Perigos das "falsas" assembleias virtuais para condomínios
Para advogado, realizar reunião on-line, sem previsão na convenção, abre margem para impugnações
Por Rodrigo Karpat*
Estamos vivendo um triste momento de crise mundial provocada pelo coronavírus, que tem exigido muito de todos nós, situação que é um consenso.
De igual modo, o trabalho que estamos tendo em nossos prédios para manter as áreas comuns fechadas, impedindo obras, tratando com funcionários, enfim, um verdadeiro gerenciamento de crise, o que tem levado o nível de desgaste do gestor ao limite e fazendo inclusive muitos síndicos renunciarem justamente no momento em que o condomínio mais precisa deles.
As questões centrais neste momento são: 1) Como proceder com o mandato vencido do síndico sem a possibilidade de realização de assembleia e 2) a viabilidade da realização da assembleia virtual.
Mandato vencido
O término do mandato do síndico com certeza é um grande problema a ser superado neste momento de pandemia, pois estamos diante da impossibilidade de se realizar assembleias por força dos decretos em âmbito Municipal, Estadual e Federal que impedem aglomeração de pessoas.
Em tempos normais a orientação óbvia é que o condomínio eleja seu representante legal antes do término do mandato.
Precisamos considerar que com a impossibilidade involuntária de eleição de novo representante legal do condomínio, o antigo síndico continua no mandato até a nova eleição, mesmo considerando que poderá haver prejuízo com esta medida, tais como; a falta de representatividade para representar o condomínio em juízo ou perante as instituições financeiras.
Neste sentido, em muitos casos se faz mister o ingresso com medida judicial para garantir a representatividade do condomínio perante as instituições financeiras, caso estas não renovem a procuração para movimentação da conta bancária do condomínio. Neste sentido:
“Trata-se de pedido de jurisdição voluntária com o único propósito de validar a administração do Condomínio durante o período de pandemia instalada pelo 'COVID-19 – CONONAVÍRUS', uma vez que a Assembleia Ordinária para eleição de síndico não pode ser realizada, devido a determinação de isolamento e quarentena.
É certo que em condomínios com grande número de unidades, na normalidade, os interesses são distintos, o que pode causar discussões, algumas vezes acaloradas, ou meramente democráticas.
Entretanto, levando-se em consideração o estado social e de saúde atual que vive o País e, principalmente o Estado de São Paulo, epicentro da 'crise', a providência do Condomínio é mais que prudente. É humanitária. Sendo absolutamente possível postergar por alguns meses nova eleição. O que não pode ocorrer é deixar o Condomínio acéfalo, sem direção e representante para administração e responsável.
Assim sendo, levando em consideração o contexto da situação, DEFIRO A LIMINAR para estender o mandato do síndico e corpo diretivo do Condomínio até que o Governo do Estado ou a Prefeitura do Município libere os cidadãos da quarentena imposta.”
Decisão de primeira Instância da 2ª Vara Cível do Foro Regional da Lapa da Comarca da São Paulo-SP, Processo nº 1003376-67.2020.8.26.0004
Quanto ao término do mandato do síndico, o imortal J. Nascimento Franco aduziu:
“Quando termina o prazo do mandato do síndico sem a eleição de outro, duas soluções podem ocorrer para se evitar a acefalia do condomínio: o síndico continua até a eleição no exercício da função, ou a transfere ao subsíndico, se existir, ou, ainda, a qualquer outro membro do conselho Fiscal, que deverá convocar logo uma Assembleia para eleger nova administração” J. Nascimento e Franco, 5ª edição Editora Forense, 2009.
Nas situações acima destacadas, entendo que os atos praticados necessariamente devam ser ratificados em assembleia a ser convocada no momento possível.
E ainda, podemos nos socorrer, utilizando por analogia ao Condomínio Voluntário, temos no Art. 1.324 do CC, que o condômino que administrar sem oposição dos outros presume-se representante comum.
Assembleia virtual
A assembleia virtual não encontra um procedimento específico na legislação condominial, o que podemos observar é que o artigo 1.350 do Código Civil determina que:
“convocará o síndico, anualmente, reunião da assembleia dos condôminos, na forma prevista na convenção (...)”.
Assim, este dispositivo de lei possibilita que a convenção de condomínio estabeleça a forma e os parâmetros para realização de assembleias virtuais, caso não esteja prevista tal possibilidade no ato de instituição do condomínio, somente será possível implementar a votação virtual com a condição de alteração da convenção com o voto de 2/3 dos condôminos.
De tal sorte que, a assembleia virtual esteja prevista na convenção, a realização de uma assembleia virtual requer provas de que todos condôminos foram convocados, que os participantes são realmente os condôminos, que as decisões foram discutidas, e que a redação da ata condiz com o que foi deliberado.
Situações que por si abrem margem para impugnações e por isso as assembleias virtuais são pouco usadas e não recomendadas mesmo antes da pandemia.
O direito condominial por algumas vezes utiliza-se, por analogia, da sistemática das empresas de capital aberto para sanar questões ainda não previstas na legislação condominial.
