Papel do síndico na promoção do compliance em condomínios
Você é um síndico compliance? Artigo afirma que de nada adianta contratar uma empresa especializada nesse serviço, se o gestor do condomínio sequer adota uma postura ética e transparente
Por Amanda Accioli*
Para quem já leu algo sobre compliance, sabe que a origem do termo vem do verbo em inglês “to comply”. No mundo condominial, nos remete à ideia de cumprimento de regras, normas e leis que cuidam destes microorganismos vivos chamados condomínios, e que atuar em compliance é estar “em conformidade” com todas estas ferramentas.
Há alguns anos, com o início da Operação Lava Jato e entre outras medidas que pretendiam desmontar esquemas de corrupção naquele momento em nosso País, tivemos alguns bons desdobramentos e um deles foi o maior interesse da nossa população pelas questões sobre ética e transparência. E desde então, não só as pautas dos governos, mas também das empresas, eram ter uma gestão correta e transparente.
E foi nesse contexto também que surgiu a importância do compliance condominial, afinal, a única coisa que difere um condomínio de uma empresa é ele não ter fins lucrativos, porém, as demais nuances são iguais: contratam empregados, pagam impostos, possuem gestão de pessoas, gestão financeira, de RH e tantas outras.
No mundo em que vivemos hoje, o fato de um gestor comunicar que agirá dentro dos regramentos condominiais, com transparência e equidade, pode passar a ilusão para a massa condominial de que ele eliminaria, por completo, todos os atos ilícitos em todas as camadas ali existentes.
Porém, é difícil conseguir isso “logo de cara”, ainda mais se naquele condomínio todos estavam acostumados a agir e trabalhar sem transparência ou ética por muito tempo.
O trabalho é árduo e não é do dia para a noite que a mentalidade da comunidade condominial irá mudar. No entanto, quanto mais o síndico, que é o maior responsável e o maior exemplo de comportamento ali dentro, agir de forma inequívoca e transparente, mais chances ele terá de minimizar as ocorrências maléficas.
Caso estas sejam identificadas logo no seu início, poderão ser devidamente tratadas e consequentemente mitigadas.
Quando o síndico é compliance, o condomínio também se torna
Além disso, o síndico estaria dando um grande exemplo a todos aqueles que ali diariamente reportam à sua gestão, direção e treinamento. Até porque ele é responsável por manejar diferentes recursos e lidar com questões sensíveis e complexas que envolvem os condôminos, seus colaboradores e o próprio empreendimento. É o síndico o grande comandante da nau e suas direções são seguidas por todos.
Quando o síndico de um condomínio desperta o seu compliance interior, é como se ele “virasse a chave” de boa parte da comunidade que ali vive: sua gestão contagia e os seus princípios são seguidos, e quem tenta sair das regras, se sente acuado, sem vazão para os seus atos inadequados.
Exemplo prático dos benefícios do compliance em condomínios
Vou dar um exemplo: quando assumi um novo condomínio em dezembro de 2021, alguns dos prestadores de serviços logo correram para marcar uma reunião com a nova síndica (no caso, eu).
Segundo eles, o objetivo da reunião era dar “continuidade ao bom relacionamento que mantinham com o antigo gestor”, e mais: que um deles abertamente me confidenciou, para que continuasse “financeiramente interessante para ambas as partes”.
Neste momento, com poucos dias de mandato, eu ainda não tinha um programa de compliance implantado. No entanto, por “ser compliance” (explicarei mais à frente), com uma postura firme, encerrei o assunto com aquelas empresas já demonstrando que o tipo de gestão dali em diante naquele condomínio seria pautada na honestidade e na transparência.
Após esse dia, todos os prestadores de serviços mudaram de comportamentos comigo, e os colaboradores diários do condomínio também (acredito que as notícias correram rápido, e vejam assim como correm para o bem, também correm para o mau).
Sim, é então o síndico o líder deste grande e importante processo interno. É ele a figura mais importante, o maestro que orquestrará toda a sinfonia condominial composta por empregados (orgânicos ou não), terceirizadas, condôminos, prestadores de serviços em geral, corpo diretivo (fiscal e consultivo), fornecedores e alguns outros tantos.
- Veja também: As atribuições do subsíndico e do corpo diretivo
Por isso, o síndico deve ser o primeiro a ter uma postura de compliance, pois é ele que puxará toda a massa condominial atrás dele.
Síndico, faça despertar sempre o seu compliance interior!
Quando o síndico adota uma postura de compliance dentro do seu condomínio, ele eleva sua postura e o seu próprio condomínio a outro patamar.
Demonstrando, então, comprometimento com a transparência e a ética, chamando para si todos aqueles que farão parte desta nova estrutura condominial.
Agora vou explicar o que escrevi lá nos primeiros parágrafos e para isso homenageio uma amiga e profissional do mercado condominial a Dra. Társia Quilião, advogada especialista em compliance condominial.
Ela nos explica muito bem a importância do síndico nesse processo de compliance condominial – sempre afirmando, o que eu concordo “ipsis litteris”:
"Antes de qualquer implementação de uma nova estrutura interna dentro de um condomínio, que hoje pode ser realizada por grandes empresas e escritórios que são contratados especialmente para este trabalho, de nada irá adiantar se o 'comandante deste navio' (síndico) não for compliance".
