Condomínios em encostas: conheça os perigos e os cuidados
Tragédia no Litoral Norte de SP é exemplo. Gestão e moradores devem conhecer causas, riscos e prevenções para prédios, casas ou condomínios em encostas.
O Carnaval de 2023 infelizmente ficou marcado pela chuva histórica que provocou deslizamentos de terra e devastou o Litoral Norte de São Paulo.
O volume de água, de fato, bateu recordes, mas as características do terreno e a ocupação da região, com casas, loteamentos, prédios e condomínios em encostas, podem ter contribuído para agravar a tragédia.
Além dos danos materiais, com veículos e casas inundados ou completamente destruídos pelo desmoronamento de terra, o desastre no Litoral Norte de São Paulo soma, até agora, mais de 2 mil pessoas desalojadas e desabrigadas e 65 vítimas fatais, conforme o último boletim divulgado pelo Governo do Estado, nesta sexta-feira (3º/03/23).
Aos que administram ou moram em condomínios em encostas, existe o perigo de casas serem invadidas pela lama, muros cederem com a força de um deslizamento de terra e outros bens serem danificados, mas há danos maiores, como custar a vida de alguém.
Para que essa não seja sua realidade, o objetivo dessa matéria do SíndicoNet é alertar síndicos, administradoras e moradores sobre causas, riscos e prevenções aos condomínios de prédios, casas ou loteamentos localizados próximos ou em cima de encostas. Confira!
Condomínios em encostas devem se preocupar com as chuvas
Riscos ou acidentes com deslizamento de terra em condomínios localizados próximos ou em cima das encostas são mais comuns do que se imagina. Separamos aqui alguns casos que divulgamos no portal nos últimos anos:
- Muro cede e rompe tubulação de água de condomínio no interior de SP
- Retirada de vegetação acelera processo de erosão de solo e preocupa condôminos em BH
- Apartamentos atingidos por deslizamento de terra do Morro do Cantagalo são desocupados
- Deslizamento de terra atinge área de lazer de prédio no Rio
- Valão desgasta contenção de prédio em Niterói
- Moradores de prédio em São Vicente (SP) temem riscos iminentes pela proximidade de morro
- Casas de condomínio em Caraguatatuba (SP) são tomadas pela lama
- Casas de condomínio situado em frente ao morro da Praia da Armação, Búzios, são interditadas
Podemos notar que a maioria dos casos aconteceu após chuvas volumosas, que são comuns principalmente no início do ano (verão).
Em outros episódios, temporais fora de época, cada vez mais frequentes por conta dos efeitos do aquecimento global, pegaram as pessoas de surpresa. Mas, em síntese, um solo encharcado está propício a deslizamentos.
No dia da tragédia no Litoral Norte de São Paulo (19/02/23), por exemplo, foram registradas chuvas de até 573 mm por dia na região, de acordo com os dados citados por Alexander Ganshin, CEO da Meteum e Ph.D. em Física Atmosférica. Para comparação, apenas na cidade litorânea de São Sebastião, a média de fevereiro é de 213 mm.
Segundo o Centro Nacional de Monitoramento e Alertas de Desastres Naturais (Cemaden) e o Instituto Nacional de Meteorologia (Inmet), as chuvas que caíram no Litoral Norte de São Paulo foram as maiores registradas em 24 horas na história do Brasil.
Ocupação urbana: Intervenções do homem agravam as condições do terreno
Muita chuva caiu, é verdade, porém, esse fenômeno natural, ainda que alterado pela ação do homem, não pode se tornar o vilão das tragédias urbanas sozinho. Com o desmatamento da floresta, o ser humano também tem papel importante na modificação dos relevos.
Isso porque a ocupação desenfreada, e muitas vezes irregular, das cidades formadas por relevos acidentados, como morros, serras, montanhas e encostas, faz com que um movimento natural de deslizamento de terra se transforme em desabamentos de imóveis e soterramentos de pessoas.
