Síndico mirim coopera e aprende
Veja o exemplo de um condomínio de Curitiba, que mostra que ouvir as crianças é positivo, tanto para elas como para os adultos
ANA CAROLINA NERY
Com quase unanimidade de votos, Mariana da Silva, de 12 anos, foi eleita síndica mirim do condomínio onde mora, na Barreirinha, em Curitiba, com 72 apartamentos e 280 moradores. Outros três vizinhos, Isabella, 12, Eron, 9, e Emma, 7, completam o time administrativo, como conselheiros. Eles foram eleitos por cerca de 20 crianças em sistema de votação secreta no salão de festas. Não houve candidatura nem período de campanha. Cada criança do condomínio escreveu em um pedaço de papel qual dos colegas gostaria que fosse eleito para assumir os cargos. “Foi muito legal ser eleita. Ajudará a conquistar algumas coisas para as crianças do condomínio”, afirma a sindica mirim.
O síndico “oficial”, Roberson Ludgero, conta que a ideia de criar uma equipe mirim de colaboradores surgiu no ano passado, logo que assumiu a função, após uma moradora do condomínio sugerir que fossem realizadas encontros com as crianças, com objetivo educativo, para tratar sobre assuntos, como convívio social e reciclagem, e buscar a cooperação deles no dia a dia.
“Tudo começou por causa de uma criança muito levada do condomínio, que aprontava muito. O objetivo da proposta é fazer com que as crianças façam suas reivindicações em suas áreas de interesse e, em contrapartida, que obedeçam as regras e tenham cuidado com o que é comum”, diz. A eleição foi anunciada em todos os blocos e apoiada pelos pais das crianças.
Em paz com o “inimigo”
Diferentemente do condomínio de Curitiba, a síndica Viviana Rasia tem de lidar com cerca de 500 crianças do residencial que administra, com a ajuda de quatro subsíndicos, na capital de São Paulo. O local tem 400 apartamentos e 1,6 mil moradores. Até poucos meses atrás a síndica recebia, quase diariamente, reclamações dos condôminos. A maioria das denúncias era em relação a vandalismo, causado pelas crianças do local – 52 câmeras comprovavam o problema, como depredação de jardins e uso inadequado dos brinquedos da área de lazer.
A turminha não demorou a entrar em ação. Com pouco mais de um mês da eleição, conseguiram a aprovação de um projeto que transforma a área verde de cerca de 500 metros quadrados do residencial em um espaço de lazer para as crianças e os adultos. “Eles pediram um local para brincar. Foi feita limpeza no bosque nos fundos do condomínio e está sendo construída uma pista de 120 metros em torno dele, onde poderão andar de bicicleta e patins, e os adultos poderão fazer caminhadas. Também terão bancos e iluminação”, revela Ludgero. Mas para conquistar o espaço tiveram que atender a uma condição, explica o síndico. “Além de terem uma opção de lazer, deixarão de brincar no estacionamento e em volta dos blocos. Alguns andavam de bicicleta entre os carros e é proibido.”
Após poucas semanas, Ludgero percebe os resultados positivos. “As crianças melhoraram muito o comportamento e as reclamações em relação a elas diminuíram. Elas se sentem prestigiadas e ajudam a fiscalizar umas as outras”, comemora. Para Isabella, o fato de ter uma síndica mirim permite que as crianças compreendam melhor as exigências do condomínio. “O síndico pode não saber direito como falar de um jeito que a gente entenda. Mas se for a Mariana, que é criança como a gente, podemos receber melhor.”
Função é símbólica, mas aprendizado é real
O síndico mirim tem as mesmas responsabilidades de um síndico “de verdade”, de fiscalizar, propor melhorias e primar pela boa convivência entre vizinhos. Entre os curitibanos o cargo é raro, mas pode ser positivo, na avaliação do proprietário da ARS Condomínios, de Curitiba, Alder Spindler. “As crianças têm muitas ideias que podem ser aproveitadas em suas áreas de interesse, como em áreas de lazer”, comenta.
Em São Paulo, onde a população é dez vezes maior que na capital paranaense, esse tipo de ação nos condomínios é frequente, afirma a advogada Lidiane Genske Baia, especialista em direito condominial, do escritório paulistano Rachkorsky Advogados Associados. “Hoje temos muitos condomínios com conceito de clube, onde moram muitas crianças e adolescentes. Normalmente eles fazem bagunça. Quando se envolvem com a administração, aprendem a respeitar e adquirem senso de comunidade”, avalia.
Segundo Lidiane, não há impedimento legal para a prática, que deve ser simbólica e ser vista como uma colaboração em troca de benefícios para elas mesmas. “O condomínio que adere deve colocar algum tipo de meta, como alcançar um determinado objetivo em certo período de tempo. Ou após três meses, por exemplo, oferecer uma festa, um presente de uso comum ou melhoria de uma área de lazer”, sugere.
Fonte: http://www.gazetadopovo.com.br
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