Demissão de funcionários
Justa causa não será obrigatória para desligamentos, decide STF
Entenda o que muda na demissão sem justa causa após decisão do STF
Julgamento confirmou a validade de decreto firmado em 1996; especialistas explicam importância da decisão e como interfere nas relações trabalhistas
O Supremo Tribunal Federal (STF) decidiu, na última sexta-feira (26), confirmar a validade de um decreto de 1996, do ex-presidente Fernando Henrique Cardoso, que permite a demissão sem justa causa, ou seja, sem a apresentação de uma justificativa formal por parte do empregador. Por 6 votos a 5, o texto excluiu o Brasil da Convenção 158 da Organização Internacional do Trabalho (OIT) e pôs fim a uma ação que havia começado a ser julgada em 2003.
Mas de que tratava essa convenção? De que forma essa decisão tomada pelo STF pode impactar as relações trabalhistas? Como o decreto já estava valendo mesmo antes desse julgamento, os especialistas ouvidos pela reportagem de A Gazeta explicaram que o julgamento do Supremo não altera as regras atuais. Eles ressaltaram, porém, que a decisão tem aspectos jurídicos e políticos importantes. A seguir, entenda o julgamento e confira a opinião de advogados sobre o tema.
O que estabelece a Convenção 158 da OIT?
A convenção estabelece que um funcionário não deve ser demitido sem uma “causa justificada”. O empregador precisa apontar algum tipo de justificativa para a demissão, como necessidades contábeis da empresa ou algum problema relacionado ao trabalhador. A intenção da OIT é promover a estabilidade no emprego, protegendo os trabalhadores contra demissões sem justa causa.
Por que houve o julgamento?
O Brasil chegou a aprovar a convenção da OIT. Mas, em 1996, o então presidente, Fernando Henrique Cardoso assinou um decreto liberando o país do cumprimento desse artigo. O decreto estava em vigor desde então.
A Confederação Nacional dos Trabalhadores na Agricultura (Contag) acionou, em 1997, o STF, questionando a constitucionalidade do ato de FHC, alegando que violava o princípio da separação dos poderes, pois caberia ao Congresso Nacional aprovar ou rejeitar tratados internacionais. O caso estava em julgamento desde 2003 e chegou a ser suspenso por seis pedidos de vista.
O que decidiu o julgamento?
A maioria dos ministros do STF entendeu que a saída do Brasil de tratados internacionais é, sim, uma decisão que cabe ao Congresso Nacional, como destacou o ministro Kassio Nunes Marques, o último a votar. Porém, ele acompanhou Teori Zavascki, ex-ministro da Suprema Corte morto em 2017, cujo entendimento é que a decisão só deve valer para casos futuros, não alcançando o decreto de FHC, nem outras revogações ditadas por decreto presidencial.
Em seu voto, Nunes Marques fez questão de ressaltar que, segundo ele, mesmo que a Convenção da OIT mostre zelo com o trabalhador, sua adesão poderia representar riscos para os empregadores.
"Seus efeitos podem ser adversos e nocivos à sociedade. Isso provavelmente explica a razão da denúncia feita por decreto pelo presidente Fernando Henrique Cardoso à época", disse o ministro na decisão.
Como decisão interfere nas empresas
Especialista em Direito do Trabalho e Processo do Trabalho, Patricia Motta Leal analisa que a decisão "prestigiou a vigência da lei e a segurança jurídica". De acordo com ela, o veredito assegura o poder potestativo do empregador, que é a prerrogativa de tomar certas decisões sobre a relação trabalhista, como determinar o local e horário de trabalho, fiscalizar o desempenho, contratar e demitir, entre outros.
Direitos trabalhistas estão mantidos?
A advogada Patrícia Motta Leal lembra que a permissão para a demissão sem justa causa por parte dos empregadores não é motivo para violação de direitos. Assim, a decisão do STF nada muda em relação aos direitos do empregado, que continuará recebendo a multa rescisória do FGTS, como indenização pela demissão, bem como o acesso ao saldo remanescente do fundo de garantia.