E neste sentido, sobre a assembleia virtual no âmbito das S/A, a Lei nº 12.431, de 24 de junho de 2011/ Conversão da Medida Provisória nº 517, de 2010, institui:
“Art. 121. Parágrafo único. Nas companhias abertas, o acionista poderá participar e votar à distância em assembleia geral, nos termos da regulamentação da Comissão de Valores Mobiliários.” (NR)
Assim, a Comissão de Valores Mobiliários (CVM), que disciplina, normaliza e fiscaliza a atuação dos diversos integrantes do mercado de Capitais emitiu Ofício 257/2008 definindo que uma "assembleia on-line" é aquela que funciona por meio de voto por procuração eletrônica específica para cada acionista/cotista.
Sendo neste caso, o acionista/cotista possui um prazo para votar que, via de regra, é da data de publicação do edital de convocação até um dia antes da assembleia. Esse período pode variar de acordo com a política interna e com o estatuto social/regulamento de cada companhia ou fundo. Ou seja, no caso das S/A, a assembleia física ocorre mesmo com a coleta antecipada de votos de forma virtual.
Quanto às assembleias virtuais no âmbito condominial, temos em tramitação o Projeto de Lei n° 548, de 2019, o qual acrescenta art. 1.353 à Lei nº 10.406, de 10 de janeiro de 2002, para permitir à assembleia de condomínios edilícios votação por meio eletrônico ou por outra forma de coleta individualizada do voto dos condôminos ausentes à reunião presencial, quando a lei exigir quórum especial para a deliberação da matéria, de autoria da Senadora Soraya Thronicke (PSL/MS). Destaco que a assembleia virtual neste caso somente seria possível para casos de quórum especial.
- Conheça mais sobre o PL 548/2019
Em momentos como este que estamos vivendo, um verdadeiro estado de “exceção”, os poderes do síndico se asseveram, pois, pelas restrições legais, inviável convocar assembleias para deliberar o que seria corriqueiro em tempos normais.
Ao síndico caberá fazer o que for preciso, sempre de encontro com os preceitos constitucionais, as leis, os decretos emergências, e ter a ciência que irá responder pelos excessos e prejuízos à massa.
A tomada de decisões deve estar neste momento único de pandemia, respaldada pela vontade colegiada do conselho face a impossibilidade de convocação de assembleia.
Sendo que a realização de assembleias virtuais sem que exista a previsão na convenção ou lei aprovada neste sentido, as decisões em ambiente virtual representarão uma falsa sensação de segurança e, em um segundo momento, quando a vida se normalizar, teremos uma enxurrada de pedidos judiciais de cancelamento de assembleias virtuais ocorridas no momento da pandemia, que foram realizadas contrariando o ordenamento jurídico.
As medidas administrativas por parte dos síndicos, que estejam em consonância com o momento atual e tenham a razoabilidade necessária, mesmo que possa parecer autoritário neste momento, têm respaldo legal, pois o síndico age por mandato e seus atos podem ser posteriormente ratificados.
Diferentemente de uma assembleia virtual que, por exemplo, ocorra sem a convocação de todos, e teria nulidade insanável, se agravando pelo fato de que os gestores que realizarem assembleias virtuais não terão a tendência de submeter tais decisões a assembleia quando o momento passar, acreditando que já o fizeram de forma virtual.
Nesse raciocínio, e de encontro com o acima aduzido, faz sentido que o síndico, munido do seu poder de mandato, com a incumbência de agir em prol da sua comunidade, a qual a ele delegou poderes, tome as decisões necessárias para manter a gestão do seu condomínio saudável, seja para o fechamento de áreas comuns, seja para a suspensão momentânea do fundo de obras.
Temos que ter sempre em mente que em tempos normais, o síndico deve submeter grande parte dos seus atos de gestão à aprovação de assembleia, tais como: realização de obras, compra de equipamentos, suspensão ou realização de rateios extras, entre outros, mas que também, dentro do exercício das suas funções, o síndico tem o poder/dever de tomar medidas administrativas sem que necessariamente precise passar pela assembleia, como por exemplo: multar unidade infratora, efetuar reparos emergenciais, soltar circulares, entre outros.
Isso porque parte das suas atribuições estão pré-definidas na Convenção e aprovada em assembleia. E em momentos de pandemia (Covid-19), quando decretos e recomendações da Organização Mundial de Saúde cerceiam o funcionamento de empresas, impõem quarentena, isolamento social, confere ao síndico que algumas medidas sejam tomadas mesmo sem a aprovação em assembleia.
(*) Dr. Rodrigo Karpat é advogado militante na área cível há mais de 10 anos, é sócio-fundador do escritório Karpat Sociedade de Advogados e considerado um dos maiores especialistas em Direito Imobiliário e em questões condominiais do país. Além de ministrar palestras e cursos em todo o Brasil, é colunista da ELEMIDIA, do portal IG, do site SíndicoNet, do Jornal Folha do Síndico, do Condomínio em Ordem e de outros 50 veículos condominiais, além de ser consultor da Rádio Justiça de Brasília e ter aparições em alguns dos principais veículos e programas da TV aberta, como "É de Casa", "Jornal Nacional", "Fantástico", "Programa Mulheres", "Jornal da Record", "Jornal da Band", entre outros. Também é apresentador do programa "Vida em Condomínio", da TV CRECI. É Coordenador de Direito Condominial na Comissão Especial de Direito Imobiliário da OAB-SP e integrante do Conselho de Ética e Credenciamento do Programa de Auto-regulamentação da Administração de Condomínios (PROAD).