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Artigos e opiniões

Talvez a LGPD não seja tão assustadora assim

Para gestor de condomínio, o consentimento do titular de dados, via assinatura de termo, pode ser um processo moroso e burocrático, e sugere o que chama de consentimento implícito. Entenda melhor

12/11/21 11:21 - Atualizado há 3 anos
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Imagem de um bairro, contemplado por vários prédios, e uma arte sobreposta com símbolos de cartas e cadeados, em referência à proteção de dados
Artigo explica o que é a LGPD, seu objetivo, por que é importante, e a necessidade do condomínios se adequar
iStock

Por Pablo Araújo*

No momento a LGPD está para os condomínios como o inverno estava para os  personagens do seriado Game of Thrones (HBO): “Winters is Coming” (literalmente: “O  inverno está chegando”. Aludindo a um perigo iminente). Pois é, a “LGPD está  chegando”, ou melhor, CHEGOU! E aproveitando a analogia do seriado, síndicos,  administradores e juristas estão perdidos (em todos os sentidos da palavra).  

Mas, após análise do texto completo da Lei e discussões com alguns síndicos e  juristas, entendo que “talvez o monstro nem seja assim tão assustador”.  Você síndico já deve ter recebido uma enxurrada de e-mails sobre cursos, webinar,  lives, treinamento e coaching sobre esse novo bicho-papão que estende seus tentáculos  em todas as camadas da sociedade. Mas afinal, o que é a LGPD e qual seu impacto na  gestão dos condomínios?  

LGPD é a abreviação da Lei Geral de Proteção de Dados (Lei nº 13.709/2018) e  seu nome é autoexplicativo, já que a Lei dispõe sobre o tratamento de dados pessoais da  pessoa natural.  

Objetivo da LGPD

O objetivo da LGPD é proteger “os direitos fundamentais de liberdade e de  privacidade e o livre desenvolvimento da personalidade da pessoa natural”. A Lei  estabelece as regras para o uso seguro dos dados pessoais com preocupação nuclear com  os chamados dados sensíveis: Cor da pele, orientação sexual, etnia, opiniões políticas,  convicção religiosa, dados genéticos e biométricos.  

Por que foi criada essa Lei?  

Porque os dados importam.  

Ouvi recentemente alguém dizer que “se você usa um produto e não paga por ele,  abre o olho, pois nesse caso o produto é você”. Pensou aí no Facebook, Instagram,  Amazon e Google?! Tudo de graça, e-mail, agenda, drive, vídeo chamada, rede social,  mas “não existe almoço gratuito”

Nessas empresas, o produto é você, seus dados valem ouro  no mercado em que elas atuam. Ah, não se esqueça de que você fornece dados  importantíssimos sem cobrar nada, em troca de uma conta de e-mail, likes, joinhas e  coraçõezinhos virtuais. 

Por décadas, as empresas digitais vêm colhendo seus dados e utilizando-os para  o melhor direcionamento de marketing, para que você simplesmente compre mais. Não  apenas para comprar obviamente, muitas vezes para pesquisas benéficas em ciências  sociais, mas também para criar tendências políticos questionáveis.

Com a LGPD o Brasil passa a fazer parte dos países que possuem uma legislação específica para a proteção de dados e a privacidade dos cidadãos. Embora a Lei seja bem  ampla incluindo questões como liberdade de expressão, informação, comunicação,  desenvolvimento tecnológico, entendo que seu núcleo duro está na questão da  privacidade, inviolabilidade da intimidade, da honra e da imagem.  

A privacidade dos dados pessoais importa  

Já ouvi muita gente dizer sobre invasão de privacidade ou espionagem: “Se você não estiver fazendo nada de errado, não deve temer que seus dados ou sua privacidade  sejam violados”. Eu respondo: “Ok, se a privacidade não importa publique mensalmente  no Facebook seu extrato bancário e, faça upload em sites adultos e vídeos de sua intimidade sexual”.  

Em 1785, Jeremy Bentham, filósofo e jurista inglês, concebeu uma penitenciária ideal (prisão de máxima eficiência), que permitia a um único vigilante observar ao mesmo tempo todos os prisioneiros, sem que estes soubessem exatamente o momento em que  estavam sendo observados, logo, na dúvida, os prisioneiros adotavam o comportamento  do vigilante central.  

Bentham denominou o sistema de PAN-OPTICON. Trata-se de um tipo de  arquitetura que permite um controle e vigilância central. Não é exatamente isso que essa  enxurrada de dados pode permitir a governos autoritários, empresas inescrupulosas e pessoas más intencionadas?  

Podemos usar como paralelo uma sociedade que usa uma arquitetura digital centralizada, que permite a vigilância de seus usuários mediante invasão de privacidade  e para isso, ter acesso aos dados é fundamental...sim, George Orwell estava certo no livro  1984 (um dos mais vendidos no Brasil em 2020).  

