Reforma Tributária no setor condominial: 7 pontos de atenção
Há quem diga que a Reforma Tributária no setor condominial vai encarecer contratos com prestadores de serviço e, consequentemente, a taxa condominial. Especialistas pedem cautela
No final de dezembro de 2023, o Congresso Nacional decretou a PEC 45/2019, que institui a Reforma Tributária (Emenda Constitucional 132/23), aprovada, mas ainda em trâmites de regulamentação na Câmara dos Deputados.
Os possíveis impactos da Reforma Tributária no setor condominial vem causando assombro, pois muitos acreditam que a mudança vai aumentar os tributos dos prestadores de serviço. Consequentemente, a taxa condominial também pode encarecer.
O tema divide opiniões, até porque muitas coisas ainda estão "no ar", e só serão, de fato, definidas, na regulamentação da reforma tributária. Especialistas no mercado condominial preferem ser mais cautelosos, enquanto especialistas no setor de serviços falam em um acréscimo entre 2,10% a 6,50% na taxa condominial.
Esta matéria aborda os diferentes pontos de vista acerca dos impactos da Reforma Tributária no setor condominial. Separamos 7 pontos de atenção, confira!
1. O que diz a Reforma Tributária
O sistema tributário brasileiro é considerado um dos mais complexos do mundo. Diante disso, o objetivo da Reforma Tributária é simplificar a cobrança de impostos federais, estaduais e municipais, aplicados sobre o consumo, consolidando-os no IVA Dual (Imposto sobre Valor Agregado), incidente sobre uma única base tributária.
Na prática, cinco tributos serão unificados, criando duas novas siglas, CBS e IBS, conforme tabela a seguir:
Tributos federais |
PIS (Programa de Integração Social) |
CBS (Contribuição sobre Bens e Serviços) |
COFINS (Contribuição para o Financiamento da Seguridade Social) |
||
IPI (Imposto sobre Produtos Industrializados) |
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Tributo estadual |
ICMS (Imposto sobre Circulação de Mercadorias e Serviços) |
IBS (Imposto sobre Bens e Serviços) |
Tributo municipal |
ISS (Imposto sobre Serviços) |
Um dos princípios do novo IVA Dual é o sistema não-cumulativo ao longo do processo produtivo. Ou seja, a tributação é calculada por débitos e créditos a cada etapa da produção, descontando o que foi pago na fase anterior.
Isso quer dizer que, para o contribuinte, a alíquota será única, e no mesmo formulário eletrônico – o que promete simplificar e diminuir custos das empresas.
A Reforma Tributária prevê o uso de um modelo eletrônico baseado na tecnologia split payment, que permitirá não apenas a arrecadação automática sempre que uma nota fiscal for saldada, como também o acompanhamento de créditos e débitos de impostos.
No mais, há grande expectativa do mercado para entender definição das alíquotas e regras de apuração que serão aplicadas em cada momento da transição até a implementação definitiva da Reforma Tributária.
O que se sabe até o momento é que haverá alíquotas reduzidas para determinadas categorias do ramo da saúde (médicos e dentistas), com desconto de 60% em relação à tributação atual.
Da mesma forma para profissionais liberais, entre eles advogados, arquitetos, engenheiros e agrônomos, com redução de 30%. Em contrapartida, outros setores econômicos serão onerados, como o de serviços.
2. A Reforma Tributária já está em vigor?
"Assim como aconteceu com o eSocial, a Reforma Tributária está prevista para entrar em vigor gradualmente. Temos nove anos pela frente de muitas mudanças", introduz Lucio Sousa, que atua na área de contabilidade do Grupo LC Assessoria - Soluções para Condomínios.
O texto da Reforma Tributária determina um período de transição de sete anos (entre 2026 e 2032) para que os impostos sejam unificados. A partir de 2033, os tributos atuais serão extintos. Enquanto isso, a regulamentação segue em tramitação na Câmara dos Deputados, devendo ter um desfecho até o final de 2024.
Especialistas acreditam que as mudanças da nova regra tributária devem começar a afetar os contribuintes a partir de 2026 e a previsão é que o país conviva com regras de dois regimes diferentes até 2033.
“Durante a transição, as empresas passarão por consideráveis dificuldades, tendo que conviver com as obrigações acessórias atuais de PIS/COFINS, ICMS, ISS e IPI, e com as obrigações dos tributos novos, CBS e IBS. Serão tempos turbulentos, certamente", adverte Rubens Souza, Coordenador Jurídico e Tributário da Abrapsa (Associação Brasileira de Provedores de Serviço de Apoio Administrativo).
3. Reforma Tributária no setor condominial: haverá realmente impactos?
Na opinião do diretor legislativo da FENACON (Federação Nacional das Empresas de Serviços Contábeis e das Empresas de Assessoramento, Perícias, Informações e Pesquisas), Diogo Chamun, enquanto alguns setores serão beneficiados pela reforma, outros sofrerão um aumento na carga tributária, que é o caso dos serviços - sempre tão presente no dia a dia dos condomínios.
