Em condomínio, uma vizinha cuida da outra e juntas preservam amizade admirável
Certo dia, ao subir as escadas para chegar ao meu andar, o terceiro de um residencial na Vila Sobrinho, em Campo Grande, encontrei duas senhorinhas que só conhecia pelo primeiro nome: dona Iara e dona Maria. Simpáticas vizinhas, elas subiam lentamente não por vontade, mas pela idade, e me ofereceram a vez, para que eu chegasse mais rápido em casa. Agradeci, mas disse que naquele dia o meu cansaço não permitia uma velocidade além da delas. Foi bom. Presenciei uma cena que deve se repetir em vários condomínios e no meu especificamente, há anos, mas que me fez imaginar quão valiosa é a relação entre vizinhos.
Reuni as quatro velhinhas do condomínio. Lá existem bem mais, mas são elas que vejo frequentemente caminhando juntas, indo ao mercado juntas, mesmo que só por um passeio entre as gôndolas. Elas também rezam o terço, cada semana na casa de uma, vão à missa e até ao médico. Uma sempre em companhia da outra.
A mais nova delas de idade e também de tempo ali é Isaura Pereira da Silva. Tem 69 anos de idade e quatro de convivência diária com as amigas. Aposentada, de início estranhou um pouco deixar a casa grande com quintal e jardim pelo apartamento. "Mas a gente abre a porta e sempre tem um na frente", repete, talvez as mesmas palavras que a consolaram quando se mudou.
A mais velha delas ali é dona Inês Maria Possi, de 78 anos e 23 de moradora. Seguida de dona Iara Neves Rocha, de 76 anos e 22 de prédio e Maria Pampluna, de 74 de idade e entre 18 e 19 anos de vizinha. "Eu sou a última, vim para juntar", acrescenta Isaura.
Sentadas no sofá da casa da mais nova amiga, elas me contam que juntas fazem crochê, claro, mas que também sabem falar mal da vida dos outros. A resposta sai em tom de brincadeira. "Vamos na pastoral juntas, fazemos caminhada, apesar de que agora eu estou de licença", conta Isaura.
As quatro vizinhas, além de amigas, se tornaram o braço direito uma da outra e a companhia para a chegada desta fase da vida em que os filhos se casaram, os netos já não se fazem mais tão presentes e os maridos se foram. Juntas, tenho a impressão de que elas dividem o peso que a velhice também traz.
Dona Inês, por exemplo, é viúva e há muitos anos mora só. Dona Iara teve o marido submetido a uma cirurgia recentemente e se divide em duas para cuidar dele. Dona Maria está tratando de um câncer de mama e Isaura teve a sobrinha entre a vida e a morte recentemente. Em nenhuma das vezes em que vi a porta da casa de uma delas aberta, não ouvi risadas ou um cumprimento alegre de 'bom dia, boa tarde ou boa noite'.
Pergunto se, quando se mudaram para ali, imaginavam que formariam laços tão fortes como estes. Numa voz bem fininha, quase de criança, dona Inês é quem responde. "A gente sempre pensa que vai juntar as amigas, não é? Tenho várias. A gente se ajuda, se precisa, todo mundo se ajuda", explica.
Maria emenda dizendo que até nas festinhas elas chegam em grupo. "É difícil a gente ficar sem se juntar. Somos assim, a dona Iara tem marido, a gente pergunta se ele melhorou. A dona Inês é uma artista, é ela quem ensina o crochê, é a nossa madre superiora", brinca. A neta, que acompanha a entrevista da porta, esperava apenas pela chave de casa. Como não encontrou a avó ao tocar a campainha, entra na reportagem para dizer que sabia que Maria só podia estar na dona Isaura.
A verdade é que a relação entre as vizinhas velhinhas dali ou de qualquer outro lugar onde o convívio é diário e de amizade se torna tão próxima quanto dos familiares. "Somos os parentes mais próximos. Teve um dia que passei mal, tive labirintite, eles que me levaram. Os parentes foram me encontrar no hospital já", exemplifica Isaura.
Dona Maria fala que chorar com as amigas nunca chorou. "Mas já saiu lágrima do olho", fala. Creio que talvez a público seja difícil admitir que os medos da vida continuam mesmo com o passar dos anos.
"A gente está sempre sabendo da vida uma da outra. Quando uma viaja, a outra 'agoa' as plantinhas. Só que às vezes não devolve", continua Maria. No seu caso, o comentário é uma 'pontada' para a amiga Isaura que foi quem ficou responsável pelas suas plantas numa viagem passada e nunca mais devolveu. "É que aqui ela está abrindo, crescendo, na casa dela não floria, então deixei aqui", justifica Isaura.
O câncer de mama que dona Maria vive, por exemplo, há um ano, foi explicando passo a passo pela vizinha Isaura. "Eu tive e curei, então quando ela foi tratar, já sabia de tudo", descreve.
Juntas elas também sabem brincar entre si. "Quando vamos para a festinha a gente fala que abriu a porta do asilo. Mas eu falo que só as cuidadoras que saíram, que os velhinhos ficaram", brinca dona Iara e dona Maria.
Três delas moram no mesmo bloco. Do térreo, Isaura chega a chamar as vizinhas assoviando. Da janela, elas respondem ao cumprimento. Dona Inês, a que está mais longe, dois blocos à frente, é só mesmo pelo interfone ou quando chega a hora do café da tarde.
Encerrando a nossa conversa, elas dão um desfecho admirável sobre a amizade que cultivam. "Acho que as velhinhas são mais fáceis que as mais novas", compara Isaura, na hora de fazer e manter amigos. "Se não fossem elas, eu não ia conseguir. A gente não consegue viver sozinha", pontua.
Dona Inês completa dizendo que sem as vizinhas, estaria na verdade sem as amigas. "A gente sentiria muita falta, acho muito chato às vezes e até falo para a Maria, que aqui não tem criança para fazer barulho", expressa dona Iara. "Mas eu falo que está bom, temos as amigas. Vizinha é bom demais, eu não paro em casa. Desço vou para a Isaura, a gente se reúne para um café, um pipoca e vamos passando uma na casa da outra, chamando para ir à missa".
A cena que vi foi justamente de dona Iara e dona Maria, que moram uma ao lado da outra. Iara esperava Maria entrar em casa e chaviar a porta. Maria também. As duas se despediram cada uma à sua entrada, esperando para que a outra fechasse a porta primeiro. Amizade não tem idade, mas quando ela chega, é um alívio saber que uma tem à outra. Sempre. Lado a lado.
Fonte: http://www.campograndenews.com.br/
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