Vida em condomínio, leis e educação
O âmbito jurídico nem sempre é a melhor saída para solução de problemas na vida condominial
Por Gabriel Karpat*
No final de setembro desse ano, o Supremo Tribunal Federal (STF) proferiu decisão que desobriga moradores de ruas fechadas e vilas de participarem do pagamento das contribuições mensais. O entendimento pela inconstitucionalidade trouxe à tona novamente o conceito de vida em condomínio, que não é restrita àquilo que mais conhecemos, os prédios residenciais e comerciais, onde a taxa de condomínio continua valendo. Inicialmente, a decisão pode parecer que atinge apenas as associações de bairros. Porém, de fato, não é o que acontece. Alguns loteamentos fechados, anunciados como “condomínios fechados”, também são afetados. Eles são organizados e funcionam como associações, pois são considerados condomínios de fato pelos serviços oferecidos e normas internas de convivência, mas não condomínio de direito. O cerne da questão, porém, não está na análise da legalidade das cobranças ou dos itens que caracterizam ou não a construção como condomínios. O que precisa ser debatido é o fato de decorridos mais de 50 anos da primeira lei dos Condomínios (4591/64), e tendo vivenciado uma grandiosa migração da população para edifícios com a crescente oferta de moradias verticais nas grandes cidades – somente em São Paulo, nos últimos cinco anos foram lançados mais de 2.000 edificações –, ainda não termos aprendido a viver em comunidade. O ponto de partida para a decisão do STF foi, justamente, a falta de entendimento entre participantes de uma mesma comunidade. É absolutamente positivo que as decisões judiciais, baseadas nas leis e na Constituição Federal, auxiliem na manutenção da ordem e garantam a boa convivência. Tais decisões, no entanto, só ocorrem se o Judiciário for provocado. No caso da decisão pelo pagamento (ou não) da taxa de condomínio, não havia a necessidade da intervenção da lei. Nada impede que um morador pague a contribuição, caso o faça por livre e espontânea vontade e com o intuito de cooperar para a manutenção da ordem e patrimonial do local que habita com seus familiares. Da mesma maneira, outros casos poderiam tomar rumos que não dos tribunais. Um dos grandes conflitos entre vizinhos que dividem paredes envolve o excesso de barulho, principalmente em horários noturnos. Para solucionar o problema, novamente busca-se o Judiciário. Aplicam-se multas e, principalmente, se semeia uma infinidade de discórdias. Mas, se houvesse maior compreensão e, sobretudo, respeito ao próximo na conduta e no comportamento, tudo isso poderia ser evitado. Outro exemplo típico de que não é preciso buscar o amparo exclusivo nas leis se refere ao uso do salão de festas. Se os moradores de um condomínio concordam em assembleia que o volume do som pode permanecer alto até as duas da manhã, o som poderá permanecer até esse horário, sem que haja reclamações dos demais. Da mesma forma, podem ser resolvidas questões comuns como vagas na garagem, vazamentos e outros eventos de maior ou menor importância, mas que, se não adequadamente ajustadas, desembocarão nas varas dos tribunais à espera de um juiz que julgue e determine a melhor forma de solucionar uma questão que dizia respeito exclusivamente àquela comunidade e/ou família. Pior ainda, a decisão servirá de base jurisprudencial para outros eventos supostamente similares, mas muitas vezes com características totalmente diferenciadas. A melhor solução para os problemas e diferenças existentes nos condomínios está “dentro de casa”, por meio da conciliação. É claro que devemos respeitar as leis e garantir o direito de propriedade dentro dos edifícios. Mas, é admissível ajustar e tolerar. É possível ceder nas questões que não firam a legalidade e moralidade daquela comunidade e criar com civilidade as regras baseadas em seus próprios costumes. Para isso, não são necessárias leis. É preciso educação.
(*) Gabriel Karpat, economista (PUC-SP), mediação e arbitragem (FGV), especialista em condomínios, autor de livros e diretor da GK administração de Bens.