Muitos dados são privados e sensíveis, logo não devem ser utilizados ou tornados públicos sem a devida autorização de seus proprietários. Mesmo que ainda não seja  estabelecido que a LGPD será totalmente aplicada nos condomínios, convêm, evitar dar  visibilidade a dados pessoais sensíveis como por exemplo, sexo, posições políticas, data  de nascimento, endereço, remuneração, lucro etc. 

Esse assunto me levou a conversar com um amigo que me surpreendeu com um  conceito muito simples, mas de grande utilidade. Ele disse que na empresa na qual trabalho, é aplicado aplicado os três N’s: Nada, Nunca, Ninguém.  

Segundo ele, na empresa (não vou dizer o nome), os dados dos clientes são  tratados como se fossem os dados pessoais de cada um deles. Evita-se apresentação pública de e-mails, endereços, números de CPF e RG dos clientes...a filosofia é de que  pequenas coisas, pequenos detalhes, podem provocar grandes rachaduras no sistema.  

Compreendi a importância do NNN relacionando-o ao Princípio da Precaução:  Princípio moral e político que determina que se uma ação pode originar um dano irreversível, na ausência de consenso irrefutável (científico), o ônus da prova encontra-se do lado de quem pretende praticar o ato ou ação que pode vir a causar o dano. Bem  simples né!? Na dúvida sobre o dano que a divulgação dos dados possa provocar, não os exponha, proteja-os.  

Vamos entender a aplicabilidade da Lei pela ótica dos condomínios. Santíssima Trindade da LGPD:

  1. Titular dos dados: Detentor dos dados, condôminos, funcionários e visitantes
  2. Controlador: Tomador de decisão sobre o tratamento dos dados, condomínios e administradoras de condomínios;  
  3. Operador: Opera os dados, principalmente, as administradoras de condomínios.  

O que são dados pessoais?

Todas as informações relativas à pessoa física natural e podem ser subdivididos em:  

1) Dados pessoais: São os dados que identificam uma pessoa: RG, CPF, endereço  residencial, telefone, e-mail. Em suma, são esses os dados utilizados pelos condomínios e pelas administradoras de condomínios.  

2) Dados sensíveis: São os dados relacionados às questões mais sensíveis como raça, etnia, cor, orientação sexual, religião, opinião política etc. Aqui entra o RH das administradoras e empresas de portaria (física ou remota), que além de todos os dados pessoais listados acima, tratam dados sensíveis como resultados de exames médicos,  imagens, biometria, raça, cor etc.  

O que é tratamento de dados?

Toda e qualquer operação realizada com dados pessoais: Coleta, cadastro, armazenamento, processamento, acesso, transferência, difusão e eliminação.

A LGPD se aplica aos condomínios?

Embora ainda não tenhamos a resposta completa a esse questionamento, uma vez que os condomínios habitam aquela área cinzenta entre a pessoa física e a pessoa jurídica, que  vez ou outra assombra advogados e administradores, sim, a LGPD chegou aos condomínios:  

Art. 3º A Lei se aplica a qualquer operação de tratamento realizada por pessoa natural ou pessoa jurídica (...) desde que:  

II – A atividade de tratamento tenha por objetivo a oferta ou o fornecimento de  bens ou serviços (...).  

Não obstante, alguns juristas sustentam que a Lei não se aplicará à sociedade  condominial. Discordo veementemente dos “negacionistas” por um fato extremamente  simples: Os condomínios têm dados, muitos dados e, eles devem ser protegidos. Também não concordo com os “apocalípticos” que transformam isso num monstro, calma, não é  necessário. Na sequência do texto deixarei claro porque entendo que “talvez o monstro nem seja assim tão assustador”.  

Quais informações posso divulgar sem que isso gere problemas para o meu condomínio? As dúvidas vão desde informar o CPF do morador no boleto condominial,  a informar no site a relação dos moradores com débitos da taxa de condomínio.  

Os dados pessoais, que inclusive já circulam por aí, continuarão a circular, ou você  acha que vai conseguir abrir uma conta no banco sem passar seus dados pessoais? Comprar  um carro? Comprar um apartamento novo? O que muda é que agora haverá mecanismos de limitação de transmissão de dados e principalmente de responsabilidades pelos dados  fornecidos, recebidos, tratados e armazenados.  

Então...  

Primeiro: Não tenha medo, é mais simples do que parece;  

Segundo: Não saia por aí comprando cursos do LGPD Quântico; 

Terceiro: Não vá de porta em porta no seu condomínio pedindo para seus vizinhos assinarem um termo de confidencialidade...isso além de desnecessário é invasivo e,  demonstra desespero.  

Desmistificando a LGPD

Muitos gestores estão compreensivelmente preocupados nesse momento em pegarem o consentimento dos titulares dos dados, já que a punição por não cumprimento ou adequação à Lei pode ser pesada.  

