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Artigos e opiniões

Síndico e pandemia

Decisões do gestor estão embasadas, afirma advogada

07/05/20 12:10 - Atualizado há 1 ano
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Coronavírus: a pandemia e as áreas comuns não essenciais de condomínios

Por Adriana Kingeski dos Santos*

Vive-se uma pandemia mundial: o coronavírus que acometeu a China no final de 2019 alastra-se cavalarmente pelo mundo. 

No Brasil, diversas são as informações dos últimos dias sobre a COVID-19, que impactou e impactará fortemente as mais diversas áreas da vida de todos, acarretando consequências jurídicas.

Uma das questões mais polêmicas no âmbito dos condomínios edilícios, neste momento de quarentena, são as restrições impostas pelos síndicos para a utilização dos espaços comuns, como piscina, academia, salão de festas, churrasqueiras, quadra de esportes.

O ordenamento jurídico brasileiro está embasado nos princípios e objetivos fundamentais da Constituição Federal da República do Brasil.

Além dos demais, o princípio da dignidade da pessoa humana e o objetivo de promover o bem de todos, sem preconceitos e qualquer outra forma de discriminação, casam, nas atuais circunstâncias, com o princípio da supremacia do interesse público.

E o que significa interesse público? Celso Antônio Bandeira de Mello, doutrinador, explica que:

Ao se pensar em interesse público, pensa-se, habitualmente, em uma categoria contraposta à de interesse privado, individual, isto é, ao interesse pessoal de cada um. Acerta-se em dizer que se constitui no interesse do todo, ou seja, do próprio conjunto social, assim como acerta-se também em sublinhar que não se confunde com a somatória dos interesses individuais, peculiares de cada qual. (MELLO, Celso Antônio Bandeira de. Curso de Direito Administrativo. 19º edição. Editora Malheiros. São Paulo, 2005, pag. 59).

Na presente pandemia, o que importa é o interesse do conjunto social, primando pelo bem-estar de todos com dignidade humana: é manter a população brasileira sadia. É salvar vidas! Este é o verdadeiro interesse público.

É a primazia da coletividade!

Por isso, Estados e Distrito Federal, juntamente com a União, decretaram o fim da aglomeração de pessoas, determinando o fechamento de serviços não essenciais, como academias, salões de festas, museus, cinemas etc, seguido pelo isolamento social.

Duas premissas para evitar a contaminação generalizada, logo inibir a busca frenética pela rede de saúde que não teria condições de atender a uma população do tamanho do Brasil, o que ocasionaria inúmeras mortes.

Diante desses decretos, síndicos de vários condomínios estão, sem convocar assembleias, interditando as áreas comuns. Decisões pautadas na licitude e em entendimentos jurisprudenciais.

O Código Civil, artigo 1335, II, determina que são direitos dos condôminos “usar das partes comuns, conforme a sua destinação, contanto que não exclua a utilização dos demais compossuidores”. Ou seja, o direito de um acaba quando fere o direito do outro. Significa que não se pode prejudicar o vizinho com a possibilidade de proliferar o vírus.

A unidade particular é livremente usufruída pelo condômino. Nestas unidades, o gestor condominial não tem acesso. Não pode fiscalizar se o artigo 1336, IV, do Código Civil, está sendo respeitado, no que tange a não utilização de maneira prejudicial à salubridade. Mas, é de sua responsabilidade, conforme o artigo 1348, II, “representar, ativa e passivamente, o condomínio, praticando, em Juízo ou fora dele, os atos necessários à defesa dos interesses comuns.” 

Portanto, fazer cumprir o estabelecido por decretos nacionais ou locais é sua obrigação. Permitir aos condôminos livremente a utilização de áreas comuns neste momento, em que o panorama mundial é de elevada propagação do novo Coronavírus, é o mesmo que infringir os decretos que protegem a saúde de todos. Logo, poderia ser responsabilizado criminalmente, pelo artigo 268, do Código Penal:

Infringir determinação do poder público, destinada a impedir introdução ou propagação de doença contagiosa:

Pena - detenção, de um mês a um ano, e multa.

Indo além, o condômino infectado, ciente de ser portador do vírus, que não segue as regras estabelecidas do isolamento social, incide no artigo 267, do Código Penal, por propagar germes patogênicos, uma vez que coloca em risco a vida de terceiros, independente de dolo ou culpa. Agindo de forma prudente, fazendo valer a norma que protege a coletividade, faz com que o síndico proteja individualmente também este condômino de uma infração penal.

Além disso, ao contrário do que alguns alegam, as condutas adotadas pelos síndicos em nada infringem o direito de propriedade dos condôminos. O direito de propriedade é uma das garantias constitucionais previsto no artigo 5ª, XXII, da Constituição Federal. Entretanto, este direito não é absoluto, o que significa que há limites impostos, como o principal deles - a função social da propriedade.

O Superior Tribunal de Justiça, ao julgar e processar o REsp 1.699.022 - SP, Relatoria do Ministro Luís Felipe Salomão, pacifica o entendimento de ser o direito de propriedade nos condomínios edilícios limitado, com regramentos, pois, para se viver em harmonia é indispensável o espírito de cooperação, solidariedade, mútuo respeito e tolerância.

“Em se tratando de condomínio edilício, o legislador, atento à realidade das coisas e ciente de que a convivência nesse ambiente especial tem muitas peculiaridades, promoveu regramento específico, limitando o direito de propriedade, visto que a harmonia exige espírito de cooperação, solidariedade, mútuo respeito e tolerância, que deve nortear o comportamento dos condôminos. Assim, ao fixar residência em um condomínio edilício, é automática e implícita a adesão às suas normas internas, a que se submetem todos para a manutenção da higidez das relações de vizinhança.”

O STJ, sempre, ao julgar matérias referentes aos condomínios, no que tange ao direito de propriedade, entendeu que o coletivo sobrepõe-se ao interesse individual:

"não obstante a propriedade exclusiva sobre cada unidade, é inerente à sua natureza a existência de um centro de interesses comuns, gerador de um fim utilitário pertencente ao conjunto, distinto do individual e que a este se sobrepõe" (REsp 1.185.061/SP, Terceira Turma, Relator Ministro Ricardo Villas Boas Cueva, julgado em 16/09/2014, DJe 30/09/2014).

Portanto, as decisões tomadas pelos síndicos de interditar as áreas comuns não essenciais estão tão somente assegurando a todos os condôminos o direito à manutenção de áreas saudáveis que ajudarão no combate à proliferação do vírus. Decisões fundadas no ordenamento jurídico brasileiro.

(*) Adriana Kingeski dos Santos é advogada/professora; vice-presidente da Comissão Nacional de Direito Imobiliário da ABA; mestranda em Resolução de Conflitos e Mediação; pós-graduada em Processo Civil; Especialista em Direito Condominial / Direito Agrário / Direito do Trabalho.

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