O impacto da COVID-19 nas convenções condominiais
Crise evidenciou a necessidade de adaptação de regras que acompanhem as mudanças da sociedade, como o home office, por exemplo
Por Sergio Sender, Leandro Sender e Dayse Imenes*
Em meio a uma crise sanitária, econômica e política sem precedentes, vemos um país que, gravemente afetado pela pandemia de COVID-19, já se encontra visivelmente devastado em decorrência dos efeitos de um vírus que, ao que parece, chegou para ficar.
Muito se fala das medidas de prevenção ao contágio, dos temores em relação a capacidade hospitalar e as possibilidades de tratamento efetivo mas, na verdade, em que pese todos os esforços despendidos pelos maiores centros de pesquisa do mundo, ainda não se chegou a nenhuma conclusão efetiva quanto aos protocolos corretos no trato à doença.
No âmbito do judiciário outro cenário não se enxerga, ao passo que magistrados, advogados, membros do Ministério e Defensoria Pública, e demais profissionais da área do Direito estão enfrentando a árdua tarefa de orientar, agir e decidir sobre fatos completamente novos, ainda não experimentados pela sociedade, muitas vezes sem que se tenha uma previsão legal específica ou mesmo um direcionamento jurisprudencial pertinente.
Diversas controvérsias estão surgindo agora e é inegável que precisarão ser dirimidas neste momento, ainda que com base exclusivamente nos Princípios Gerais do Direito. Isso é ponto pacífico.
Contudo, diante de aspectos tão peculiares e de tantas novas circunstâncias advindas da COVID-19, que pode inclusive vir a se tornar uma doença endêmica, revela-se de suma importância que a sociedade como um todo, assim que possível, se organize e se prepare para com ela ou outras conviver.
Da mesma forma que na Medicina, no âmbito jurídico o melhor remédio é a prevenção. As novas questões que estão se apresentando em razão dessa pandemia, e que passam necessariamente pela imposição de isolamento social e de cuidados específicos para a proteção da vida humana – Bem Maior – precisam ser reguladas o quanto antes.
Nas relações de consumo, contratuais e, principalmente, dentro dos condomínios, que nada mais são do que micro-organismos de nossa sociedade, medidas para regulação desses problemas afiguram-se urgentes e devem ter uma atenção especial.
Os condomínios têm se tornado foco de discussões jurídicas pela total impossibilidade de reuniões presenciais, dificuldades encontradas para convocação de assembleias virtuais e para a adoção de condutas corretas por parte da administração. E tudo isso pela total ausência de previsão convencional a respeito.
Destaque-se, por oportuno, que a grande maioria das convenções condominiais sequer se adequou às previsões contidas no Código Civil de 2002 e, por conta disso, também em sua maioria, sequer se encontra registrada, fato que, por si só, impossibilita que condomínios atualmente possuam conta bancária. Evidente que em vários aspectos, pela falta de adequação, já se encontravam defasadas.
Com a chegada da pandemia de COVID19 a realidade virtual se mostra cada vez mais importante e presente. Com isso, além da necessidade de adequação ao Código Civil de 2002, sobrevém a necessidade de se adequar e modernizar as convenções condominiais, aproximando-as do mundo virtual.
O resultado que podemos extrair de toda a situação que ora estamos vivendo, é que as convenções condominiais, assim como todo o nosso ordenamento jurídico, por motivos compreensíveis, não estavam preparados para o impacto da COVID-19 em nosso país.
O efeito disto são as diversas MPs, Leis e Projetos de Leis quase que diariamente criados. Além de das diversas decisões judiciais conflitantes entre si, demonstrando a inexistência de unicidade no Judiciário.
Recentemente, foi publicado estudo demonstrando que, por conta da COVID-19, o isolamento deve continuar de forma intermitente por cerca de 2 anos. Isso significa que, ainda que por um breve período, será permitida a realização de assembleias presenciais.