"Essa reforma vai funcionar como um sistema de compensação, de modo que o setor de serviços vai ter que ter algum tipo de ônus para que a arrecadação geral continue sem muito impacto", afirma Omar Anauate, presidente da AABIC (Associação das Administradoras de Bens Imóveis e Condomínios de São Paulo).
Para Chamun, isso tem a ver com a possibilidade de obtenção de crédito fiscal.
Como a prestação de serviços envolve principalmente mão de obra, conhecimento técnico e atividades que não utilizam insumos, nem geram a aquisição de bens tangíveis em grande escala, a obtenção de crédito é limitada. A maior parte dos custos desse setor está relacionada a despesas operacionais e salários, os quais não dão direito a crédito. Por isso o setor luta pela desoneração da folha.
"A indústria, por exemplo, tem uma série de possibilidade de créditos, como matéria-prima, insumos, beneficiamento, frete e outras tantas despesas que fazem parte da cadeia produtiva, o que reduz o imposto a pagar. Já no setor de serviço, a possibilidade de créditos é muito restrita, que traz como consequência, o forte aumento da carga tributária", explica Chamun.
Com isso, diversos fornecedores dos condomínios deverão ter aumento na carga tributária, entre eles:
- Terceirizadoras de serviços de segurança, limpeza, manutenção, vigilância, zeladoria, etc.
- Empreiteiras;
- Profissionais autônomos;
- Empresas de manutenção (elevadores, portão, gerador, bombas, etc).
Então, considerando o repasse de custos das empresas, entende-se que haverá impactos indiretos da Reforma Tributária no setor condominial, levando em consideração os condomínios como consumidores finais.
Reforma Tributária no setor condominial: cautela ao falar sobre oneração de serviços
Para fazermos uma comparação com o que é aplicado atualmente, os condomínios são obrigados a recolher impostos sobre qualquer contratação de serviços (manutenções mediante contrato ou empreitada). Em média, a carga tributária máxima fica em torno de 10%, com base nesses percentuais.
- 1% - CSLL
- 3% - COFINS
- 0,65% - PIS/PASEP
- 2% a 5% - ISS (a depender do município)
No final de abril de 2024, foi entregue para aprovação da Câmara dos Deputados o primeiro Projeto de Lei Complementar de regulamentação da Reforma Tributária, que estima um novo percentual.
O texto prevê uma alíquota média do IVA de 26,5%, que pode variar entre 25,7% e 27,3%, segundo afirmou em coletiva de imprensa o secretário extraordinário da Reforma Tributária, Bernard Appy. De acordo com o site Agência Brasil, atualmente o percentual de todos os tributos brasileiros atinge, em média, 34%.
Alguns especialistas já estão calculando qual será esse aumento. Em entrevista ao G1, Jorge Segeti, diretor técnico da Cebrasse (Central Brasileira do Setor de Serviços), pega como exemplo um serviço de segurança contratado no valor de R$ 3 mil.
Hoje, levando em conta os 10% de imposto, a empresa deve cobrar algo em torno de R$ 3,3 mil do consumidor final. Na ótica do IVA a 25%, chegará a R$ 3,7 mil. Omar Anauate, da AABIC, discorda. Para ele, se a empresa tiver algum impacto, será nos tributos dela, não que necessariamente será o preço final que constará na nota fiscal do cliente.
Ele segue mais cauteloso, já que ainda não se sabe exatamente como cada atividade econômica vai ser impactada.
"De uma forma geral, o setor de serviços vai sofrer algum tipo de aumento sim. Ainda não dá para estipular uma alíquota também, será aplicada em cadeia...enfim, muita coisa será definida ao longo dos próximos 10 anos", pondera.
Décio Tenório, diretor comercial do Grupo Souza Lima, tem o mesmo entendimento. Para ele, como a Reforma Tributária ainda não foi regulamentada, é muito imaturo e arriscado falar em números, pois trabalharíamos com base em palpites, hipóteses e suposições.
“Uma vez regulamentada, saberemos com certeza qual será a escala de impacto, percentual de impostos, o que é dedutível, o que é reflexo e repasse, etc. Por enquanto, não dá para falar com conforto como a Reforma Tributária afetará os condomínios", reforça Décio.
4. Condomínios são contribuintes?
Na Reforma Tributária, os condomínios foram enquadrados tal como pessoas físicas. Isso quer dizer que, ao adquirir bens e serviços, as operações dos empreendimentos vão permanecer sem serem tributadas.
Condomínios não vão adquirir créditos por impostos pagos por fornecedores, nem recolherão o IVA na taxa condominial. Apenas os fornecedores, quando emitirem nota fiscal de seus serviços ou produtos, serão atingidos.
