Por que árvores caem e ficamos sem luz?
Falta de planejamento e coordenação, poda de árvore ineficaz, baixo investimento em manutenção e modernização de serviços essenciais - como distribuição subterrânea - estão entre os motivos
Há tempos, foi definido em nosso país, a exemplo de outros, que serviços básicos e de interesse coletivo seriam geridos pelo Estado. E assim foi por muito tempo. Porém, como “a máquina estatal” muitas vezes apresentava vícios que implicavam em custos elevados e morosidade, partiu-se para a privatização de muitas dessas empresas, de tal forma que vivemos um misto de serviços públicos e privatizados na atualidade.
Deixando de lado o “como” esses processos de privatização foram conduzidos, há de se convir que, a ideia da privatização, a princípio, seria muito interessante. Afinal, haveria métrica, compromissos, concorrência e consequentemente cobranças mais efetivas.
Vimos, por exemplo, esse processo acontecer com nossas rodovias, e no geral, deu muito certo. Pagamos caro, sim, para rodar nas estradas paulistas, mas temos, no geral, pistas seguras e bem mantidas.
Falta de investimento em manutenção e modernização em serviços essenciais
Contudo, olhando o que ocorre nas ruas, e não nas estradas, e examinando mais de perto a entrega de algumas concessionárias privatizadas, o balanço geral beira a catástrofe. Pior que o mesmo vale para empresas que não foram privatizadas e seguiram na mesma toada de antes.
Ou seja, tanto faz se pública ou privatizada, o que temos como entrega de serviços essenciais como energia elétrica, por exemplo, é resultado de falta de investimento em manutenção e modernização.
Em resumo, o que vivemos é um mix de relações, entre o cidadão e o provedor, o qual independente de envolver uma empresa estatal ou uma empresa privada, que continuou se mostrando altamente ineficiente em setores críticos. Falta planejamento. Falta coordenação.
Apagões homéricos: chuvas, ventos e fragilidade da rede de distribuição aérea
Falando então da concessionária de eletricidade, cujo início do processo de privatização iniciou-se em 1998, ela em sido a grande responsável por apagões homéricos, que deixaram milhões de pessoas no escuro por até uma semana, pelo menos duas vezes no último ano, na cidade de São Paulo.
Por que isso aconteceu? A resposta é bem clara e evidente: por causa das chuvas e ventos e a fragilidade de uma rede de distribuição área.
Em ruas onde a distribuição é subterrânea as tempestades de verão não pregam peça alguma. Aliás, em regiões do centro de nossa capital, condomínios nem em geradores investem, tão raros são os eventos de falta de fornecimento de energia elétrica. Isso exatamente porque cabos e transformadores se encontram debaixo da terra, em calhas técnicas.
Avenidas Paulista e Faria Lima, rua Vitório Fasano e outros endereços nobres de nossa capital já funcionam assim e a pergunta que não quer calar é: será que não houve tempo nem dinheiro para a concessionária ampliar a malha subterrânea nos últimos 26 anos, uma vez que a solução é conhecida?
Vejam, não é que estamos buscando desenvolver uma vacina, descobrir uma substância milagrosa para a cura desse mal. Já temos o diagnóstico e temos o remédio. Mais grave ainda é ver a falta de iniciativa em se fazer, ao menos, uma profilaxia básica, que seria a poda da vegetação.
Seriam as árvores as vilãs?
Todos os noticiários retrataram em primeira página as responsáveis por quase todos os rompimentos de cabos e estouros de transformadores em momentos de eventos climáticos drásticos: as árvores.
Na verdade, permitam-me fazer uma correção, pois estou sendo injusta. Algumas podas foram feitas sim. E muito mal-feitas. Assimétricas, deixando as árvores com copas tortas, mais pesadas de um lado.
Se somamos isso ao enfraquecimento das raizes pelo ataque dos cupins de solo, historicamente nunca combatidos, temos a situação perfeita para que qualquer ventinho e chuva mais pesada desestabilizem nossas frondosas árvores, levando-as à knockout sobre cabos, carros e infelizmente até pessoas.
Essa falta de gestão do setor de energia elétrica gera inconvenientes e prejuízos enormes à população. Empobrece a paisagem urbana mutilando a arborização.
Faz com que gestores condominiais enfrentem desafios inimagináveis como os de prover o abastecimento de energia elétrica ao custo de dispendiosos e poluentes geradores a diesel.
Não precisamos de um milagre. Temos a solução, temos os recursos, falta apenas a vontade empresarial e política de fazer acontecer. De toda forma, oremos, pois é o que, às vésperas de um verão tropical, nos resta fazer.
(*) Lígia Ramos é Arquiteta Urbanista e Bióloga pós-graduada, síndica profissional da D’Accord, com atuação há mais de 20 anos no mercado. Gosta de cuidar de aspectos práticos do condomínio, incluindo gestão de áreas verdes. Faz gestão de pessoas, traça planos estratégicos e cria canais de comunicação com seus condôminos.