Quem pode usar a área comum do condomínio edilício
Artigo trata de situações como a proibição imposta ao condômino ou inquilino inadimplente. Advogado menciona que cada unidade autônoma possui uma fração ideal do solo e das partes comuns.
Por Jaques Bushatsky*
“To have and have not” é uma obra um tanto menos conhecida de Ernest Hemingway (1899 – 1961), mas poderosa. Seu título, “ter e não ter” provoca, mesmo à distância, um tema importante no condomínio.
Às vezes, por evidente engano; outras, por picuinha, ou ainda por ignorância, se repetem situações em que condômino é impedido de utilizar área ou equipamento comum do edifício constituído como condomínio edilício.
É lamentavelmente repetitiva a situação em que alguns condomínios edilícios interditam determinadas áreas a alguns dos condôminos, seja pela simples proibição de utilização ou mesmo erguimento de obras ou a instalação de sistemas, tais como a colocação de grades, a reprogramação das paradas dos elevadores a implicar no não atendimento de determinados pavimentos; a repentina limitação do uso de quadras, piscinas e churrasqueiras, entre outras restrições jamais convencionadas. Ora, a isonomia há de imperar e a convenção deve ser respeitada! E, o condômino tem a área, idealmente.
Outra situação recorrente é a proibição do uso de áreas comuns pelo inquilino, sob o pretexto de não ser proprietário da unidade. Essa grita foi reavivada com o recente incremento das locações por temporada.
O entendimento legal é o do uso pleno pelo locatário, que recebe o imóvel pronto para servir ao uso a que se destina, devendo o locador garantir o uso pacifico do imóvel, ou seja, há de ser usado adequada e plenamente a unidade. E, é perfeitamente legal a locação temporária, lembremos.
A lei é clara: o proprietário pode usar e gozar do imóvel, desde que o faça respeitando as finalidades sociais e econômicas do bem e jamais prejudique indevidamente quem quer que seja. Esses direitos é que o proprietário confere parcialmente ao alugar ou emprestar a sua unidade, aliás.
Óbvio, o mau uso nunca foi admitido e, muito antes do nosso Código Civil (2.002), Machado de Assis (1.839 – 1.908) já escrevera em uma crônica publicada em 1.864: “... o direito de propriedade tem limites, não se deve confundir com o arbítrio de torna-lo escarro em parede limpa, foco de infecção, ninho de arganazes, baratas, lacraias e minhocas”, conforme Miguel Matos pesquisou (em Código de Machado de Assis).
Sim, limites existem e eles são até mais minuciosos no condomínio edilício, sendo legais e claras as punições aos condôminos nocivos. Mas, aí o aspecto relevante: mau uso se proíbe e se pune; uso normal, se admite porquanto legal.
Recorde-se, a cada unidade autônoma (o apartamento ou a sala comercial, por exemplo) que é de propriedade exclusiva, caberá, como parte inseparável, a fração ideal no solo e nas outras partes comuns, bem como a estrutura do prédio, o telhado, a rede geral de eletricidade, as demais partes comuns, inclusive o acesso ao logradouro público.
Desde 2017, mencione-se, também o arruamento contido no “condomínio de lotes” pertence, em frações ideais, aos condôminos, sendo tratado à semelhança do que agora se está expondo.
Ora, a plena utilização pelo condômino da área comum e seus pertences decorre, muito claramente, da lei civil, previsão regularmente repetida, aliás, nas convenções de condomínio.
Vedar o uso (exceto naquelas hipóteses de abuso, que a lei proíbe) implica em abalroar direito do condômino que adquiriu (é parte inseparável de sua unidade) e mantém a área comum. Essa vedação desrespeita o direito de propriedade em geral, os dispositivos de direito condominial em específico.
Mesmo nos casos – de modo geral – em que o condômino seja inadimplente quanto ao rateio de despesas, situação em que ele viola flagrantemente a lei, mesmo assim, é garantido ao condômino inadimplente o uso da área comum. O que dizer das situações em que ele não infringiu qualquer regra?
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Não se nega que o uso dessas áreas por inadimplentes é extremamente irritante: o cidadão não paga as contribuições, mas se farta usando as áreas comuns.
Essas situações devem ser enfrentadas com muita calma: já se consolidou na jurisprudência essa garantia de uso, lembrando-se de acórdão do Superior Tribunal de Justiça (RESP nº 1401815-ES), conduzido pela ministra Nancy Andrigui, que tratou da proibição do uso de elevadores por inadimplente e viu nessa proibição clara “...afronta ao direito de propriedade e sua função social e à dignidade da pessoa humana”, pois existem “meios expressamente previstos em lei para a cobrança da dívida condominial”.
Mencione-se, nessa decisão judicial se decretou o dever de o condomínio indenizar o condômino pelo dano moral sofrido quando foi impedido de usar a área.
O entendimento sobre isso tudo é tão consolidado, que não clama maiores divagações na administração condominial e, novamente com Machado de Assis, agora de “Dom Casmurro”: “Nada há mais feio que dar pernas longuíssimas a ideias brevíssimas”.
Por isso, a síntese: o uso da área comum é direito inerente à condição de condômino; proibir o uso é ilegal; usá-la mal, é ilegal; o locatário pode usá-la da mesma maneira que o condômino. Não há como “ter e não ter”.
(*) Jaques Bushatsky é advogado; pró-reitor da UniSecovi; integrante do Conselho Jurídico da Presidência do Secovi-SP; sócio correspondente da ABAMI (Associação Brasileira dos Advogados do Mercado Imobiliário para S. Paulo); coordenador da Comissão de Locação e Compartilhamento de Espaços do Ibradim e sócio da Advocacia Bushatsky.