MS: Violência contra mulher
Condomínio vigia violência e bloqueia agressores
Condomínio da Capital vigia mulheres contra violência doméstica e bloqueia agressores
‘Em briga de marido e mulher, a gente salva a mulher'. O novo bordão frequente nas redes sociais da internet é uma ação prática no dia a dia de um condomínio da área nobre de Campo Grande (MS). Os desentendimentos domésticos aumentaram durante a pandemia e a síndica mobilizou as moradoras para cuidarem umas das […] O post Condomínio da Capital vigia mulheres contra violência doméstica e bloqueia agressores apareceu primeiro em Diário Digital
‘Em briga de marido e mulher, a gente salva a mulher'. O novo bordão frequente nas redes sociais da internet é uma ação prática no dia a dia de um condomínio da área nobre de Campo Grande (MS).
Os desentendimentos domésticos aumentaram durante a pandemia e a síndica mobilizou as moradoras para cuidarem umas das outras e informarem situações suspeitas. Outra medida foi bloquear a entrada de agressores no condomínio.
À frente destas tarefas pesadas, mas necessárias, está uma mãe de família que se dedica às funções de síndica ao mesmo tempo em que luta para que o Condomínio Passarela Park Prime seja um ambiente seguro para as mulheres. Andrea Raslan Pettengill está no cargo há quatro anos e usa a tecnologia disponível nos prédios para coibir a violência.
Foi monitorando as câmeras de segurança que ela enxergou uma moradora com o olho roxo dentro de um elevador. Assim, Andrea se viu diante de mais um possível caso de agressão e precisou agir. “Ela negou ter sido vítima de violência doméstica. Porém, não me dei por vencida. Passei a monitorar o caso”, relembra.
Conforme a síndica, a convivência muito intensa devido à pandemia causou o aumento das brigas familiares. “As pessoas passaram a ficar mais juntas e fechadas nos locais. Por essa razão, ocorreram tantos divórcios”, avalia.
De fato, o número de divórcios explodiu no País inteiro. Dados nacionais apontam que no primeiro semestre deste ano foram oficializados 37.083 divórcios, aumento de 24% em relação ao primeiro semestre de 2020.
Porém, mais do que a convivência turbulenta em alguns apartamentos, o que realmente surpreendeu Andrea foi a inércia ou resistência das vítimas em aceitarem ajuda. Muitas preferem não expor o problema.
Embora a vigilância entre as mulheres já fosse um costume no Park Prime, Andrea reforçou a medida inserindo o condomínio na campanha ‘Alô Vizinho’ lançada pelo pelo Ministério da Mulher, da Família e dos Direitos Humanos (MMFDH), por meio da Secretaria Nacional de Políticas para as Mulheres (SNPM).
Dessa forma, o que os olhos de Andrea não vêem, as vizinhas contam a ela. O incentivo para que cuidem umas das outras tem surtido efeitos na prática. As moradoras passaram a acionar a síndica em casos suspeitos de violência.
A fotógrafa Neusa Maria Fusco vive no Park Prime há um ano e meio e está totalmente de acordo com vigilância entre as mulheres.
“Essa atitude é necessária sim. Por vezes, a mulher fica brava porque alguém foi falar da vida dela. Mas não é porque ela não quer que a gente não vai fazer nada né. Se eu souber de algo, vou avisar a síndica", defende Neusa.
Além dos moradores, os zeladores -- eles estão presentes 24h por dia no condomínio -- também foram orientados a acionarem a síndica diante de situações suspeitas de violências doméstica.
Há casos em que o barulho denuncia que uma mulher está em perigo. Em um deles, Andrea precisou usar muitos argumentos para convencer a vítima a sair do apartamento onde estava com o agressor.
“Ela saiu a contragosto, mas saiu, e veio até aqui embaixo. Eu disse para ela, se você não se dá ao respeito por si mesma, faça isso por sua filha. Ela vê você apanhando”, relembra.
A essa altura a polícia já estava no local. Contudo, a mulher não deixou que o companheiro fosse levado pela viatura. Pediu que o deixassem ir embora. Andrea o bloqueou no sistema. Desde aquele dia, ele não entra mais no condomínio. Pelo menos naquele endereço, a mulher está a salvo.
Além deste agressor, ao menos outros quatro homens tiveram bloqueado o acesso aos prédios. “Eu faço isso por empatia, sou mulher afinal. Mas, também tem a força da lei. Sou obrigada a denunciar às autoridades”, menciona.
Desde novembro do ano passado, está em vigor a Lei Nº 5.591 que determina que condomínios residenciais comuniquem aos órgãos de segurança pública ocorrências ou indícios de ocorrência de violência doméstica e familiar contra mulheres, crianças, adolescentes, pessoas com deficiência ou idosos.
O Passarela Park Prime foi entregue em 2017 e fica em uma das áreas mais valorizadas da Capital, nas proximidades do shopping Campo Grande. Nas três torres, há 332 apartamentos, onde vivem cerca de 300 famílias. O local é bonito, requintado e vigiado por mais de 80 câmeras.
As histórias do Park Prime provam que a violência contra a mulher é presente em todas classes sociais. Tão presente que é capaz de deixar marcas visíveis em uma estrutura tão sofisticada.
Em um dos prédios, há uma porta danificada que é a prova da violência que uma moradora sofria calada. O agressor teria tentado forçar a entrada brutalmente. O homem foi levado para delegacia e devidamente bloqueado no sistema do condomínio.
Andrea sabe que o trabalho de monitoramento e proteção às mulheres precisará ser constante e está disposta à luta. “Os caras já entenderam que não dá para fazer isso aqui que eu vou aparecer”, avisa.
