Proibição de voto por procuração em eleição de síndico
Neste artigo, o advogado André Luiz Junqueira tece suas considerações sobre o polêmico Projeto de Lei 6291/19
Há poucos dias, a Câmara dos Deputados divulgou em seu portal a “lembrança” de que existe o Projeto de Lei nº 6291 de 2019 que tem apenas um comando: proibir o uso de procurações em eleições de síndico, bem como em votações de associações e cooperativas.
Provavelmente foi influenciada por uma recente e lamentável notícia de determinada assembleia em condomínio paulista que terminou em confusão por conta do síndico ter em seu poder cerca de 500 procurações.
O projeto, de autoria do deputado Professor Israel Batista (PV-DF) e proposto em 4 de dezembro de 2019, é curto e objetivo, possuindo apenas 2 artigos, reproduzidos a seguir: “Art. 1º Fica vedada a utilização de voto por procuração nas eleições para síndico de condomínio, bem como nas votações em associações e cooperativas. Art. 2º Esta lei entra em vigor na data de sua publicação.”
Na justificativa do projeto de lei, o deputado afirma que uso de procurações para votar “tem servido, ao longo do tempo, para desvirtuar a vontade de coletividades, deslegitimando processos eleitorais, senso de participação comunitária e, normalmente, perpetuando no poder grupos que, por algum motivo, tenham esses papéis em mãos.”
E vai além, dizendo que “tendo em vista o processo eleitoral nacional, quando se trata de representantes de municípios ou de Estados, caso o cidadão esteja fora da zona eleitoral o mesmo é impedido de votar. Considerando que as unidades condominiais, as associações e as cooperativa são importantes representações de pequenas comunidades, o voto por procuração não é democrático.”
Dúvidas surgem a partir do Projeto de Lei que proíbe o uso de procurações em eleição de síndico
Lendo e refletindo sobre o projeto, surgem dúvidas, como:
- Se o voto por procuração não é democrático, qual o motivo do projeto de somente proibir procurações na eleição do síndico? Então é democrático usar procurações para eleição do conselho, destituição do síndico, prestação de contas, aumento da quota de condomínio, alteração da convenção e muitos outros assuntos?
- Qual o motivo de se colocar no projeto condomínios, associações e cooperativas juntos? Todos possuem naturezas jurídicas diferentes e, no caso de associações e cooperativas, sequer existe a figura do síndico.
- Em vez de suprimir o direito do condômino de outorgar poderes para pessoa de sua confiança, não seria melhor proibir que o síndico ou outros membros da administração recebam procurações? Afinal, se estes se utilizam dos cargos para obter vantagem desproporcional de acúmulo de procurações durante seus mandatos, não seria mais efetivo proibi-los de receber?
- Não é mais possível uma pessoa jurídica votar em eleição de síndico? Afinal, toda pessoa jurídica é representada via procuração, contida na cláusula mandato do contrato social (sócio administrador) ou documento avulso.
- Não é mais possível que advogados ou outros procuradores representem seus clientes/outorgantes em assembleia? Não pode o(a) filho(a) representar os próprios pais proprietários e idosos que não desejam ir a uma possível desgastante assembleia de eleição?
- Chegaram a pensar que o uso de procurações é geralmente a única forma de “vencer” proprietários de muitas unidades (como investidores)? Isso é democrático então?
Basta pensar nas respostas para se convencer da infelicidade e ingenuidade da redação do projeto, que sequer chega perto de atingir seu objetivo de tentar coibir o abuso de direito em uma assembleia.
O uso exagerado de procurações é apenas uma das formas de se desvirtuar uma assembleia. Se o projeto for aprovado, o abuso se dará de outra forma, como a estratégia comum de tumultuar uma assembleia ao máximo para que as pessoas de retirem e apenas os que resistirem e permanecerem é que votarão.
Direito Eleitoral x Direito Assemblear
A analogia do Direito Eleitoral, que é público, com o Direito Assemblear, que é privado, nem sempre é aplicável. A ideia da democracia também não é perfeitamente aplicável em tudo no Direito Assemblear.
O melhor exemplo disso é o fato de que, quanto mais unidades um proprietário tem, mais votos ele pode utilizar, algo impensável quando se fala de Direito Eleitoral.
No Direito Eleitoral, todas as pessoas e votos são iguais e nem existe o voto de pessoa jurídica. Uma pessoa representa um voto no país.
No entanto, em condomínio, um apartamento representa um voto, e uma pessoa física ou jurídica pode ter muitos apartamentos.
O uso de procurações, muito embora possa ser limitado, não pode ser proibido absolutamente, sob pena de prejudicar, aí sim, a possibilidade da participação da coletividade na assembleia do condomínio.
O uso excessivo de procurações pode realmente desvirtuar qualquer tipo de deliberação (não só a eleição), mas eventual abuso de direito (artigo 187 do Código Civil) pode ser contido pela convenção (preventivamente) ou pelo Poder Judiciário (corretivamente).
Resta apenas torcermos para que o projeto seja rejeitado na sua totalidade ou remodelado totalmente.
Da forma como está, ganhará força a manobra desleal que também é muito utilizada por grupos que desejam o “comando” do condomínio: tumultuar ao máximo a assembleia para que os proprietários fujam esse tipo de reunião e os deixem livres para votarem o que quiserem.
Nesse caso, felizes serão os condôminos antissociais que esvaziam as assembleias com suas provocações e tumultos para poderem, finalmente, serem síndicos – que é o sonho de muitos.
(*) André Luiz Junqueira é professor, advogado com mais de 14 anos de experiência e autor do livro “Condomínios – Direitos & Deveres” (www.andreluizjunqueira.com.br). Pós-graduado em Direito Civil e Empresarial pela Universidade Veiga de Almeida (UVA). MBA em Gestão Empresarial pela Fundação Getulio Vargas (FGV). Certificado em Negotiation and Leadership pela Universidade de Harvard (HLS). Professor convidado da Escola Superior de Advocacia (ESA) da OAB/RJ, SECOVIRio, ABADI, ABAMI e GáborRH. Membro da Comissão de Direito Urbanístico e Imobiliário (CDUDI) da OAB/RJ. Membro da Comissão de Turismo (CT) da OAB-RJ. Membro e ex-diretor jurídico da Associação Brasileira de Advogados do Mercado Imobiliário (ABAMI). Conselheiro do Núcleo de Estudo e Evolução do Direito (NEED). Colunista dos portais SíndicoNet e Universo Condomínio. Sócio titular da Coelho, Junqueira & Roque Advogados e representa cerca de 10% dos condomínios do Rio de Janeiro. www.junqueiraeroqueadvogados.com.br / contato@andreluizjunqueira.com.br