Sem entrar na polêmica do licenciamento ou do crescimento no número de empreendimentos imobiliários, obras e construções em terrenos íngremes aumentam o peso sobre o solo.
Medidas preventivas e de segurança são grandes aliadas dos condomínios em encostas
Por isso, deve-se prever os riscos de desastres naturais ou mesmo os causados pelo homem. Dessa forma, etapas construtivas que movimentam a terra diretamente, tais como terraplanagem e fundação, precisam ser detalhadamente estudadas e executadas pelas construtoras e incorporadoras, para prever qualquer risco.
Uma das garantias disso é a aprovação do imóvel na prefeitura. Entre outras medidas de segurança, nesse processo são considerados estudos de capacidade de uso do solo e emitida a planta de uso pretendido, especificando as condições e o tratamento dos cortes de talude, por exemplo, bem como da fundação.
É muito importante o síndico estar em posse dessa documentação, o que nem sempre acontece, pois os arquivos acabam se perdendo facilmente durante a passagem de bastão de uma gestão para outra.
Pela experiência da síndica e Gerente de Unidade da administradora Lello Condomínios Vânia Dal Maso, há outros motivos para a ausência desses arquivos.
"Muitos condomínios foram construídos irregularmente, sem aprovação dos órgãos públicos competentes. Nestes casos, preferimos não assumir, ou somente aceitamos quando enxergamos que é possível regularizá-lo", ela afirma.
Condomínio na Barra do Sahy: case de boas práticas preventivas em encosta
Conforme explica Fernando Alves, geólogo e diretor técnico da Regea Geologia, Engenharia e Estudos Ambientais, o condomínio que se sentir desamparado de documentação pode buscar informações na Defesa Civil Municipal ou contratar um consultor especializado, para responder aos cuidados e definir as boas práticas para o empreendimento.
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Esse foi o caminho escolhido por Vânia em um dos seus condomínios que estão localizados na fatídica Barra do Sahy – região mais afetada pela tragédia do Litoral Norte de São Paulo.
A cada seis meses, um topógrafo emite um laudo para acompanhar se o terreno do condomínio sofreu alguma movimentação. De acordo com a síndica, as primeiras adequações em atendimento ao laudo foram caras; depois bastou seguir com a manutenção.
"Muita gente está correndo atrás disso agora. É um serviço relativamente caro, mas se levar em consideração o nosso caso, um condomínio composto por trezentas unidades e um terreno extenso, o custo de R$ 7 mil é razoável. Já é uma despesa prevista no orçamento e o valor não chega aos pés de possíveis prejuízos. Felizmente, nunca tivemos problemas, nem mesmo neste temporal histórico do Carnaval”, expõe.
Perigos que condomínios em encostas correm
Os condomínios de prédios ou de casas localizados em solo acentuado, seja em aclives ou declives, estão sujeitos a movimentos de massa e enxurradas. Fernando cita e descreve esses eventos da seguinte forma:
Movimentos de massa
- Deslizamentos de terra: Quando a própria massa mobilizada pode atingir o empreendimento;
- Quedas e rolamentos de blocos: Quando existem blocos misturados ao solo, que, após chuvas, podem rolar ou cair sob o condomínio;
- Corridas de lama ou de detritos: Quando grandes escorregamentos ocorridos fora do condomínio podem descer ao longo do vale;
- Erosão: Fenômeno muito comum no interior de São Paulo, que desgasta o solo, podendo formar buracos, como voçorocas (fendas produzidas na terra por forte enxurrada) e ravinas (barrancos provocados por enxurradas de água pelas encostas), e muitas vezes, acaba assoreando os cursos de água.
Enxurradas
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Além das costumeiras enxurradas sobre a pavimentação urbana, incluem também as cabeças d’agua (pequeno curso d'água transformando-se em corredeiras).
Problemas no solo podem estar evidentes na estrutura do condomínio
De acordo com Vânia, que atende diversos condomínios no litoral de São Paulo situados próximos a encostas e cercados pela floresta, assim que assume a gestão desse tipo de empreendimento, é realizada uma vistoria para conhecer as condições do local, em especial do terreno em si.
