caixa.
Isso pode não ser suficiente para demostrar sua lisura, porque o cargo faz dele um alvo fácil de comentários, inclusive, quando troca de carro.
Porte e tipo de condomínio, condições de entrega e localização influenciam na 1ª gestão
Numa análise geral, todas as vantagens e desvantagens são relativas, porque dependem do porte e tipo de condomínio, das condições de entrega do empreendimento e sua localização.
Nesse cenário, não é raro o síndico morador desistir nos primeiros passos do caminho, por não suportar o “peso do cargo”.
Há também outras duas situações, que podem inviabilizar o mandato de um síndico morador, na fase de implantação:
- quando tem de deixar a função, porque não obteve financiamento para quitar o seu imóvel com a incorporadora e tomar posse;
- quando possui alguma restrição financeira em seu nome, duas condições fundamentais para ter vínculo com o condomínio e para assumir responsabilidades em nome dele.
As desvantagens do síndico morador podem ser mitigadas com uma estrutura de governança no condomínio, que busque a eficiência operacional e financeira.
O bom funcionamento das empresas contratadas para controle de acesso, limpeza e manutenções é prioridade.
O estímulo à participação dos conselheiros e de grupos de trabalho de condôminos para atuar em temas específicos, como segurança, lazer e melhorias, cria um ambiente de cooperação.
Além disso, é importante o síndico morador cuidar da sua capacitação, participando de eventos, cursos e treinamentos, como os do SíndicoNet.
Outros fatores precisam ser avaliados para saber se o síndico morador terá o respaldo necessário para desenvolver suas atividades, cumprindo todas as etapas legais e técnicas inerentes à fase da implantação.
Nessa hora, é importante que a administradora, que assessora o condomínio, tenha experiência e equipe especializada para a fase de implantação em diferentes tipos de empreendimentos.
Ao escolher um síndico - profissional ou não, homem ou mulher -, considere sempre quem lhe parece mais qualificado para garantir uma gestão eficaz, que atenda às demandas e necessidades do condomínio, especialmente durante a fase de implantação.
Se não for possível conferir o currículo e a reputação dos profissionais e empresas, a análise deve, minimamente, considerar elementos como apresentação, empatia e habilidade de comunicação.
Não é uma escolha simples confiar a alguém a gestão do empreendimento em que está o imóvel comprado para moradia ou trabalho.
Da primeira administração do síndico depende a construção das bases sólidas que sustentarão os anos futuros do condomínio.
Por isso, o que começa bem administrado tem melhor probabilidade de seguir valorizado, organizado e seguro. Já o inverso, é quase sinônimo do caos em que se transformam condomínios recém-implantados em que é visível a falta de liderança.
(*) Roberto Viegas é jornalista, mestre de cerimônias e palestrante especialista em mercado imobiliário e condomínios. Como diretor de Assuntos Corporativos, realizou mais de 200 implantações de condomínio pelo Brasil numa das maiores incorporadoras do País, onde foi responsável pelo relacionamento com clientes, administradoras de condomínio e síndicos. E-mail para contato: robertoviegas1407@gmail.com