Edifício Maletta virou varandão de todas as tribos em BH
Sobreloja do tradicional edifício no Centro de BH se tornou um dos principais pontos de encontro da capital, com botecos, restaurantes e lojas que reúnem cardápio, decoração e público diversificados
Desde que a sobreloja do Edifício Maletta perdeu de vez a vocação para as velhas tipografias, muito vem sendo falado sobre a retomada do espaço de um dos prédios mais tradicionais do Centro de Belo Horizonte. Não é para menos. O varandão do edifício de 1957, na esquina da Avenida Augusto de Lima com Rua da Bahia, não só foi reinventado nos últimos cinco anos, como também voltou a colocar o Maletta entre os principais pontos de encontro da capital mineira. Refúgio durante a ditadura militar, já não é apenas dos artistas, jornalistas e intelectuais da velha guarda. É também do grafiteiro, do engenheiro, do DJ e da performer. É lugar do sujeito solitário, do homem e da mulher apaixonados e dos casais de iguais que se amam. Com botecos e restaurantes tradicionais e, pelo menos, 12 bares sui generis, com cardápios e decoração para todos os gostos, o Maletta se renova como tudo que é eterno.
Lídia Amarilla Bittencourt, de 22 anos, está em Belo Horizonte desde 2011. Nascida em Juiz de Fora, na Zona da Mata, a estudante de relações públicas passou a infância e a adolescência em João Monlevade, na Região Central do estado. O Maletta famoso, de muito ouvir falar, entrou na vida dela em abril de 2014. Um trabalho “frila”, num coletivo inovador na sobreloja. O Bar do Olympio foi mais um dos estabelecimentos que veio se juntar à nova configuração de arte, comércio e comportamento do andar, iniciada em 2009, com a galeria Quina, de Rodrigo Furtini. Lídia se interessou pela proposta de “bar sem patrão” da cooperativa de garçons. O nome do bar é uma homenagem ao célebre garçom Olympio Peres Munhoz (que morreu em 2003, aos 84 anos), da Cantina do Lucas, no primeiro piso.
Do “bico” no Bar do Olympio, nova oportunidade de trabalho fixo para Lídia no Saideira. Uma outra proposta de estabelecimento tão original quanto aos demais pontos do corredor: de dia, das 10h às 17h, um sebo com 30 mil livros; à noite, das 17h às 3h, o bar Saideira, onde o público entre 18 e 80 anos ouve Janis Joplin, Led Zeppelin, Beatles e Kiss. Para Lídia, o Maletta é um estilo de vida. “Aqui, posso trabalhar sem pressão e usar as roupas que gosto. Conheço todo mundo e convivo com as pessoas que combinam comigo”, diz. Segundo a estudante, o grande diferencial do varandão é que, ali, as pessoas se sentem em casa.
O aposentado Adão Aparecido de Oliveira, de 52, não sabia do “novo Maletta”. Ele conta que é frequentador do endereço há mais de 30 anos, mas ainda não tinha tido a curiosidade de passar do primeiro andar.
“Estava vindo de uma consulta médica e decidi tomar uma cerveja para esperar o trânsito melhorar. Descendo a Avenida Augusto de Lima, vi o movimento na galeria e resolvi subir. Não imaginava que pudesse estar desse jeito”. Adão comenta que o Maletta sempre foi um lugar de encontros. “A cultura, a gastronomia e a política sempre passaram por aqui. Dá até para fazer um paralelo com o Mercado Central. São lugares que se renovam e você tem sempre algo novo para conhecer”, considera.
O casal Janaina Matos e Ivan Santos, ambos de 36, está investindo ainda mais no Saideira. São duas lojas, de uma galeria à outra. Os livros têm boa saída por meio da internet e o sucesso do bar tem como desdobramento um restaurante para breve, com funcionamento também durante o dia.
“Ainda que o momento econômico não seja favorável, estamos tentando melhorar”, diz o empresário. Janaina, há 14 anos no ramo dos livros, não se imaginava dona de bar. Recompensada, a dedicação ganhou novas proporções. A empresária conta que até se mudou para prédio de frente ao Maletta. “Para ficar mais perto dos filhos pequenos, já que passamos a maior parte do tempo no trabalho”, diz.
