Tudo o que precisa saber sobre gestão de condomínio misto
Matéria aponta quais as características de um condomínio misto, funcionamento, desafios e oportunidades para síndicos
Um condomínio misto proporciona diferentes usos numa mesma edificação: residencial, comercial, NR (não-residenciais), térreo com fachada ativa, lojas, etc. E é claro que, tudo isso junto, resulta em inúmeras peculiaridades e exige uma gestão diferenciada do síndico.
Nesta matéria, vamos falar sobre as características de um condomínio misto, funcionamento, desafios da gestão (divisão de despesas, convivência entre moradores com interesses distintos e controle de acesso), bem como as oportunidades que síndicos podem encontrar nesse nicho. Confira!
O que define um condomínio misto?
Condomínios mistos são empreendimentos imobiliários que combinam diferentes tipos de uso dentro de um mesmo complexo ou área.
Geralmente, esses condomínios incluem apartamentos residenciais na parte superior da torre, enquanto o térreo se destina para fins comerciais diversos. Tudo dentro de um mesmo espaço físico.
Os serviços mais comuns nesses empreendimentos são lojas, escritórios, salões de beleza, salas comerciais, farmácias, laboratórios, lojas de conveniência, pet shops, padarias/restaurantes e estacionamentos. Em São Paulo, por exemplo, o térreo desses condomínios mistos normalmente é ocupado pelas drogarias e também por pequenos mercados.
Além de oferecer serviços profissionais, gastronômicos, varejo e comércio, condomínios mistos também podem abranger espaços de lazer, cultura e entretenimento, como cinemas, teatros, academias e galerias de arte.
Conceito de fachada ativa
Quando esses estabelecimentos de um condomínio misto se tornam acessíveis à toda população diretamente a partir da calçada, proporcionam uma interação dinâmica com o ambiente externo, que enriquece a vida comunitária daquele bairro e oferece conveniência aos moradores. Tal conceito é conhecido como fachada ativa.
Como bem explica o síndico profissional Renato Alves, da Adm Síndico, um condomínio misto com fachada ativa significa que o empreendimento possui uma loja acoplada a ele, ou seja, que já faz parte da edificação.
Restrições às atividades comerciais
Tais espaços podem ser concebidos e direcionados para uma finalidade específica, em geral, para fins gastronômicos ou estacionamento, mas também podem ser alugados. Tudo vai depender da construtora ou da convenção do condomínio.
Alguns prédios de uso misto podem estabelecer restrições quanto ao tipo de negócio a ser instalado ali, como proibir bancos e casas lotéricas, pensando na segurança dos moradores ou mesmo bares por conta do barulho. Na maioria das vezes, essas regras constam nas convenções.
Mas, na opinião de Renato, o que acontece na prática é que essas restrições recaem muito mais na hora da venda do imóvel pela construtora do que na própria regra do condomínio.
"Se nada disso estiver descrito em convenção e os condôminos quiserem proibir, por exemplo, um sex shop, será necessário realizar uma assembleia, com quórum específico, para impedir o funcionamento desse tipo de espaço", explica ele.
NR (unidade não-residencial)
Com dito acima, condomínios mistos são compostos por setores com categorias de uso diferentes (morar ou fazer negócios), dentre os quais estão as NRs (não-residenciais) - aquelas unidades destinadas para fins comerciais, principalmente moradia e locações de curta temporada.
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Ou seja, as NRs são um tipo de unidade imobiliária, as quais estão localizadas tanto em condomínios residenciais quanto nos mistos.
Incentivo público e crescimento do mercado de condomínios mistos
O boom de unidades NRs, sobretudo em São Paulo, é um assunto que conversa bastante com a expansão de condomínios mistos, decorrente, por sua vez, do incentivo do poder público para incorporadores construírem esse tipo de edificação.
Conforme Anuário do Mercado Imobiliário de 2022 realizado pelo Secovi-SP, foram contabilizados 506 projetos residenciais nesse ano, dos quais 28% (172 alvarás) eram de uso misto (residencial e não residencial).
Já nos projetos não residenciais aprovados em 2022 em São Paulo, foram identificados 175 alvarás de uso não residencial, sendo 143 projetos mistos (82%).
Segundo Marco Gubeissi, diretor de Produtos, Serviços e Tecnologia da Associação das Administradoras de Bens Imóveis e Condomínios de São Paulo (AABIC), o Plano Diretor da cidade de São Paulo, por exemplo, prevê incentivos para a construção de condomínios mistos pois considera que, além deles servirem a si mesmos, também se prestam de alguma forma à comunidade no entorno.
Em artigo publicado no SíndicoNet, Roberto Piernikarz cita a advogada especialista em mercado imobiliário, Ana Beatriz Almeida Lobo, que esclareceu que as mudanças do Plano Diretor de São Paulo "procuraram tornar a cidade mais dinâmica nas regiões próximas dos corredores de ônibus e estações de metrô, com mais uso misto e multiuso”.
