PL 2510/2020: condomínios na luta contra violência doméstica
O Projeto de Lei aprovado no Senado, e que se encontra em tramitação na Câmara dos Deputados, é um grande avanço, mas precisa de reparos. Advogado aborda os ajustes
Por Diego Basse*
Em julho de 2020, foi aprovado pelo Senado o Projeto de Lei nº 2510/2020, do senador Luiz do Carmo (MDB-GO), que obriga moradores e síndicos de condomínios a informar casos de violência doméstica às autoridades competentes.
O texto, que está em tramitação na Câmara dos Deputados, certamente simboliza uma forma de redução dos alarmantes números de violência doméstica no Brasil, uma vez que o país atualmente ocupa o quinto lugar entre os países mais violentos do mundo.
A ideia central do projeto é de estabelecer que condôminos, locatários e síndicos de condomínios denunciem casos de violência familiar, que venham a tomar conhecimento na rotina condominial, seja nas áreas comuns do condomínio, seja dentro das unidades habitacionais.
Importante mencionar que a referida violência não necessita ser, necessariamente, contra a mulher. O texto inclui igualmente violência praticada contra crianças, adolescentes, idosos e pessoas com deficiência física ou mental.
A proposta chegou em bom momento. Em tempos de pandemia, o Brasil registrou um aumento exponencial no número de casos de violência contra a mulher em praticamente todos os estados.
- [INFORMATIVO] Violência doméstica em condomínios na quarentena
Em 2020, o número de prisões em flagrante, em São Paulo, decorrentes de violência doméstica saltou de 177, registradas em fevereiro, para 268 no mês de março. O Rio de Janeiro registrou um aumento de 50% nos casos de violência doméstica, conforme destaca a Organização das Nações Unidas para Prevenção e Eliminação da Violência contra Mulheres.
Contudo, cabe análise criteriosa no âmbito condominial, pois o Projeto de Lei precisará de ajustes no tocante ao cotidiano condominial e as responsabilidade já insertas no Código Civil, que derrogou parcialmente a Lei 4591/64 no tocante às questões condominiais, na prática, inclusive para discussões judiciais, a legislação aplicada no dia a dia é a Lei 10.406/2002, dos artigos 1331 a 1358.
Um ajuste, que espera-se seja feito na Câmara dos Deputados, diz respeito à figura do “administrador” que na Lei 4591/64 se confundia com a função do síndico.
Atualmente o síndico pode delegar suas funções, conforme preceitua o artigo 1348, § 2º do Código Civil e as responsabilidades mencionadas no Projeto de Lei recairiam sob tal “preposto” ou representante do síndico.
- Tudo sobre violência doméstica em condomínios
Outro aspecto a ser ajustado são os fundamentos para a destituição do síndico, que segundo o projeto de lei, a omissão em relação aos caso de violência doméstica podem ensejar a destituição.
Contudo, cumpre-nos lembrar que a destituição demanda a formalização do ato, por meio de assembleia especialmente convocada para esse fim, ou seja, toda a massa condominial, observando os preceitos dos artigos 1349 e 1355 do Código Civil , deverá obter ¼ (um quarto) da assinatura dos condôminos (artigo 1355 do CC.) para convocar assembleia extraordinária tendo como ordem do dia pauta específica para tratar da destituição do síndico.
No entanto, a nova lei inova trazendo o seguinte acréscimo à questão da destituição sob o fundamento da omissão nos casos em que haja necessidade de intervir por força da violência doméstica, conforme indicamos:
§ 3º O descumprimento, pelo síndico ou administrador, do dever a que se refere o inciso IV do caput deste artigo:
I – acarretará a destituição automática do síndico e do administrador de suas funções, desde que lhes tenha sido imposta, previamente, penalidade de advertência ou equivalente por assembleia geral especialmente convocada para esse fim;
II – sujeitará o condomínio, a partir da segunda ocorrência, ao pagamento de multa de cinco a dez salários de referência, revertida em favor de programas de erradicação da violência doméstica e familiar contra a mulher, aplicando-se o dobro, em caso de reincidência. (NR)”.
Fica uma questão: quem aplicará advertência ao síndico? O conselho? A vítima da violência doméstica? ¼ (um quarto) dos condôminos? Qualquer condômino?
Ou seja nos parece que o mandamento legal nesse item é natimorto, pois é inexequível.
A segunda parte do inciso I, nos parece mais plausível quando analisado em interpretação sistemática da legislação vigente e da inovação do projeto, ou seja, a flagrante omissão do síndico deverá ser discutida em assembleia própria, sujeita à imediata ou “automática” destituição.
Não nos parece razoável o síndico, no meio das suas já incontáveis responsabilidades, ainda ter sob sua cabeça a “espada” da destituição “automática”. Ou seja nos parece que o texto acima é natimorto, pois é inexequível.
Sem perder de vista que a ação ou omissão (no caso) devem ser devidamente comprovadas, sob pena de não haver fundamento para a referida destituição.
Outra questão a ser debatida e que merece reparo pelos nobres deputados é a questão da imputação de penalidade em face do condomínio. Ficam aqui duas indagações: quem fiscalizará e imputará multa e quem denunciará eventual omissão. Autoridade policial, Ministério Público? Talvez...
Sob o olhar pragmático, a nova legislação é uma ferramenta do síndico para que ele, municiado da responsabilidade legal, contrarie o velho ditado “em briga de marido e mulher ninguém mete a colher”, sob a égide da nova legislação o síndico poderá “meter a colher”, justamente para evitar tragédias familiares, que diuturnamente preenchem os noticiários sensacionalistas.
O síndico poderá acionar as autoridades policiais e exigir a interferência dessa autoridade, quiçá lavrando boletim de ocorrência, denunciando a violência contra a mulher, que outrora dependia tão somente da denúncia da vítima, que por motivos óbvios prefere muitas vezes se calar.
Compete ainda ao síndico “educar” a massa condominial para conter a violência doméstica, afixando placas e ou comunicados nas áreas comuns, preferencialmente nos elevadores, para coibir a prática de violência doméstica contra a mulher.
- [DOWNLOAD] Cartaz de conscientização sobre violência doméstica
Outra importante inovação da lei é a imputação do dever ao condômino e ou locatário, ou seja qualquer morador, que ao usufruir da unidade não poderá praticar atos de violência contra a mulher, ficando sujeito às penalidades disciplinares do próprio condomínio.
Além disso, impõe aos condôminos o dever de comunicar ao síndico os atos de violência contra a mulher, para que este promova a obrigatória comunicação às autoridades policiais.
Concluímos que a intenção do senador e do Senado ao aprovar o referido Projeto de Lei é indiscutivelmente boa, pelas exposições preliminares traz um avanço nas lutas seculares das mulheres, é uma grande conquista e uma imenso avanço social.
Porém, para que a lei não perca seu verdadeiro sentido (de prevenir o fato social nocivo e ser exequível), são necessários reparos e aqueles que lidam com as questões condominiais no dia a dia, ou seja, síndicos, administradores e advogados, devem reverberar as inconsistências, para recebermos uma nova lei, caprichosamente ajustada como o é a alma de mulher.
(*) Diego Gomes Basse (OAB/SP 252.527) é palestrante e sócio titular da Banca de Advogados Gonçalves, Basse & Benetti Advogados (escritório associado à AABIC e ao SECOVI/SP.). É também consultor e advogado especialista em Direito Condominial; militante na área há mais de 15 anos. Basse é ainda presidente da Comissão de Direito Condominial da Subseção da OAB /SP da Comarca de Barueri; e consultor e colaborador do Instituto Cacau Show.