Mas, precisamos realmente do consentimento dos moradores para tratar os  dados? Provavelmente não e aqui, abro o tema ao debate, já que muitos juristas poderão discordar.  

Mas tenho dois motivos para crer que o consentimento possa ser dispensado:  

MOTIVO 1: DADOS PESSOAIS E NÃO SENSÍVEIS

Condomínios e administradoras tratam de dados pessoais e não dados sensíveis.  Com exceção do RH, condomínio e administradoras operam apenas nos níveis dos  dados pessoais sem adentrar os dados efetivamente sensíveis e, no meu entendimento da Lei, o consentimento está dispensado:  

CAPÍTULO II  

DO TRATAMENTO DOS DADOS PESSOAIS  

Art. 7º o tratamento de dados pessoais somente poderá ser realizado nas seguintes  hipóteses:  

I – Mediante o fornecimento de consentimento pelo titular;  

(...)  

V – Quando necessário para a execução de contratos ou de procedimentos preliminares  relacionados a contrato do qual seja parte o titular, a pedido do titular dos dados;  

Lendo o Artigo 7º não é possível inferir que o artigo V depende necessariamente do I, ou  seja, condomínios e administradoras se enquadrariam no V sem passar pelo I, logo, não sendo necessário atender ao requisito do consentimento, já que tratar os dados pessoais,  é condição sine qua non para realização das atividades comerciais das administradoras e da gestão mínima de um condomínio.

MOTIVO 2: LEGÍTIMO INTERESSE  

O argumento do não consentimento pode ganhar ainda mais força nesse ponto da  Lei:  

Art. 10. O legítimo interesse do controlador somente poderá fundamentar tratamento de dados pessoais para finalidades legítimas, consideradas a partir de situações concretas,  que incluem, mas não se limitam a:  

I - Apoio e promoção de atividades do controlador; e  

II (...)  

§ 1º Quando o tratamento for baseado no legítimo interesse do controlador, somente os dados pessoais estritamente necessários para a finalidade pretendida poderão ser  tratados. 

Entendo que a LGPD viabiliza o tratamento de dados pessoais mesmo sem o consentimento do titular dos dados, desde que isso seja imprescindível para o legítimo  interesse do controlador em executar sua atividade profissional.  

Explicando melhor:

Dado que a atividade condominial requer o tratamento mínimo de dados pessoais, ou seja, tratar os dados é tarefa imprescindível para a gestão do condomínio e o livre exercício das administradoras de condomínios em consonância com o princípio do legítimo interesse (Art. 10º letra I), que além disso na produção de serviços trazem benefícios ao titular dos dados (cliente), não há obrigatoriedade de consentimento explícito (Art. 7º letra V) para o tratamento dos dados pessoais.  

Espero que esteja claro, que tal constatação não isenta os condomínios e  administradoras de implementar políticas mínimas de proteção dos dados dos clientes.  Entretanto, se você síndico ainda não está convencido de que poderá ficar tranquilo em relação aos dados de seu condomínio, sugiro que em vez de criar um procedimento complexo e moroso para colher assinaturas para um consentimento explícito, faço o procedimento para o consentimento implícito.  

Explicando melhor: 

O consentimento explícito, que acho desnecessário, mas pode ser uma demanda de alguns condomínios, pode ser moroso e burocrático para atingir todas as camadas, já que condôminos precisariam assinar em massa assinar os termos de concordância, protocolos etc.  

O consentimento implícito intui que dada a atividade comercial e presença digital de administradoras de condomínios, os dados pessoais podem e devem ser tratados (com  segurança, adequando-se à LGPD e políticas de compliance), logo, se algum morador ou  funcionário entenda que deva se opor ele deverá se manifestar ativamente.  

Em outras palavras, ao invés do condomínio abrir um canal para registrar todos que concordam com o tratamento dos dados, sugiro que se faça o caminho inverso: Somente  deverá ser manifestar, no devido prazo, quem não concorda. Entendo que dessa forma haverá mais tranquilidade e melhor resultado numa análise custo-benefício.  

Além do mais, o consentimento implícito preserva a liberdade de escolha, ou seja,  indo diretamente de encontro ao objetivo da LGPD, conforme explicitado no início. 

De forma prática: Cada condomínio e administradoras de condomínio criariam uma comunicação a todos seus clientes reafirmando seu compromisso com a política de privacidade, segurança, finalidade e necessidade dos dados, boa-fé e compliance,  concedendo a todos prazos para manifestação contrária ao uso mínimo de seus dados  pessoais. 

Se o entendimento estiver correto, a LGPD estará para nós como os monstros no filme "Monstros SA" estavam para as crianças: No início o medo dos monstros era o melhor negócio. Depois descobriram que era melhor rir de tudo.  

(*) Gestor de Condomínios na Convivium Administração de Condomínios.

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