Isso facilita muito o deslocamento das pessoas, reduzindo o uso de automóveis, melhorando a mobilidade urbana, tornando a cidade mais sustentável e os prédios até mais seguros, já que o movimento comercial pode dar mais vida ao local e inibe o crime.
Em entrevista ao site Casa Vogue, em julho do ano passado, o CEO da Vitacon, Ariel Frankel, compartilhou alguns números da construtora quanto ao segmento de condomínios mistos com fachada ativa, que reforçam o foco em construir esses edifícios.
“Temos hoje 80% dos nossos empreendimentos com fachadas ativas. São 40 edifícios, 50% já prontos, com 2/3 das lojas ocupadas, e o restante a ser entregue nos próximos 18 meses”, conta Frankel.
Legislação
A legislação que rege os condomínios mistos é a mesma dos condomínios com destinação única, no caso o Código Civil.
No entanto, a depender do tipo de estabelecimento presente no condomínio misto, somente aquele setor comercial estará sujeito a legislações específicas de licenciamento, como Vigilância Sanitária, IBAMA, etc.
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Gestão de condomínio misto: Desafios e oportunidades
Marco Gubeissi e Renato Alves enfatizam que, de fato, a gestão de condomínio misto é mais complexa se comparada a empreendimentos de uso único (residencial ou comercial). Isso se deve a três condições:
a) Divisão de despesas
Dentre as principais dúvidas daqueles que estão pensando em morar ou abrir um negócio em condomínio misto está em entender onde começa e termina cada área, ou seja, quais seriam os limites entre a parte residencial e a comercial.
É por conta disso que conflitos na divisão de despesas entre unidades residenciais e comerciais são os principais problemas em condomínios mistos.
- Saiba mais: Guia sobre Rateio de Despesas em Condomínios
Manutenções de áreas comuns no geral, como reforma de telhado, calçada, elevadores, adequações de AVCB, contas de consumo com hidrômetros não individualizados, geralmente, causam debates calorosos sobre quem é responsável pelo pagamento - se todos os condôminos ou apenas os usuários de cada serviço/equipamento.
De acordo com Marco, vem daí a necessidade de convenções e regimentos internos claros, com critérios que sejam exequíveis.
b) Convivência entre moradores com interesses distintos
Incômodos causados pelas atividades comerciais também são comuns em condomínios mistos. Se o empreendimento não foi projetado com unidades, acessos e instalações claramente independentes uma das outras áreas condominiais, os moradores podem se incomodar com situações desagradáveis.
Exemplos: cheiro indesejado de um certo tipo de comida do restaurante debaixo ou o barulho dos clientes do bar que se estende madrugada afora.
Na visão do diretor da AABIC, esses desentendimentos realmente acontecem em condomínios mistos, mas esse cenário vem mudando.
"Por incrível que pareça, não temos tido grandes problemas de convivência entre apartamentos e lojas, mas sim entre apartamentos residenciais e apartamentos não-residenciais", ele afirma.
c) Controle de acesso
Isso nos leva à terceira situação que mais causa atritos em condomínios mistos: controle de acesso.
Se observamos um condomínio misto, por exemplo, que disponha de um setor residencial com apartamentos de alto padrão e outro não residencial com estúdios destinados à hospedagem, sem divisões físicas claras, a portaria sofre com uma maior rotatividade de pessoas, hóspedes chegando à noite, de madrugada, etc.
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Sem falar no hóspede que convida visitantes. As unidades NRs, muito usadas para locação de curta temporada, costumam não disponibilizar vaga de garagem, então, muita gente entra e sai a pé, sobrecarregando ainda mais a portaria.
Assim sendo, muita coisa vai depender de como o empreendimento foi projetado. Segundo Marco Gubeissi, há condomínios mistos com acessos totalmente independentes entre os setores residencial, comercial (e não-residencial, se aplicável), enquanto o que se vê, habitualmente, são acessos únicos, compartilhados.
Se houver fachada ativa, essa dinâmica de segurança exige atenção redobrada.
Nesse caso, cabe aos síndicos organizar esse processo através do regimento interno ou investir em adequações físicas.
"Esse é o maior desafio que os síndicos têm que enfrentar, pois cada empreendimento tem peculiaridades e você vai ter que aplicar uma técnica para lidar com elas. Tem que saber fazer uma boa leitura do condomínio e da sua convenção, além de formatar uma boa previsão orçamentária para poder operacionalizar o espaço", enfatiza o síndico profissional Renato Alves.
Justamente pela complexidade, Marco destaca que a gestão de condomínio misto é uma grande oportunidade para síndicos.
"Se os gestores estudarem e entenderem desse mercado e como esses empreendimentos funcionam, podem ter um diferencial em relação àqueles que não se preparam", ele finaliza.
Fontes consultadas: Renato Alves (síndico profissional na Adm Síndico) e Marco Gubeissi (diretor de Produtos, Serviços e Tecnologia da AABIC).