De carona no sucesso dos bares, a loja de tatuagem também é atração no fim do corredor. A loja de discos e livros é a audiência da hora nas proximidades da escada rolante. No alto, logo acima da banca de vinis, o vídeo exibe as centenas de raridades do acervo. No hall Vinícius de Morais, mais da diversidade que se reinventa. Loja de costura, de fantasias, restaurante, ótica, empório de “trecos e afetos”. O Piolho Nababo rouba a cena. O coletivo criado por Desali e Froiid, em 2010, é a referência underground do edifício.
Aberto para a boemia
Um dos primeiros bares do Maletta, o Lua Nova já esteve no primeiro andar, na loja 25. Em 1993, 30 anos depois de inaugurado, o estabelecimento passou para o segundo andar, à esquerda da escada rolante, no número 42. Joventino da Paz é o terceiro dono do Lua Nova. O comerciante reconhece “alguma melhora”, mas diz ter saudade do público mais “boêmio e pé no chão”. “Elitizou muito. Sinto falta dos intelectuais que faziam a cultura da cidade”, diz. Joventino conta que nem passa pela cabeça fazer qualquer mudança no cardápio ou na decoração do botequim, para acompanhar as novas tendências do varandão.
“O Lua Nova não veio para o momento. Veio para a história. Quem quer tomar uma cerveja no Lua Nova, vai encontrá-lo exatamente como sempre foi”, orgulha-se. Joventino conta 105 lugares disputados nos fins de semana e em eventos combinados. “Aos sábados, abrimos só para reuniões e lançamento de livros”, diz. Na sexta-feira, dia de mais movimento, Joventino chega a dar expediente das 8h às 4h. Isso mesmo: 20 horas seguidas de balcão na amizade do melhor estilo tradição do Lua Nova.
A poucos metros do Joventino estão alguns dos pontos que revolucionaram a sobreloja. O primeiro deles, que deu início à nova fase do Maletta, é o Arcangelo, do argentino Santiago Calonga, de 35. O ponto, em 2010, quando ninguém imaginava a vocação do andar para a noite, começou com três mesas e um sofá, com permissão para funcionar até as 20h. Atualmente, na sexta-feira, os 120 lugares de boa acomodação do Arcangelo estão cada vez mais disputados.
“No início foi um problema. Ninguém imaginava abrir um bar assim. A gente tinha uma placa de aberto perto da escada. E ainda tinha o problema do horário. Só podia funcionar até as 20h. Depois, conseguimos estender até as 22h. Depois, até as 0h. Foi quando surgiu o primeiro concorrente”, relembra. Santiago se diz feliz em ter colaborado para o que ele chama “nicho de mercado”. “Há uma felicidade em ver que, nos 12 bares, tem umas 100 pessoas trabalhando na varanda hoje”, comenta.
Sandro Penha, de 48, morador do Maletta desde 1992, vê com entusiasmo o movimento de sofisticação dos últimos cinco anos. “Na atual administração, houve uma flexibilização que favoreceu o surgimento dos bares. Está mais sofisticado, mas o Maletta não perdeu a identidade”, avalia. O artista plástico diz que não é frequentador de botecos. “Costumo beber em casa. Mas é um privilégio entrar no elevador, descer e chegar num bom lugar”, pontua.
O Café Biografias, o Dub e o Objetoria são outras excelentes opções no varandão. Ambiente, cardápio e atendimento são pontos fortes dos três pontos. No Objetoria, decorado com quinquilharias, um DJ faz as honras do balcão. Um dos responsáveis pelo atendimento da loja é Diogo Souza Brant Caldeira, de 30. Ele está em jornada de três turnos por paixão e fé. Formado em história, o promotor de eventos é também funcionário público. Diogo se mostra contente por fazer parte da nova história da noite em BH.
Fonte: http://www.em.com.br/
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