Regras e Airbnb
Advogado defende aluguel de temporada em condomínios
Por Douglas Mangini Russo*
Plataformas digitais, como o Airbnb, oferecem um serviço que possibilita aos usuários a disponibilização de seu imóvel à locação para temporada, sem qualquer intermediação no negócio, cujo contrato é firmado entre o proprietário (anfitrião/host) e o interessado (convidado/guest), os quais ajustam o prazo e o preço.
A utilização nestes moldes permite sensível redução de custos para o convidado, pois as despesas com hospedagem, em muitas oportunidades, acabam inviabilizando a realização da viagem. Noutra ponta, o host consegue renda extra em função da locação, fato que deve ser visto com bons olhos, já que promove o turismo sustentável e contribui para a manutenção da função social da propriedade.
Considerando o aumento substancial da utilização da plataforma, os condomínios passaram a tentar impedir esse tipo de locação sob diversos argumentos, tais como: falta de segurança, desvio da finalidade da propriedade, perturbação de sossego, dentre outros.
Consequentemente, surgiu um movimento que (por desinformação e receio do novo), busca proibir e/ou restringir proprietários de unidades autônomas a realizar locação na modalidade temporada por meio de plataformas online.
A questão implica análise de diversos ramos do Direito e inúmeras teses vêm sendo criadas e “vendidas” como se fossem o “remédio” certo para coibir a suposta “ameaça” do aluguel por temporada via plataforma, as quais são apresentadas aos condomínios, por vezes, sem qualquer capricho técnico.
Assim, submetem a questão ao Judiciário alimentando um debate que deve ser tratado com base jurídica, observados os princípios da razoabilidade e ponderação de interesses.
Aventa-se a suposta incompatibilidade entre o aluguel por temporada e a destinação residencial dos condomínios e que a utilização de plataformas online, como o Airbnb, extrapolaria o viés residencial do imóvel, pois se aproximaria ao serviço de hotelaria, que tem cunho comercial.
Contudo, de acordo com o artigo 23 da Lei nº 11.771/2008, a hospedagem/hotelaria é caracterizada pela prestação mista de uma obrigação de dar - a cessão onerosa de um imóvel - e uma lista de obrigações de fazer, que configuram a prestação efetiva e legalmente prevista dos serviços de hotelaria, tais como serviços de limpeza, recepção e oferecimento de refeições.
A discussão chegou aos tribunais por duas vertentes, tanto pelo condômino buscando seu direito à propriedade quanto o condomínio para obstar a locação. O tema não é pacífico, porque se contrapõem direitos constitucionais de ambos, ainda que não há qualquer previsão legal especifica sobre locação em plataformas digitais. Neste viés, cumpre destacar o Recurso Especial n° 1.783.076 – DF (julgado em 14 de maio de 2019) que decidiu sobre a legitimidade da convenção de condomínio para deliberar sobre a matéria sem, contudo, conferir aptidão para restringir o direito à propriedade.
É forçoso pensar que a maioria dos condôminos possa lesar o direito de usar, gozar, fruir e dispor da propriedade, direito fundamental previsto na Constituição Federal. Portanto, o proprietário tem o poder usufruir de seu imóvel por meio da locação por temporada, desde que cumpra também o disposto no artigo 48 da Lei n° 8.245/1991.
Também é importante destacar que o Airbnb se vale de inúmeras ferramentas de segurança e confiabilidade na gerência de sua plataforma.
Os mecanismos de segurança estão disponíveis aos usuários e compreendem a verificação sistêmica de identidade, possibilidade de analisar as reservas, adicionar controles extras em relação a quem pode reservar, registro de IP de usuários e dados bancários utilizados para a realização das transações, além de todas as reservas terem seus riscos avaliados e a possibilidade de serem canceladas caso haja qualquer suspeita.
Concluímos que as convenções condominiais possuem legitimidade para deliberar sobre o tema, todavia, não possuem força normativa para limitar ou retirar direitos, principalmente sobre a propriedade. Ao praticar tal conduta, afrontam diretamente a Constituição Federal e o Código Civil.
Referências normativas:
BRASIL. Constituição Federal, de 5 de out. de 1988, Brasília, DF, ago 2019.
BRASIL. Lei n° 10.406, de 10 de jan. de 2002, Código Civil, Brasília, DF, ago 2019.
BRASIL. Lei n° 8.245, de 18 de out. de 1991, Lei de locações de imóveis urbanos e os procedimentos a elas pertinentes, Brasília, DF, ago 2019.
BRASIL. Lei n° 11.771, de 17 de set. de 2008, Lei do Turismo, Brasília, DF, ago 2019.
(*) Mestrando em Direito dos Negócios (FGV), pós-graduado latu sensu em Direito Empresarial (FGV), pós-graduado latu sensu em Direito Público e Privado (Damásio Educacional) e sócio administrador do escritório Russo Sociedade de Advogados em São Paulo (SP).