Apesar da garantia de anonimato, nenhuma das mulheres agredidas por companheiros no condomínio aceitou falar com a reportagem.
Números da violência
Os números da violência doméstica são altos em Mato Grosso do Sul. Conforme dados da Polícia Civil de Janeiro a Julho de 2021 foram registrados 9,259 boletins de ocorrências do tipo, ou seja, seria o mesmo que dizer que as moradoras do Estado registram 43,6 B.Os por dia.
Contudo, vale mencionar que os números de ocorrências registradas nas delegacias não tiveram crescimento na pandemia. Pelo contrário, foram menores. Em 2020, também de Janeiro a Julho, foram 9.831 B.Os por violência doméstica. Já em 2019, o mesmo período fechou com 10.218 registros.
A queda dos números foi sentida em vários estados brasileiros e poderia servir de alento. Porém, o Instituto Patrícia Galvão que trabalha com direitos da mulher há 20 anos levanta outra hipótese.
A avaliação é que a maior parte dos crimes cometidos contra as mulheres exige a presença da vítima para a instauração de um inquérito, por isso, as denúncias teriam caído no período de quarentena.
Em relação aos números de feminicídios em MS, houve pequena redução. Foram 19 em 2021; 20 em 2020; e 21 em 2019 -- sempre considerado o período de Janeiro a Julho.
'A palavra da vítima tem valor'
Um recurso ao qual as mulheres podem recorrer para se protegerem de agressões é a medida protetiva. Em Campo Grande, MS, foi criada uma facilidade para as vítimas, o serviço de protetivas on-line, através do qual a mulher pode solicitar a medida sem sair de casa. A análise é rápida.
Em vídeo-entrevista ao Diário Digital, a juíza Jacqueline Machado, titular da 3ª Vara de Violência Doméstica de Campo Grande, explica como funciona o processo. Ela também ressalta que mesmo que a mulher não tenha provas para anexar ao pedido on-line, a palavra da vítima tem valor e a tendência é concessão da medida com base no relato da mulher.
Mesmo amparada por uma medida protetiva cabe também à mulher zelar por sua integridade e dos filhos. Conforme a juíza, a vítima abre uma brecha perigosa quando faz concessões ao agressor.
“Se ela deixa o homem entrar para ver os filhos, quando a medida determina que ele fique distante da casa, ela está enfraquecendo essa medida. Esse é o momento em que o agressor pode estar testando a situação. As mulheres devem levar a sério a medida protetiva”, aconselha.
Os dados referentes às medidas protetivas mudam todos os dias. Porém, os números apurados até publicação desta matéria apontavam para oito mil medidas protetivas em vigor na Capital e 133 agressores monitorados por tornozeleiras.
Sabor da inclusão
Os números mencionados nesta reportagem bem como as histórias relatadas provam que é longo o caminho para que o mundo seja seguro para as mulheres. Contudo, também é crescente a quantidade de pessoas físicas e empresas que batalham para que a vivência social se torne melhor.
Um exemplo que merece destaque com louvor é o restaurante Priya, de comida indiana, no Bairro Monte Castelo, em Campo Grande. O estabelecimento foi o primeiro a aderir à campanha “Feminicídio: não faça parte da estatística”, promovida pelo Ministério Público Estadual, MPE.
Por meio de fixação de cartazes, a ação alerta para os relacionamentos abusivos e convoca as vítimas a darem um basta e pedirem ajuda.
O Priya brada pelo respeito às mulheres e pratica ações por inclusão social. A empresa é uma porta aberta às pessoas com menos oportunidades e em situação de vulnerabilidade. Os funcionários não são escolhidos por suas habilidades técnicas ou experiência profissional.
A proprietária Nadja Toumani buscou os colaboradores em abrigos para mulheres vítimas de violência, casas de apoio aos LGBTQIA+, movimento negro e imigrantes.
“Não avaliei pela capacidade técnica. Quem vem de classes socialmente mais baixas tem mais dificuldades de acesso à qualificação. E difícil ter um currículo recheado de cursos e qualificações quando se é uma mãe solo por exemplo”, analisa.
“E tem uma frase que considero muito importante: As pessoas contratam por técnica e demitem por comportamento. A minha busca sempre foi pelo posicionamento da pessoa. Em relação à técnica, você pode dar o treinamento”, completa.
Pensado dessa forma, Nadja assumiu os riscos de gerir um negócio usando fórmulas diferentes das tradicionais. “As pessoas que diziam que não era possível. Repetiam que é preciso escolher entre ganhar dinheiro e fazer trabalho social. Mas, dá sim para ganhar dinheiro e manter um negócio inclusivo”, garante.
A empresária já tem a gratidão e admiração dos funcionários. Que o diga o gerente Thiago Idelfonso Cristaldo. O trabalhador foi contratado através da Casa Satine – instituição que presta apoio à comunidade LGBTQIA+ . “Assim que a vaga de emprego chegou lá me interessei pela oportunidade humanizada”, afirma ele que só tinha experiência como garçon.
Quando a reportagem visitou o local foi ele quem mostrou os detalhes diferenciados do estabelecimento com brilho nos olhos.
“O projeto do restaurante e as louças foram feitas por mulheres (...) Veja os banheiros, eles não têm gênero. São para todos os humanos, homens, mulheres ou transgêneros”, aponta.
Nadja quer fazer do Priya um 'point' no debate contra o feminicídio. "Eu quero oferecer o espaço ao Ministério Público para fazermos palestras aqui. Ofereço um coffee break para chamarmos os vizinhos. É inadmissível que as mulheres passem por isso. É importante para a empresa discutir essa pauta."
O Priya fica localizado na Rua 25 de Dezembro, no Monte Castelo. O telefone é (67) 3201-1411. Há também possibilidade de contato pela rede social da empresa.
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