O que fazer para o síndico ser compliance?
Mas como assim? O síndico tem que estar agindo sob o processo de compliance ou ele deve ser compliance? Os dois!
Explico: como o síndico é o líder deste processo, o mais importante é ele SER compliance. É ele pensar e agir com/em:
- Moral, ética e total transparência;
- Ações em conformidade com o que é correto e dentro das normas e regramentos daquela comunidade condominial
- Na sua responsabilidade civil, criminal, tributária, trabalhista, etc
Leia também: O que o síndico pode e não pode fazer?
Em resumo, se o síndico, seja ele orgânico ou profissional, não for compliance, de nada valerá ele contratar o melhor escritório para implementar este procedimento em seu condomínio, pois os objetivos não serão comuns e trabalharão internamente em direções contrárias.
Portanto, é responsabilidade sim do síndico a promoção do compliance dentro do condomínio, a começar pela sua postura.
Sendo compliance em seu dia a dia, o gestor cria consciência não só entre os condôminos, mas também entre os colaboradores e todo o corpo diretivo.
Assim, é possível que todos possam enxergar com a mesma lente da ética, a mesma ótica das conformidades, fomentando um ambiente propício às práticas legais.Evita-se, dessa forma, o que são nossos maiores escopos dentro do compliance condominial: os desvios de valores, as contratações irregulares e os gastos desnecessários.
- Confira também: O que exigir de empresas para cada serviço no condomínio?
Diante de toda essa explicação, não tenho como não apelar aos meus colegas síndicos para que, ao assumirem a gestão de um condomínio: despertem o seu compliance interior!
Despertado o seu compliance interior, será natural o síndico se interessar sempre em saber quem são e como agem seus parceiros de negócios:
- Como atuam no mercado;
- Se cumprem ou não as leis;
- Como tratam seus clientes e colaboradores;
- Quais atitudes adotam perante terceiros;
- Se pagam em dias seus impostos e seus funcionários;
- Entre outros.
Ser um síndico compliance também significa preservar a reputação
Há inúmeros outros detalhes que podem colocar em risco a reputação do contratado e até mesmo a do síndico, como contratante, afinal, você já ouviu aquele ditado: "me diga com quem andas que te direis em és?".
Ou seja, qualquer falha ou deslize, pode manchar para sempre a reputação e deixar aquele condomínio desvalorizado na região onde se encontra localizado.
Hoje em dia, o síndico deve viver o compliance e fazer com que este seja um exercício diário de processos dentro do condomínio,
O gestor nunca deve se esquecer de que, despertar o seu compliance interior vai muito além de números: é ter valores éticos e morais intrínsecos entre toda a massa condominial.
Não bastam síndicos honestos no mercado condominial; hoje eles precisam mostrar um trabalho constante e incessante através de processos transparentes, honestos, éticos e estruturados como sendo o novo o normal.
Infelizmente, ainda vejo muitas empresas em São Paulo se espantarem ao encontrar pelo caminho síndicos que “agem compliance”, sendo éticos, honestos e transparentes.
Isso o que me causa muita indignação, afinal, por quantos anos nossos condomínios viveram sob a égide de gestões abusivas e desonestas para que o honesto hoje cause espanto e até certo desgosto por algumas empresas quando percebem que aquele síndico não lhe dará o trabalho de forma direta via bonificação de venda do seus serviços?
Como escrevi acima, não será do dia para a noite que a mentalidade de uma comunidade, mas como síndicos e gestores responsáveis pela massa condominial que somos, devemos acreditar e dar exemplos:
- Encabeçar uma postura de compliance com muito comprometimento, transparência e ética;
- Procurar por empresas sérias e tão comprometidas como nós;
- Se possível, realizar a contratação de um escritório especializado nesse tipo de procedimento.
Quanto a este último ponto, será crucial a parceria dos conselheiros, dos condôminos e dos colaboradores, desde o mapeamento assertivo do condomínio (pois cada condomínio é um organismo vivo e único e vai necessitar de um programa específico) até a implementação do procedimento.
Como síndica profissional, eu desperto um pouco mais do meu compliance interior a cada condomínio que assumo. Fico muito satisfeita em saber que hoje podemos contar com esta ferramenta tão importante para a gestão dos condomínios e que pode ser implantada por escritórios idôneos para mitigar a maioria dos conflitos, das fraudes e das corrupções no âmbito dos prédios por todo o nosso Brasil.
É gratificante, também, contribuir de modo preventivo e efetivo frente a tantas exigências que o gestor condominial possui, levando uma gestão preventiva e humanizada, reduzindo conflitos e custos.
Essa é a grande diferença do síndico que trabalha com compliance, mas acima de tudo, daquele que trabalha tendo despertado dentro de si todos os princípios do compliance.
(*) Amanda Accioli é advogada consultiva condominial; Diretora Regional em SP da ANACON (Associação Nacional da Advocacia Condominial); Membro da Comissão de Direito Condominial OAB/SP, “podcaster” no “Síndicas à Beira de um Ataque de Nervos”; Síndica Profissional na Accioli Condominial; articulista e palestrante. Perfil no Instagram @acciolicondominial.