Moradores de rua
Moradores de condomínios no DF repudiam acampamento
Seguranças particulares expulsam pessoas em situação de rua
Testemunhas e vítimas relatam agressões por vigias contratados por moradores de condomínios
Além da falta de emprego e das dificuldades econômicas agravadas pela pandemia da covid-19 que levaram famílias vulneráveis a se aproximarem dos condomínios e quadras residenciais de Brasília para pedir dinheiro e acampar nas redondezas, estas pessoas estão se deparando com um novo problema nos últimos tempos. Trata-se da contratação de empresas de vigilância ou de grupos de motoqueiros isolados, por síndicos e empresas de gestão condominial, para retirá-las de áreas próximas das residências mais luxuosas.
Embora ainda não tenham sido registradas denúncias formais, esse tipo de situação, que já foi observada e denunciada no Sudeste do país, agora tem sido frequente no Distrito Federal. Tem sido vista de perto por várias pessoas que realizam trabalho assistencial junto a essas famílias.
Um deles é o produtor cultural Fernando Assunção, que trabalha com a Rede de Solidariedade, cujo objetivo é o atendimento de pessoas em situação de vulnerabilidade no Plano Piloto.
“A presença dessas pessoas pedindo dinheiro e morando nas redondezas tem criado incômodo entre os moradores das quadras, que como consequência contratam empresas para expulsá-las dos locais. Normalmente são as empresas de vigilância que se encarregam de expulsar e até ameaçar essas pessoas. Muitos moradores não aceitam a presença dos grupos em situação de rua”, contou.
Situação semelhante já foi presenciada pela advogada Oneide Ramos, que procura ajudar essas famílias todos os meses distribuindo cestas básicas. Moradora de um condomínio do Jardim Botânico ela afirmou que tem sido informada constantemente de investidas para retirá-los.
“Sei que a presença deles pode ser inconveniente, em algumas situações, mas o correto seria ajudá-los. Se não houver abrigos suficientes o governo do DFl poderia estudar alternativas para solucionar o problema”, acusou.
No final da tarde, a Secretaria de Desenvolvimento Social informou, por nota, que não recebeu denúncia ou qualquer informação sobre essa demanda. E reiterou que a pasta não concorda nem apoia essas ações de retirada dos vulneráveis.
Preconceito não resolve questão
Da mesma forma pensa Fernando Assunção. “É necessário sensibilizar esses moradores da região, todos estão vivendo um momento delicado, em especial as pessoas em situação de rua. Esse preconceito, essa tentativa de agressão não resolvem o problema”, criticou o produtor que considera a medida desumana.
A diarista Fernanda Santos, que hoje está vivendo com o companheiro, o catador Iolando Silva, numa barraca próxima à Universidade de Brasília, disse que passou por isso. O casal é de Luziânia e, diante da falta de serviço, resolveu se transferir para Brasília para tentar alguma oportunidade de trabalho. Mas com as investidas dos motoqueiros, resolveu deixar as proximidades do condomínio onde estavam acampados, em São Sebastião.
“Não nos bateram, mas foram bastante agressivos. Durante duas noites seguidas três homens chegaram de moto nos acordando e fazendo ameaças. Dissemos que não estávamos atrapalhando ninguém, mas depois de ouvir tantas histórias, resolvemos sair de lá”, disse ela — tão assustada que não quis tirar fotografia.
“Esquecem que são seres humanos ali”
Fernanda afirmou que são recorrentes as ameaças e reclamações em grupos de condomínios na Asa Norte. “As pessoas reclamam tanto pela quantidade de pessoas pedindo dinheiro como também pelo modo como olham para elas. Às vezes parece que esquecem que são seres humanos ali, passando por um momento crítico”.
Com o apoio das redes sociais, o produtor cultural e cerca de dez colaboradores arrecadam cestas básicas para auxiliar essas famílias em situação de vulnerabilidade. Os trabalhos são desenvolvidos há aproximadamente seis anos, e antes da pandemia, ele também organizava e promovia eventos em parceria com cooperativas.
Sem poder fazer essas atividades agora, Fernando e seus colegas utilizam o Instagram e o Facebook para conseguir arrecadar os alimentos. “Nós entregamos no final de maio cerca de 400 cestas básicas. Tentamos entregar uma cesta por família para que o auxílio seja o mais abrangente possível”, contou.
A secretaria de Desenvolvimento Social do DF informou que está sendo desenvolvida uma pesquisa, por meio de parceria entre técnicos da pasta e a Fundação Oswaldo Cruz (Fiocruz) Brasília, financiada pela Fundação de Apoio à Pesquisa (FAP-DF).
O objetivo é desenvolver e validar instrumentos de identificação de vulnerabilidades e riscos das famílias atendidas pela Política Nacional de Assistência Social, de forma a serem adotadas políticas públicas neste sentido.
Para a técnica Daiana Brito, da secretaria, é importante “ter o cuidado de olhar para essas famílias sem estigmatizá-las, sem criar um padrão de família que seja meu, a partir da minha experiência”.
“Essa é uma questão que está presente em vários pontos da nossa atuação e serve de reflexão. Se o trabalhador não reconhecer suas próprias vulnerabilidades, a relação de poder estabelecida entre ele e o usuário também pode não ser reconhecida e a desigualdade que existe negada”, destacou.
Fonte: https://jornaldebrasilia.com.br