Tal inspeção deve se tornar periódica, uma vez que o próprio zelador, ou mesmo os moradores, podem identificar os sinais de que algo está errado com o terreno, como por exemplo:
- Árvores, cercas, postes ou muros com alguma inclinação anormal;
- Rachaduras, trincas ou saliências no chão ou nas parede aparecendo de maneira sistêmica, ou seja, raramente notadas individualmente. No pavimento, muitas vezes surgem paralelas ao corte do talude, formando até mesmo um degrau;
- Trinca vertical ou inclinada no muro lateral, separando a parte da estrutura que quer se mexer da que quer ficar parada;
- Batentes de portas e janelas deformando;
- "Embarrigamento" de muros de arrimo;
- Indícios intensos de erosão;
- Locais com mais lama do que o normal. Em caso de vazamento no condomínio, o terreno pode ficar comprometido ainda mais rápido.
Veja também: Trincas problemáticas em paredes, pilares e lajes
Condomínios de casas ou prédios em solos inclinados: 9 cuidados especiais
Empreendimentos construídos em terrenos inclinados exigem atenção e cuidados especiais. Separamos 9 pontos de atenção:
1. Armazenamento do lixo
Não deixá-lo em contato direto com a terra, pois acumula água e até gás metano, aumentando o peso e o risco de deslizamento. Cuidados também para não entupir vias de escoamento da água pluvial.
2. Não desmatar
Árvores atuam como um telhado vegetal, protegendo o solo contra erosão, pois diminui o impacto da água da chuva e os efeitos dos ventos sobre a superfície do solo.
3. Reflorestamento
Proteger o local com vegetação que possui raízes longas e gramas que fixam na terra. Por isso, evite plantar bananeiras e outras plantas de raízes curtas.
Acesse também: Dicas de manutenção para jardins de condomínios
4. Compostagem de resíduos
Trata-se da transformação da matéria orgânica (sobra de alimentos como cascas de ovo, frutas, legumes, etc) em adubo natural. A prática ajuda a recuperar a fertilidade do solo e a protegê-lo contra a degradação.
5. Drenagem/Escoamento correto das águas pluviais
Canaletas bem dimensionadas, com sistemas de descida de água satisfatórios, seja como escadas hidráulicas ou caixas de dissipação. Além disso, realize manutenção e limpeza periódicas para mantê-las sempre desobstruídas.
6. Não realizar cortes no terreno sem a autorização da Prefeitura
7. Construção de muro de arrimo ou de contenção, se necessário
8. Tratamento de águas limpas e de esgoto
Nunca descarte a água doméstica (pia, tanque ou chuveiro) nas encostas. Além de ser errado e contaminar o solo, umedece a área e acentua o risco de deslizamento.
9. Vazamentos
Detecte e conserte os vazamentos nas áreas comuns do condomínio e nas unidades o mais rápido possível para que essa água não alcance o solo.
Seguro de cobertura ampla do condomínio cobre desastres naturais
A apólice de seguro de cobertura ampla cobre a garantia de reconstrução por perda total do condomínio em diversos cenários, como desmoronamento, alagamento, vendaval e deslizamento de terra.
Dessa forma, se o seu condomínio está localizado em área de risco, vale adquirir uma apólice de cobertura ampla. No entanto, como ela oferece uma grande recompensa, seu custo pode chegar a até três vezes o da apólice da cobertura simples.
- Saber mais: Tipos de cobertura de seguros para condomínios
Agora que você já aprendeu tudo sobre os perigos e os cuidados para condomínios em encostas, bem como a importância da preservação ambiental, confira outras práticas para tornar sua gestão mais sustentável.
Fontes consultadas: Vânia Dal Maso (Gerente de Unidade da Lello Condomínios), Fernando Alves (geólogo e diretor técnico da Regea Geologia, Engenharia e Estudos Ambientais), Alexander Ganshin (Meteum), Cemaden, Inmet.