Parecer jurídico
AABIC orienta sobre assembleia virtual
Assembleias virtuais em condomínios durante pandemia podem ser declaradas ilegais, alerta AABIC
Em parecer jurídico enviado a síndicos, gerentes e representantes, associação pede cautela para garantir lisura e segurança no procedimento
Aproveitar o momento de pandemia para testar um novo sistema de votação em assembleias virtuais pode expor condomínios a discussões judiciais. O alerta é da Associação das Administradoras de Bens Imóveis e Condomínios de São Paulo (AABIC), a maior entidade representativa do segmento no Estado. Na sexta-feira, 27 de março, a Associação encaminhou um parecer jurídico a síndicos, gerentes e representantes da área condominial avisando sobre os riscos legais que a implantação do procedimento sem a devida preparação possa acarretar.
A AABIC destaca que o voto virtual só poderá ser considerado caso o condomínio explicite essa possibilidade em Convenção Condominial. Segundo a Associação, nenhum condômino pode ser impedido de votar por razões técnicas, como dificuldade de acesso à internet. “Embora não seja impraticável, ainda existem barreiras tecnológicas, legais e de costumes a serem superadas”, diz a entidade em um trecho do documento.
Uma das grandes preocupações da AABIC diz respeito à idoneidade dos meios fornecidos para a coleta dos votos. Por isso, a AABIC alerta os condomínios para dedicarem cuidado redobrado na avaliação da segurança da plataforma digital escolhida para a prestação do serviço. A entidade esclarece, por exemplo, que é preciso garantir que o signatário seja realmente o proprietário e que outras pessoas não votem em nome de terceiros. A utilização de assinatura ou certificado digital pode ajudar a garantir a lisura do processo.
Apesar da modalidade de votação à distância estar em consonância com as determinações de isolamento social, o presidente da AABIC, José Roberto Graiche Júnior, compara o novo procedimento com a utilização de medicamentos não testados cientificamente. Isso porque, avalia o dirigente, não é possível prever como o Judiciário decidirá sobre as assembleias virtuais realizadas sem que esse formato esteja previsto na Convenção Condominial ou, ainda, que não atendam requisitos mínimos de transparência, segurança e confiabilidade.
Caso o condomínio ainda faça a opção pela realização da assembleia virtual, a AABIC recomenda que todos os condôminos estejam cientes dos riscos atrelados a esse formato de votação.
Graiche Júnior também ressalta que os empreendimentos devem contratar um sistema a prova de fraudes, que permita a todos os participantes acessar a assembleia com usuário e senha, preferencialmente, por meio de assinatura via certificação digital. É importante ainda disponibilizar treinamento para que todos os condôminos tenham a oportunidade de conhecer a dinâmica de utilização da plataforma.
A AABIC ainda enfatiza que os condomínios devem ser cautelosos na avaliação de procedimentos a serem adotados em função de situações adversas, como a pandemia do novo Coronavírus, em outras questões, além da implantação de sistema de assembleia virtual. Graiche Júnior observa que ter excesso de precaução pode ajudar os condomínios a resistir a ofertas de ocasião com propostas oportunistas de empresas sem qualificação para tanto.
Confira a íntegra do parecer jurídico
PARECER JURÍDICO
São Paulo, 27 de março de 2020.
Aos síndicos, gerentes e representantes da área condominial.
Ref. Assembleias virtuais – riscos e requisitos.
I - INTRODUÇÃO
O tema “assembleias virtuais ou digitais” não é uma novidade na área condominial. Com o avanço da tecnologia e com a população cada vez mais conectada, é comum que condomínios procurem essa modalidade para agilizar e deixar mais prático o ato da assembleia condominial.
Devido a pandemia do “Coronavírus” (COVID-19), tal modalidade voltou à lume, sendo um assunto recorrente em tempos onde se evita grandes aglomerações, porém existem riscos que devem ser levados em consideração, em especial quando se trata de um tema novo e que pode gerar prejuízos futuros aos condomínios.
II – DA LEGALIDADE E DOS RISCOS DA ASSEMBLEIA VIRTUAL
Primeiramente é importante lembrar que todo condomínio é obrigado, por lei, a ter ao menos uma assembleia geral por ano, a denominada Assembleia Geral Ordinária – AGO, nos termos do Art. 1.350 do Código Civil, que será, em regra, convocada pelo síndico.