Desta forma, é de extrema relevância que os síndicos, tão logo possível, convoquem Assembleia Extraordinária específica visando alterar a convenção condominial de modo a adaptá-la à nova normalidade e, principalmente, para a hipótese de novos períodos de isolamento.
A convenção condominial, enquanto lei maior dentro de determinado seguimento da sociedade, deve estar adequada à legislação vigorante, e, dessa forma, com o intuito de evitar eventuais arguições de nulidade, deve ser alterada à fim de dispor sobre a possibilidade de convocações, assembleias e deliberações virtuais, assim como sobre a forma de escolha das plataformas digitais, pontuando-se expressamente todos os aspectos que possibilitem e legitimem os atos virtuais, atualizando-se os direitos e deveres dos condôminos, assim como as medidas que poderão ser adotadas pela administração interna.
Entendemos que essa será a tendência do futuro, não mais pela preocupação com o contágio pelo vírus, mas porque os condôminos poderão participar dessas assembleias virtuais de dentro da sua casa, de seu escritório, quando estiverem no exterior, etc.
Nesse passo, nossa especial recomendação é que as novas convenções condominiais regulem de forma específica as questões que mais têm gerado controvérsias, de modo que elas passem a prever, por exemplo, quais tipos de obras serão permitidas em meio às quarentenas; a possibilidade de fechamento total e/ou parcial das áreas de uso comum, de modo a impedir aglomerações e a consequente disseminação deste ou de outro vírus igualmente agressivo; medidas de proteção de caráter obrigatório para a circulação pelas partes comuns; entregas por meio de aplicativos durante o isolamento; possibilidade de mudanças pelos condôminos, e etc.
É importante lembrar que as recentes Leis Estaduais sancionadas (Lei 8.808 e 8.836), possuem prazo de vigência temporária, que apenas perdurará enquanto mantido o estado de calamidade pública.
Ainda no âmbito condominial, merece especial atenção os chamados “home offices” pois, num futuro bem próximo, serão francamente adotados por muitos condôminos, que utilizarão suas residências para exercício de atividade laborativa.
E este fenômeno, que tende a crescer em alta velocidade ao longo dos próximos meses, mais uma vez não é observado pelas convenções condominiais.
Desta forma, exatamente com o intuito de se preparar para os impactos futuros da COVID-19, os condomínios devem, inclusive, destinar tópico próprio em suas convenções para deliberar sobre a matéria.
Por exemplo, como já abordado pelo professor Luis Fernando Marin, possivelmente nos depararemos com uma nova modalidade locatícia, a locação de espaços em imóveis residenciais para utilização a título de “home office”.
Portanto, como forma de prevenir futuras discussões, as convenções podem, ante a inexistência de previsão própria em nosso ordenamento jurídico, regular internamente esta modalidade de locação, deliberando, a título exemplificativo, sobre a possibilidade ou não de locação para terceiros não moradores, limitar o número de locatários para um mesmo imóvel simultaneamente ou, até mesmo, proibir tal modalidade de locação – fato este que inevitavelmente ocasionará diversas discussões perante o Judiciário.
No entanto, caso exista proibição expressa na convenção, o condomínio possuirá respaldo para justificar judicialmente sua negativa.
Sabemos que nem sempre é fácil a realização de uma assembleia com quórum específico para a atualização de uma convenção condominial, contudo, ainda que se demonstre uma árdua tarefa para administradores e seus respectivos auxiliares, com certeza todas as dificuldades encontradas para tanto, não se comparam aos enormes aborrecimentos que estão sendo vivenciados atualmente pela ausência de regulação.
Em suma, é sabido que em tempos de crise sempre surgem oportunidades e agora é o momento exato de se regular e ajustar todas as necessidades do condomínio de se adaptar às mudanças de um novo horizonte que está diante da comunidade maior.
(*) Advogados e sócios do Sender Advogados Associados.