Síndico e juiz cada qual com seus papéis
Segundo advogado "gestor não manda ou julga, ele decide pelo bem-estar da coletividade que representa"
Por Cristiano De Souza Oliveira*
Em recente decisão, o Conselho Nacional de Justiça – CNJ, respondeu uma consulta formulada por um Desembargador do TRT, sobre a possibilidade ou não dos magistrados poderem exercer as funções de síndico condominial, uma vez que condomínios não possuem personalidade jurídica, o que seria vedado pela Lei Orgânica da Magistratura, se configurado.
Houve por decisão da maioria dos votos, o entendimento de que os magistrados não podem exercer as funções de síndicos condominiais, preservando assim a independência das funções de magistrado.
A legislação brasileira é clara em definir o síndico de condomínio edilício um gestor do empreendimento com competências administrativas definidas em lei e normas internas do próprio condomínio.
Tal análise se demonstra em nosso ordenamento jurídico quando na Constituição Federal, em seu artigo 5º, II há a determinação de que ninguém poderá fazer ou deixar de fazer algo, senão em virtude de lei que não considere o agir ou deixar de agir irregular.
Para tanto, permite que nos âmbitos de atuação a Federação, o Estado e os Municípios disciplinem assuntos específicos que facilitem a vida privada dos cidadãos brasileiros e demais habitantes no país.
Neste sentido, ao tratar sobre a matéria Condomínios Edilícios, o Código Civil em seus artigos 1.331 e seguintes, disciplinam as regras básicas de melhor convivência, autorizando por determinação dos artigos 1.332 a 1.334 do mesmo diploma legal, que os próprios condomínios, por meio de seus coproprietários se autorregulamentem em assuntos específicos, tais como forma de rateio e administração, competência de assembleias, sanções a que estão sujeitos os condôminos, normas internas do dia a dia a ser tratada no regimento interno.
Logo cabe às normas internas condominiais reger as regras da escolha de seus administradores, ou seja, gestores/síndicos, assim estabelecidos no art. 1347 do mesmo códex, definindo impedimentos e possibilidades de remuneração, de não ser condômino, entre outras questões.
Também pelo Código Civil, em seu art. 1348, há estabelecido algumas das atribuições dos síndicos, que podem inclusive ser ampliados pelas normas internas.
Na análise de tais normas, fica claro que as funções atribuídas ao síndico são de administrador, gestor, do empreendimento, que segue determinações da coletividade por deliberações de assembleia, ou mesmo, adota posturas administrativas ou judiciais em benefício dos interesses da coletividade.
Síndico não manda ou julga. Síndico decide pelo bem-estar da coletividade que representa.
A função representativa de uma coletividade, tal qual condomínios edilícios, como dito, foi objeto de apreciação pelo Conselho Nacional de Justiça – CNJ em consulta 0000669-53.2018.2.00.0000, que mesmo negando a personalidade jurídica do condomínio, no mês de março, por meio de seu Plenário confirmou entendimento anterior de que os magistrados não podem exercer a função de síndico de condomínios, nem os representar em juízo.
A matéria já havia sido levantada quando do Pedido de Providências n. 775/2006, onde o CNJ decidiu pela:
“prevalência do princípio da dedicação exclusiva, indispensável à função judicante. Não pode o magistrado exercer comércio ou participar, como diretor ou ocupante de cargo de direção, de sociedade comercial de qualquer espécie/natureza ou de economia mista (art. 36, I, da LOMAN). Também está impedido de exercer cargo de direção ou de técnico de pessoas jurídicas de direito privado (art. 44 do Código Civil, c/c o art. 36, II, da LOMAN). Ressalva-se apenas a direção de associação de classe ou de escola de magistrados e o exercício de um cargo de magistério. Não pode, consequentemente, um juiz ser presidente ou diretor de Rotary, de Lions, de APAEs, de ONGs, de Sociedade Espírita, Rosa-Cruz, etc., vedado também ser Grão-Mestre da Maçonaria; síndico de edifício em condomínio; diretor de escola ou faculdade pública ou particular, entre outras vedações”.
Tais razões foram repetidas na Recomendação 35/2019 que da mesma forma, considerando o PP 775/2006, recomendou a abstenção dos exercícios das funções citadas acima, pelos magistrados brasileiros.
Em um primeiro momento parece estranho que um proprietário de um imóvel não possa exercer a administração de seus bens, uma vez que qualquer unidade condominial está integrada à uma coletividade (art. 1331 do CC), porém não podemos deixar de observar que as funções da magistratura possuem um interesse público pelo fato do juiz representar o Estado em suas funções no Poder Judiciário, com objetivo de proporcionar a justiça aos cidadãos.
Deve ser independente, para manter a equidade das decisões, primando pela ética e, se o caso, julgar-se impedido em suas funções.
Neste momento de pandemia, vemos claramente a importância desta independência, quando se busca muito mais uma participação de responsabilidade do que de mando, e mais, uma possibilidade, a qualquer tempo de buscar o judiciário para sanar as lacunas deixadas pelas leis, que neste momento não refletem a realidade condominial e buscam em caráter oportunista levantar bandeiras já disciplinadas, refletidas e usadas.
Assembleias virtuais, interdições temporárias de áreas comuns, uso de fundo de reserva, prorrogação de mandato, ou interrupção de obras não urgentes, ainda que necessárias, são exemplos que independem de lei específica e pode o condomínio assumir responsabilidades aplicando as leis existentes e sua própria convenção, deixando na função essencial a sociedade que é o magistrado para sua função, e a sindicatura para quem a exerce com capacitação e seriedade.
Aprendemos com esta condição atual que um país, se não observar o todo, pode globalizar um problema. Sendo assim, ainda mais em um condomínio, não podemos deixar de nos integrar neste sistema, e crer, que por menor que seja nossa unidade condominial, no condomínio que vivemos, somos responsáveis pelo bem-estar e auxílio na gestão, rateando despesas, sugerindo consultas a coletividade, apoiando o gestor.
Correta a decisão do CNJ e feliz o síndico que seja gestor e não juiz e o juiz que seja magistrado e não síndico.
(*) Advogado e consultor jurídico condominial há mais de 24 anos. Mediador Judicial e Privado cadastrado perante o CNJ. Integra o quadro de Câmaras de Mediação e Arbitragem no campo de Direito Condominial. É Vice-Presidente da Associação dos Advogados do Grande ABC e Presidente da Comissão de Direito Condominial da 38ª Subseção da OAB/SP (Sto. André/SP), Membro do Grupo de Excelência em Administração de Condomínios - GEAC do CRA/SP; palestrante e professor de Dir. Condominial; autor do livro "Sou Síndico, E agora? Reflexões sobre o Código Civil e a Vida Condominial em 11 lições" (Editado pelo Grupo Direcional em 2012). Sócio-diretor do Grupo DS&S - Condomínios e Imóveis. Mais informações: cdesouza@aasp.org.br | cdesouza@adv.oabsp.org.br