Síndica em tempos de COVID-19
Confira o relato de uma síndica profissional sobre mudanças de processos, plano de contingência para doentes e cuidados para proteger o condomínio do contágio
Por Taula Armentano*
Como síndica profissional especializada em condomínios-clube, compartilho neste artigo um pouco do que tenho vivido nas últimas semanas com a pandemia mundial de COVID-19 e a recomendação para as pessoas ficarem em suas casas em regime de isolamento social.
Muitas mudanças de comportamento foram necessárias desde então e, nos condomínios, isso ficou ainda mais latente. Os empreendimentos nunca estiveram tão cheios e com áreas comuns tão vazias. O barulho agora é vertical e os problemas, individuais.
Barulho aumentou: crianças em casa, pessoas em home office...
Nestes últimos dias, as crianças estão em casa, os pais fazendo home office, muitos moradores sem filhos se incomodam com o barulho da unidade vizinha. Pessoas acostumadas em ambiente de escritórios não sabem ao certo como trabalhar em casa e manter suas atividades funcionando.
Precisam fazer tudo ao mesmo tempo: trabalhar, cuidar dos filhos nas tarefas e brincadeiras, além de cuidar da casa, uma vez que muitos estão sem suas ajudantes do lar. Some-se a tudo isso a preocupação com o dia de amanhã e com a situação financeira que começa a nos assolar.
Opiniões governamentais tão diferentes uma da outra: um sugere ficar em isolamento total, o outro sugere sair para trabalhar para que o mercado financeiro não entre em colapso.
Os nervos estão a flor da pele, a irritação pela mudança de comportamento compulsória se faz presente. O mindset (mentalidade) precisa obrigatoriamente mudar.
Pais e mães se vendo na função de acompanhar as aulas on-line de seus filhos, fazendo um pouco o papel de professores, se reinventando diariamente para manter os filhos ativos mesmo em confinamento. Criar novas rotinas, encarar o desafio de manter corpo e mente ativos, buscar brincadeiras e atividades para distrair a família dentro de casa.
Prática esportiva: adaptação de aulas da academia do prédio para meios on-line
O mesmo vale para os esportistas que não conseguem viver sem atividade física, o corpo acostumado ao movimento, com corrida, musculação, yoga, dança, lutas, passam a reclamar do sedentarismo.
Com a determinação das academias fechadas, ficam sem saber o que fazer, obrigando as empresas de esporte, personal trainers e academias a se reinventar.
Para o síndico, fica a tarefa de abrir canais remotos com grades de aulas para oferecer a seus condôminos uma opção de continuar com suas atividades, ainda que em confinamento.
Muitas empresas que trabalham na assessoria esportiva de condomínios-clube rapidamente se reinventaram, apresentando grades de aulas on-line, com lotação até maior do que as aulas presenciais.
Atividades do condomínio migram para o digital
Administradoras passam a pensar em como manter suas atividades em dia. Pagamento de contas, balancetes, emissão de boletos, malotes, reuniões com gestores, tudo passa a ser on-line, de forma remota. Mais uma mudança de mindset.
Sem falar nas assembleias. Virtuais, digitais, on-line, remotas, antes um tabu, agora uma necessidade, unindo juristas, legisladores e administradoras que antes “brigavam” por entender ser ou não válida tal ferramenta.
Temos agora uma grande oportunidade de ter mais pessoas presentes nas famosas reuniões de condomínio. Pessoas que antes, pelo dia a dia corrido, deixavam esta importante participação a cargo dos vizinhos, agora podem entrar e ajudar na decisão do bem coletivo.
Síndicos tiveram que se adaptar a fazer reuniões de dentro de casa: com escritório de advocacia, administradora, prestadoras de serviço em geral, condôminos, até mesmo com o grupo gestor.
Acreditem: surpreendentemente as reuniões estão lotadas, as decisões mais objetivas e pensadas de forma menos política e mais voltadas para o bem coletivo.
Toda essa necessidade vem mostrando que bons gestores, ao contrário do que muitos condomínios pensavam, conseguem atuar à distância com tanta qualidade ou até melhor do que se estivessem horas a fio in loco.
Mostra que quem já atuava alinhado com as equipes, como um grande maestro da orquestra, continua trabalhando, operando as necessidades que agora são maiores que nunca.
Acompanhamento constante de decretos, leis e recomendações de órgãos oficiais
Como síndica, minha rotina mudou bastante. Com a pandemia, tenho que acompanhar todos os decretos estaduais e municipais (tenho condomínios em municípios diferentes), além das indicações e recomendações da Organização Mundial da Saúde (OMS), Ministério da Saúde e Secretarias da Saúde.
A carga horária de trabalho aumentou drasticamente e de dentro de nossas casas, não sabemos mais se é quarta-feira ou domingo, pois em condomínios, não há descanso!
Os síndicos implantaram salas de crise para discussões em conjunto com as administradoras, advogados, gerentes, líderes e grupo gestor. Cada um tem a oportunidade de mostrar a sua importância para que a engrenagem funcione.
As grandes crises geram, inevitavelmente, um momento de mudança, de se reinventar, de mostrar que podem, sim, existir “ganhos e aprendizados” em meio à calamidade.
Solidariedade brota entre vizinhos
Momentos como este estão nos fazendo olhar para o próximo talvez de uma forma que já havíamos esquecido. Então nasce nos condomínios movimentos do bem, de ajuda ao próximo.
Alguns vizinhos, que por se sentirem sós, precisam conversar um pouco. Outros precisam de alguém que ajude com a compra do mercado, remédios, uma comidinha. Tenho visto tanta oportunidade de enxergar o próximo de forma diferente e mais humana, com menos julgamentos e mais empatia.
Plano de ação estruturado para atender casos de COVID-19 nos condomínios
A notícia do primeiro caso positivo de COVID-19 que tive colocou em ação o plano já estudado e preparado, pois sabíamos que seria inevitável. Toda a equipe estava alinhada: segurança, limpeza, administração, comunicação.
O papel principal do síndico neste momento é acolher a família acometida pela COVID-19 e guardar o condomínio de todo e qualquer risco de contágio.
O momento é delicado e exige razão e emoção, pois a realidade nos obriga a fiscalizar o isolamento obrigatório da unidade, mas, ao mesmo tempo, transmitir acolhimento e solidariedade à família doente.
Quando uma unidade atesta positivo para a COVID-19, ela recebe um guia sobre como acondicionar o lixo, tempo de isolamento, telefones de voluntários que já se prontificaram a ajudar, pois nenhum membro da unidade pode sair nem para acessar o hall até que se cumpra o tempo certo de isolamento.
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É em meio a este novo cenário que o síndico atua de forma fundamental para manter a ordem, o bom relacionamento entre vizinhos, atuando muitas vezes como amigo solidário.
É ele quem escuta as necessidades e dores dos condôminos que tiveram uma ruptura abrupta em suas rotinas, ajusta os pontos controversos, atua nas emergências, atentando-se sempre às mudanças de decretos. Acima de tudo, transmite esperança aos condôminos de que tudo isso passará e que eles têm na figura do síndico a segurança de que seu bem está sendo cuidado da melhor forma.
- Leia o depoimento emocionante de quem teve a COVID-19 testado positivo em um dos condomínios em que sou síndica e como é importante o condomínio estar organizado para ajudar a família e proteger a massa condominial.
(*) Taula Armentano é advogada, palestrante e síndica profissional especializada em condomínio-clube, pioneira em implantar metodologias e boas práticas do mundo empresarial para condomínios.