Por outro lado, de acordo com o Destrava Brasil, iniciativa privada dedicada à conscientização sobre a Reforma Tributária, os condomínios também podem optar por se creditar da parcela do IVA pago na contratação de serviços, mas desde que cobrem o tributo no seu rateio mensal.
“Se o condomínio optar por pagar o novo IVA sobre as contribuições mensais rateadas entre os condôminos, a lei o autoriza a tomar crédito de outras operações”, acrescenta Victor Rocha, advogado tributarista e diretor jurídico do Destrava Brasil.
O especialista ressalta que caberá a cada condomínio, junto ao departamento fiscal da sua administradora, avaliar se a opção pelo IVA faz sentido. Para ele, em muitos casos pode ser vantajoso.
“Se, por exemplo, um condomínio possuir receitas de aluguéis, que vão possuir uma alíquota reduzida de IVA, ou fizer uma obra de alto valor e usar o seu fundo de reserva, conseguirá recuperar os valores pagos de IVA nas despesas, diminuindo os custos dessa obra”, finaliza Victor.
Daniel Loria, diretor da secretaria extraordinária da Reforma Tributária no Ministério da Fazenda, em entrevista coletiva realizada em abril, afirmou que essa opção somente estaria disponível para condomínios comerciais, uma vez que a taxa condominial é cobrada de inquilinos que são empresas e não moradores.
5. A taxa condominial vai subir?
Muitos especialistas já se arriscaram em falar de percentuais de aumento da taxa condominial devido ao possível impacto na carga tributária dos prestadores de serviço dos empreendimentos como consequência da Reforma Tributária no setor condominial.
Ao G1, Segeti estima algo entre 2,10% a 6,50%, a depender do tamanho, localização, perfil e tipo de serviço contratado. Já Omar Anauate e Lucio Sousa mantêm a linha conservadora de que ainda é cedo para fazer projeções.
Também em entrevista ao G1, a consultora internacional Melina Rocha, especialista em IVA, acredita que um eventual aumento no preço dos condomínios será compensado pela menor tributação de outros itens consumidos pelas famílias, tais como energia elétrica e conta de celular.
6. A folha de pagamento do condomínio será afetada?
Omar Anaute, da AABIC, frisa que a folha de pagamento de condomínios com funcionários próprios não vai sofrer nenhum tipo de impacto com a Reforma Tributária. "Ela não mexe em nenhum tipo de encargo trabalhista", sinaliza.
"A folha de pagamentos já fez parte da Reforma da Previdência (2019) e da Reforma Trabalhista (2017)", complementa Lucio.
Como já mencionado nesta matéria, apenas empresas terceirizadas vão sentir algum efeito nessa questão.
7. O que o síndico deve fazer agora?
De acordo com o advogado especialista em condomínios Fernando Zito, empreendimentos que não fazem o devido recolhimento dos impostos relacionados a serviços terão problemas com o Fisco, e até mesmo poderão sofrer com passivo trabalhista. Então, não tem como a gestão escapar dessas obrigações.
"Infelizmente a gestão faz de tudo para manter as coisas em dia, daí chega um momento em que muda a legislação e nos obriga a se adaptar. Repassar os custos aos moradores não é o ideal, mas tem situação que foge do controle do síndico", opina Zito.
Por agora, os especialistas no mercado condominial pedem para que os gestores condominiais tenham paciência e mantenham o radar ligado, porque muita coisa ainda vai se desenrolar.
Lá na frente, pode ser que seja necessário rever contratos e negociar com as empresas, mas na prática, não há muito o que fazer no atual momento.
No entanto, durante esse período de transição da Reforma Tributária, é importante que as administradoras alinhem a ação operacional dos departamentos fiscais, com o intuito de parametrizar os sistemas contábeis para receber a nova legislação. O condomínio vai precisar, e muito, do apoio da empresa.
Agora que você já se atualizou sobre os possíveis impactos da Reforma Tributária no setor condominial, confira esta matéria para saber mais sobre recolhimento de impostos em condomínios na contratação de serviços.
Fontes consultadas: Fernando Zito (advogado especialista em condomínios); Lucio Souza (atua na área de contabilidade do Grupo LC Assessoria - Soluções para Condomínios); Omar Anauate (presidente da AABIC - Associação das Administradoras de Bens Imóveis e Condomínios de São Paulo); Rubens Souza (coordenador jurídico e tributário da Abrapsa - Associação Brasileira de Provedores de Serviço de Apoio Administrativo); Diogo Chamun (diretor legislativo da FENACON); Jorge Segeti (diretor técnico da Cebrasse - Central Brasileira do Setor de Serviços); Décio Tenório (diretor comercial do Grupo Souza Lima); Victor Rocha (advogado tributarista e diretor jurídico do Destrava Brasil).