O que dizem os especialistas
'Dá maior segurança em tomadas de decisão dos empregadores'
A decisão do STF reafirma a legalidade da demissão do empregado sem justa causa, assegurando o chamado poder potestativo do empregador de rompimento imotivado do contrato de trabalho, desde que sejam pagas ao empregado as verbas rescisórias previstas em lei. O julgamento prestigiou a vigência da lei e a segurança jurídica. Preservou-se o entendimento de que demissões discriminatórias são ilegais por ofenderem princípios constitucionais, sem vedar a demissão sem justa causa conforme previsto há décadas na legislação trabalhista. E não se esqueça que a existência dessa modalidade de demissão nunca foi motivo para violação de direitos, uma vez que, o empregado recebe a multa rescisória do FGTS, como uma indenização pela rescisão imotivada. O que sempre deve ser observado é o equilíbrio nas relações trabalhistas e o cumprimento recíproco de obrigações e direitos entre empregadores e empregados. E a existência das alternativas de rescisão, entre elas a sem justa causa, gera maior equilíbrio nas relações e maior segurança nas tomadas de decisão dos empregadores. Este equilíbrio assegura qualidade nas relações de trabalho e desenvolvimento social e econômico do país.
- Patrícia Motta Leal, advogada especialista em Direito do Trabalho e Processo do Trabalho
O advogado trabalhista Gabriel Gomes Pimentel destaca que a decisão do Supremo, apesar de ter efeitos a partir da data do julgamento, deixa claro que o presidente não pode decidir sobre tratados internacionais sem submeter a pauta ao Congresso.
'Presidente não pode retirar Brasil de tratados internacional, de forma isolada, sem submeter decisão ao Congresso'
O Supremo Tribunal Federal entendeu, por maioria de votos, que a denúncia de tratados internacionais aprovados pelo Congresso Nacional e ratificados pelo Presidente da República não pode ser feita de modo unilateral pelo Presidente da República. Em outras palavras, o Presidente da República não pode, num Estado Democrático de Direito, de maneira isolada, retirar o Brasil de tratados internacionais, sem que tal decisão seja submetida ao Congresso Nacional. Assim, a denúncia feita pelo presidente Fernando Henrique Cardoso não observou as formalidades próprias. Entretanto, como a decisão se revela inovadora e apenas a partir dela é que são definidos com clareza tais critérios, o STF decidiu que esse novo entendimento se aplicará apenas daqui em diante, validando, portanto, a denúncia unilateral feita pelo presidente FHC.
- Gabriel Gomes Pimentel, advogado trabalhista
O advogado especialista em Direito do Trabalho Guilherme Machado fez questão de destacar a importância da decisão.
'É discussão formal, mas de consequências simbólicas e políticas relevantes'
A convenção que foi julgada pelo STF foi aprovada em 1992. Para isso, o Congresso Nacional teve que ratificá-la, ou seja, a convenção passou por um processo legislativo por meio do qual aquela Casa a aprovou e a introduziu no ordenamento jurídico brasileiro. Em 10 de abril de 1996, ela foi promulgada por FHC. Em 20 de dezembro, por meio de uma decisão do presidente, a convenção foi denunciada e cancelada. Importante esclarecer que a norma encontra-se suspensa no Brasil desde 1996, em função de denúncia apresentada à OIT pelo então presidente Fernando Henrique Cardoso, por meio do decreto. O ato presidencial foi editado meses após o Congresso Nacional ter aprovado a adesão do país à convenção. Ou seja, é exatamente a validade do ato de denúncia que estava em disputa, já que foi um ato unilateral e não uma decisão chancelada pelo Congresso Nacional. Se fosse declarada inválida, a questão seria novamente submetida ao Congresso Nacional. Portanto, é uma discussão formal, mas de consequências simbólicas e políticas bastante relevantes.
- Guilherme Machado, advogado especialista em Direito do Trabalho
Fonte: A Gazeta (https://www.agazeta.com.br/es/economia/entenda-o-que-muda-na-demissao-sem-justa-causa-apos-decisao-do-stf-0523)