Cada convenção de condomínio determina a forma como a assembleia será conduzida, como a eleição de um presidente de mesa e secretário para a redação da ata, devendo estar previsto a possibilidade de assembleia virtual, bem como quais os seus requisitos mínimos para sua realização.
Nenhum condômino pode ter seu direito tolhido de participar e votar nas assembleias por óbice técnica, especialmente caso algum morador não tenha acesso a internet ou tenha dificuldades de utilizá-la.
Além disso, as plataformas digitais que oferecem esse serviço precisam ter uma segurança redobrada, para garantir que o signatário é realmente o proprietário, inclusive se recomenda a utilização de assinatura/certificado digital, que garante a lisura do processo.
O registro e a forma da redação da ata são pontos que devem ser considerados e esclarecidos previamente, pois o condomínio pode ter problemas na hora registrar a ata.
O que se frisa, neste momento, é que o processo de assembleias virtuais ainda é inicial no Brasil, sendo que qualquer condômino que se sinta prejudicado ou até mesmo que tenha dúvidas sobre a segurança eletrônica da votação, poderá pleitear a anulação da assembleia, podendo agravar a situação do condomínio, ao invés de solucionar o problema.
Neste momento atípico da sociedade, em meio a pandemia do COVID-19, é temerário realizar tal procedimento, podendo equiparar-se a utilização de medicamentos não testados cientificamente, visto que não se sabe como o judiciário irá decidir sobre essas assembleias sem previsão na convenção ou sem atender requisitos mínimos de transparência e confiabilidade.
III – DOS REQUISITOS MÍNIMOS
Caso o condomínio entenda os riscos e opte pela realização da assembleia virtual, alguns requisitos devem ser cumpridos, sendo eles:
1. Ter previsão expressa na Convenção do Condomínio ou o tema ter sido discutido previamente em assembleia, deixando a coletividade ciente dos riscos;
2. Contratar um sistema eletrônico a prova de fraudes, certificado e com segurança digital;
3. Ter a possibilidade de auditagem de votos e transparência na hora da realização da assembleia;
4. Cadastro de todos os condôminos via eletrônica, entrando com seu usuário e senha, preferencialmente obtendo assinatura via certificação digital;
5. Treinamento prévio e capacitação de todos os condôminos para que todos possam conhecer o sistema e entender a nova sistemática.
Embora não seja impraticável, ainda existem barreiras tecnológicas, legais e de costumes a serem superadas, no que se refere à realização de assembleias virtuais em condomínios, sendo claro que existem riscos na sua realização sem a prévia análise e preparação da coletividade.
Recomenda-se a um condomínio que nunca realizou uma assembleia neste formato, que se convoque os condôminos para saber a opinião de todos, implantando um sistema a médio e longo prazo, para haver tempo hábil de todos os condôminos se acostumarem com a nova modalidade.
IV – CONSIDERAÇÕES FINAIS
O tema das assembleias virtuais ainda é recente e não é usualmente utilizado pelos condomínios, sendo uma ferramenta promissora, mas que precisa ser amadurecida e aprimorada.
Muitas barreiras devem ser vencidas antes da implantação deste sistema de assembleia, não podendo nenhum condômino ser excluído de participar, seja por problemas técnicos ou por dificuldade de entender o sistema, por isso é importante que seja aprovada essa modalidade pela coletividade e que sejam avaliados os custos e feitos testes antes da implantação final.
Embora seja juridicamente possível, não é recomendado que se utilize de situações atípicas como a pandemia do COVID-19 para a realização de assembleias virtuais sem a aprovação e treinamento de toda a coletividade, visto que o ato poderá ser objeto de discussão judicial e o condomínio poderá ter mais um problema ao invés de solucioná-lo.
Como toda novidade, é necessário ter um prazo para adaptação dos condôminos, como um medicamento em fase de testes, para que o sistema possa estar apto e seguro para passar transparência e credibilidade à coletividade, não podendo ser utilizado como “fórmula mágica” de solução imediata, sob risco de causar problemas maiores ao condomínio.
Em casos de urgência na convocação da assembleia, o condomínio pode se valer de medidas judiciais visando a obtenção de liminar para a prorrogação de mandato de síndico ou outro tema inadiável, evitando aglomerações e minimizando riscos de uma eventual anulação da assembleia.
Sem mais para o momento, subscrevemos.
Fonte: AABIC